Trump suspende ajuda militar para a Ucrânia: qual o impacto para Kiev?

A Casa Branca confirmou nesta segunda-feira (03/03) que os Estados Unidos vão pausar a ajuda militar à Ucrânia, que há três anos está em guerra após invasão da Rússia.


BBC News

"O presidente deixou claro que está focado na paz. Precisamos que nossos parceiros também estejam comprometidos com esse objetivo. Estamos pausando e revisando nossa ajuda para garantir que ela esteja contribuindo para uma solução", afirmou uma fonte da Casa Branca à CBS, parceira da BBC nos EUA.

Trump durante encontro com Zelensky na sexta-feira passada (28/02), quando os dois se desentenderam publicamente | EPA

Segundo a agência Bloomberg, a primeira a noticiar a suspensão, todo equipamento militar dos EUA que não esteja na Ucrânia ficaria inacessível, como armas em trânsito e armazenadas em depósitos na Polônia.

Horas depois do anúncio, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou na tarde de terça-feira (4/3) que seu país está pronto para "sentar à mesa de negociação o mais rápido possível" para construir "uma paz duradoura".

"Estamos prontos para trabalhar rapidamente para acabar com a guerra", disse ele em uma declaração publicada em sua conta no X na tarde de terça-feira (4/3).

No post, Zelensky também detalha o que sugere como próximos passos em direção ao fim do conflito: "As primeiras etapas poderiam ser a libertação de prisioneiros e uma trégua no céu — proibição de mísseis, de drones de longo alcance e de bombardeio de infraestruturas de energia e outras infraestruturas civis — e trégua no mar imediatamente, se a Rússia concordar em fazer o mesmo".

É uma mudança em relação a declarações recentes do presidente ucraniano. Na própria segunda-feira Trump havia criticado Zelensky por dizer que o fim da guerra com a Rússia estava "muito, muito distante".

"O que eles estão pensando?", indagou Trump na rede Truth Social.

Em encontro na Casa Branca na última sexta-feira (28/2) para assinar um acordo relativo a minerais ucranianos, Trump e Zelensky bateram boca. O americano acusou o ucraniano de estar "jogando com a Terceira Guerra Mundial".

Também na reunião, Trump fez uma ameaça, após Zelensky questionar as chances de uma saída diplomática para o conflito: "Ou vocês fazem um acordo, ou estamos fora".

Nesta terça-feira, o presidente ucraniano usou a mesma mensagem no X para classificar a reunião de sexta como "lamentável" e se dispôs a trabalhar em uma comunicação construtiva.

A volta do acordo dos minerais

Zelensky disse ainda nesta terça que seu país segue disposto a assinar o acordo dos minerais com os EUA, o que acabou não acontecendo na sexta-feira.

O acordo permitiria acesso de investidores dos EUA à exploração dos chamados minerais de terras raras, cobiçados pelas indústria de tecnologia, em solo ucraniano.

"A Ucrânia está pronta para assiná-lo a qualquer momento e em qualquer formato conveniente. Vemos esse acordo como um passo em direção a uma maior segurança e a garantias de segurança sólidas, e espero sinceramente que ele funcione de forma eficaz", disse o presidente.

O ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional dos EUA Michael Carpenter, que ocupou o cargo durante o governo de Joe Biden, classificou a suspensão da ajuda militar como "espantoso".

"Nesta guerra, há um agressor e uma vítima muito claros. A Rússia é o agressor e a Ucrânia é a vítima, e estamos agindo como se fosse o inverso", disse Carpenter à BBC.

"Então, é pausar uma assistência que é essencialmente assistência defensiva, para permitir que os ucranianos defendam sua pátria de um ataque brutal, descarado e feio da Rússia. É espantoso que os Estados Unidos estejam fazendo isso."

Em seu segundo mandato, Trump vem surpreendendo ao buscar restabelecer relações com Moscou e Putin — e recusando-se a apontar a Rússia como responsável pela guerra na Ucrânia.

Para Nomia Iqbal, jornalista da BBC para a América do Norte, a suspensão foi "claramente pensada" para pressionar Zelensky e forçá-lo a fazer concessões.

Iqbal aponta que, na verdade, o presidente ucraniano já sinalizou concessões — ele sugeriu aceitar que territórios ucranianos conquistados pela Rússia permanecessem assim, enquanto partes ocupadas do país poderiam ser filiadas à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Em fevereiro, ele chegou a dizer que renunciaria em troca da filiação da Ucrânia à Otan.

