Mais de 1.000 pessoas, a maioria civis, foram mortas em confrontos em região povoada por alauítas, minoria à qual pertencia o ex-ditador Bashar al Assad, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).
Por Sandra Coutinho | TV Globo
Grupos jihadistas ligados ao novo governo sírio estão promovendo uma limpeza étnica contra a minoria alauíta do país e se livrando dos corpos para esconder as evidências dos crimes, afirmou à TV Globo o porta-voz de uma associação do grupo neste domingo (9).
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Pessoas protestam contra o assassinato de civis e forças de segurança ligadas aos novos governantes da Síria, em Damasco — Foto: REUTERS/Khalil Ashawi |
“O que eles estão fazendo? Eles estão pegando os corpos e os jogando no mar ou os queimando. Porque eles querem dizer que nada aconteceu, que foram só coisas individuais, mas não é isso, e esse é o problema”, disse Mert, porta-voz da Federação Alauíta na Europa. "Precisamos de intervenção internacional. Isso é realmente importante, porque está acontecendo uma limpeza étnica. É um genocídio.”
Mert, que está em contato direto com moradores da região, pediu para não mostrar o rosto por medo de ser perseguido.
Entre quinta-feira (6) e sexta-feira (9), mais de mil pessoas morreram em confrontos nas áreas em que vivem os alauítas – da qual faz parte o ex-ditador sírio Bashar al-Assad –, segundo um observatório sírio. A maioria delas (745) era civil.
Segundo Mert, o número de assassinatos é muito maior, e as mortes começaram a acontecer após confrontos entre tropas leais a Assad e integrantes do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), grupo rebelde que liderou a ofensiva responsável por derrubar o ditador em dezembro de 2024, e que no passado era afiliado ao grupo terrorista al-Qaeda.
Os crimes são cometidos, de acordo com Mert, por tropas do governo com o apoio de grupos jihadistas aliados ao HTS, inclusive de outros países.
"Eles deram armas e a mensagem [aos jihadistas], e eles começaram a campanha nas redes sociais. Em Idlib, temos relatos de que muitos do HTS pediram em microfones jihad [guerra santa] contra os alauítas", afirmou Mert. "Eu não sou responsável por definir o que é genocídio ou não. Mas se a motivação por trás disso são apenas suas crenças – e há evidências suficientes disso –, então, na minha opinião, é um genocídio.”
Execuções e saques
Mert afirmou que tem recebido relatos de que, na cidade de Latakia, uma fatwa (édito religioso) dá direito aos islamistas de executar alauítas e escravizar alauítas, inclusive mulheres e crianças."E por isso eles estão matando os homens, porque querem as mulheres e as crianças", disse.
O porta-voz da associação alauíta afirmou, ainda, que esses relatos dão conta de saques.
"Elas são tiradas de casa, você pode ver corpos nas ruas. Mas eles também matam dentro das casas. E eles estão roubando todos os bens, o ouro, o dinheiro. E aí, eles vão embora."
'Precisamos de uma intervenção internacional'
Para Mert, o presidente interino da Síria, Ahmad al-Sharaa não vai garantir a segurança das minorias sírias, como se comprometeu.“Ele não foi eleito. Ele disse que a Síria estará pronta para uma eleição daqui a quatro anos. Isso significa que serão quatro anos de limpeza étnica”, afirmou.
Conhecido anteriormente como Abu Mohammed al-Golani, al-Sharaa é o chefe do HTS, que liderou a ofensiva-relâmpago que derrubou Assad no início de dezembro. Anteriormente, o grupo foi afiliado à Al-Qaeda, mas há anos renunciou a esses laços.
Nos últimos anos, al-Sharaa tem se apresentado como um defensor do pluralismo e da tolerância e prometeu proteger os direitos das mulheres e das minorias religiosas. Quando o HTS tomou Damasco, entretanto, o presidente interino fez o primeiro discurso em uma mesquita, e disse que a fuga de Assad do país representou uma "vitória para a nação islâmica".
Depois que al-Sharaa chegou ao poder, os Estados Unidos revogaram uma recompensa de US$ 10 milhões que haviam colocado pela captura dele e enviaram uma delegação a Damasco. A principal diplomata dos EUA para o Oriente Médio, Barbara Leaf, disse após o encontro que al-Sharaa se mostrou "pragmático".
Mert afirmou que há anos o povo alauíta vinha alertando a comunidade internacional sobre os rebeldes islâmicos que lutavam contra Assad.
“Por favor, fiquem atentos, porque eles são islamistas. Não trabalhem com eles. Nós os conhecemos, da história. Eles irão massacrar não só a gente, mas todas as minorias.”
O porta-voz da associação alauíta pediu uma intervenção internacional para garantir a permanência dos alauítas no país.
"Nós precisamos de uma intervenção internacional, talvez da ONU, porque, se eles não intervierem, os alauítas não vão poder ficar na Síria. E essa é a nossa terra, meus ancestrais são de lá, nossos templos sagrados foram bombardeados. E é a nossa cultura, a nossa herança, a nossa história, e eles precisam destruí-la", afirmou.
Líder sírio diz que punirá envolvidos em massacres
Neste domingo (9), o presidente interino da Síria disse que uma comissão independente investigará os massacres de civis, e que os responsáveis pelo "derramamento de sangue" serão responsabilizados e punidos.Ele anunciou a formação de uma "comissão de investigação independente" sobre as "violações contra os civis" para identificar os responsáveis e levá-los aos tribunais.
"Nós responsabilizaremos, com total determinação, qualquer um que esteja envolvido no derramamento de sangue de civis, que maltrate civis, que exceda a autoridade do estado ou explore o poder para ganho pessoal. Ninguém estará acima da lei", afirmou Sharaa em um discurso transmitido em rede nacional.
Também neste domingo, Estados Unidos e Rússia pediram ao Conselho de Segurança das Nações Unidas uma reunião a portas fechadas na segunda-feira (10) por causa da escalada da violência no país.
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, pediu às autoridades sírias que responsabilizem os "terroristas islâmicos radicais".
No Reino Unido, o ministro das Relações Exteriores, David Lammy, também se manifestou e disse que os relatos de mortes generalizadas de civis nas regiões costeiras da Síria são “horríveis”, pedindo às autoridades de Damasco que garantam que todos os sírios sejam protegidos da violência.
O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, disse que as mortes de civis "devem cessar imediatamente", enquanto a Alemanha pediu "veementemente a todas as partes que ponham fim à violência".