"No entanto, o presidente Trump descartou a adesão de Kiev à aliança [Otan], alinhando-se com a visão de Moscou. Trump nunca disse quais concessões ele quer que a Rússia — que invadiu a Ucrânia — faça", aponta Nomia Iqbal.

Qual o impacto da suspensão de ajuda militar?

Jonathan Beale, correspondente de Defesa da BBC News, nota que esta não é a primeira vez que os EUA suspendem a ajuda militar à Ucrânia. Os republicanos no Congresso bloquearam a maior parcela de assistência militar do então presidente Joe Biden para a Ucrânia em meados de 2023.

Na época, a Ucrânia conseguiu administrar seus estoques existentes de munição com a ajuda da Europa.

O Congresso acabou aprovando o pacote de ajuda de US$ 61 bilhões em 2024. A autorização veio bem a tempo - a Ucrânia estava lutando para se defender de uma nova ofensiva russa em Kharkiv. A chegada das armas americanas atrasadas ajudou a virar a maré.

Como em 2024, pode levar meses até que os efeitos do corte da ajuda dos EUA sejam sentidos - pelo menos em termos de munição e hardware -, afirma Beale.

As nações europeias aumentaram lentamente sua produção de projéteis de artilharia. No geral, a Europa agora fornece à Ucrânia 60% da ajuda internacional que o país recebe - mais do que os EUA.

No entanto, o apoio militar dos EUA ainda é vital para a Ucrânia. Um alto funcionário ocidental recentemente a descreveu como "a nata" em termos de armas, segundo o correspondente da BBC.

Ainda segundo Beale, a capacidade da Ucrânia de proteger seu povo e suas cidades depende fortemente de sofisticados sistemas de defesa aérea dos EUA, como baterias Patriot e NASAMS, desenvolvidos em conjunto com a Noruega.

Os EUA deram à Ucrânia a capacidade de realizar ataques de longo alcance, com mísseis HIMARS e ATACMS. Os EUA limitaram seu uso dentro da Rússia, mas eles ainda foram vitais para atingir alvos de alto valor dentro de territórios ocupados.

E não é apenas uma questão de qualidade, mas também de quantidade, diz o correspondente de Defesa. Como o exército mais poderoso do mundo, o americano enviou à Ucrânia centenas de Humvees e veículos blindados excedentes, números que exércitos europeus menores nunca conseguiriam igualar.

A ausência de parte dessa ajuda pode levar tempo para chegar à linha de frente. Mas pode haver um impacto imediato mais preocupante, principalmente em termos de compartilhamento de inteligência.

Nenhuma nação pode se igualar aos EUA em termos de vigilância espacial, coleta de inteligência e comunicações. E essa ajuda não é fornecida apenas pelos militares dos EUA, mas também por empresas comerciais.

Jonathan Beale cita a rede de comunicação via satélite Starlink de Elon Musk. Ele afirma que toda posição ucraniana que visitou na linha de frente possuia uma antena Starlink.

Elas são usadas para retransmitir as últimas informações no campo de batalha e têm sido essenciais para coordenar ataques de artilharia e drones.

No passado, o Pentágono admitiu estar financiando esses serviços. Dado que Elon Musk é uma figura-chave na administração dos EUA, Beale aponta que agora parece altamente improvável que ele esteja disposto a pagar a conta. Ele também é um crítico severo do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

Outro ponto a se considerar é: os EUA impedirão que os países europeus enviem seus equipamentos fabricados nos EUA para a Ucrânia? Quando a Europa quis fornecer jatos F-16 fabricados nos EUA para a Ucrânia, primeiro teve que receber a aprovação de Washington.

E então, o que dizer da manutenção do equipamento fornecido pelos EUA? Os EUA também têm treinado forças ucranianas e ajudado a manter o equipamento fornecido.

Biden suspendeu as restrições aos contratados dos EUA que trabalham na Ucrânia no final de seu mandato. Os jatos F-16 em particular precisam de engenheiros e peças de reposição para continuar funcionando, diz o correspondente da BBC.

A decisão de Trump de pausar a ajuda pode, para muitos na Ucrânia e além, parecer petulante. Mas também há claramente um objetivo político para forçá-los a ir à mesa de negociações mais cedo.

A esperança entre os aliados europeus é que seja apenas uma pausa. Sem o apoio dos EUA, a Ucrânia encontrará uma luta ainda mais dura pela sobrevivência, conclui Beale.


Postagem Anterior Próxima Postagem

نموذج الاتصال