Desumano, Trump propõe limpeza étnica de palestinos e roubo de Gaza

Todos com humanidade no planeta devem se opor a essas propostas: imaginem algum líder estrangeiro propor expulsar os habitantes dos Rio de Janeiro e passar a controlar o território?


Por Guga Chacra | O Globo — Nova York

Desumano, Donald Trump defendeu publicamente e repetidas vezes um crime contra a humanidade ao propor a limpeza étnica de palestinos da Faixa de Gaza com a expulsão de cerca de 2 milhões de pessoas de suas terras. Seres humanos como eu e você, leitor. Como nossos filhos e nossos pais. Horas depois, mantendo sua postura maligna em relação aos palestinos, disse que pegaria o território para os EUA e o transformaria numa "Riviera do Oriente Médio". Na prática, um roubo de uma região considerada parte de um futuro Estado palestino pela comunidade internacional.

Donald Trump anunciou planos para Faixa de Gaza em coletiva de imprensa na Casa Branca — Foto: Eric Lee/The New York Times

Até o premier Benjamin Netanyahu, líder da mais radical coalizão da história de Israel, pareceu ficar em choque ao escutar Trump falar sobre seu desejo de controlar a Faixa de Gaza, embora tenha sorrido na parte que o presidente defendeu da limpeza étnica de palestinos. Escrevi diversas vezes aqui que os palestinos consideram Joe Biden o pior presidente da História para a Palestina por seu apoio incondicional a Israel na guerra da Gaza, levada adiante depois do atentado do Hamas. Trump, no entanto, consegue ultrapassar esse patamar com suas propostas. Nos EUA, a competição parece ser para quem trucida mais os palestinos.

Não está claro se o presidente dos EUA falou de improviso ou realmente faz tempo que planeja a limpeza étnica de palestinos e o roubo da Faixa de Gaza. Sei que uso termos fortes, mas não podemos tratar com naturalidade. Achar normal expulsar cerca de 2 milhões de pessoas e roubar um território historicamente dos palestinos seria repugnante, uma atrocidade. Todos com humanidade no planeta devem se opor a essas propostas. Imaginem algum líder estrangeiro propor expulsar os habitantes dos Rio de Janeiro e passar a controlar o território?

Trump demonstra enorme ignorância sobre a história dos palestinos. A maioria dos moradores da Faixa de Gaza descende de antigos habitantes de vilas no que hoje é Israel. Na guerra de 1948, foram expulsos ou saíram, tendo de se refugiar no território, que ficou sob controle do Egito até 1967. Naquele ano, em outra guerra, passou a ser ocupada por Israel. Duas décadas atrás, os israelenses retiraram os assentamentos, mas mantiveram o controle terrestre (em coordenação com o Egito), marítimo e aéreo. Dentro, o poder passou para as mãos do Hamas.

Expulsar os palestinos não seria uma tarefa fácil para os EUA. Naturalmente, os habitantes lutariam para impedir a saída forçada. Como seria a logística dessa limpeza étnica do século 21? O mais próximo que vimos foi a realizada pelo Azerbaijão ao expulsar mais de 100 mil armênios do enclave de Nagorno Karabakh. Em segundo lugar, o presidente norte-americano afirma que o Egito e a Jordânia receberiam os expulsos. Ambos os países, assim como todos da Liga Árabe, rejeitaram a proposta. Os EUA poderiam ameaçar com suspensão da ajuda militar a egípcios e jordanianos e suas tradicionais tarifas. Os efeitos, neste caso, seriam catastróficos. Poderiam levar inclusive ao rompimento das relações com Israel. Caso o ditador Sissi e o rei Abdullah cedam à pressão norte-americana, enfrentarão enorme revolta popular com risco de serem depostos.

A melhor alternativa para a Faixa de Gaza seria a manutenção do cessar-fogo, com a libertação dos reféns e retirada israelense. A Autoridade Palestina, ainda que debilitada, deveria assumir a administração. A reconstrução deveria ser feita pelos palestinos com recursos internacionais de nações ricas do mundo árabe e dos EUA. Negociações de paz israelo—palestinos deveriam ser iniciadas, assim como a normalização das relações da Arábia Saudita com Israel. Líbano e Síria também poderiam entrar no pacote de estabilização. Trump, porém, prefere propor crimes contra a humanidade.

Vamos aguardar para ver se é blefe ou se o presidente realmente tentará cometer uma limpeza étnica que o colocará no patamar dos maiores criminosos internacionais do século 21, como Bashar al-Assad, Vladimir Putin e George W. Bush. Aliás, o atual presidente sempre condenou, com razão, seu antecessor pelas guerras do Iraque e Afeganistão. Agora quer fazer algo ainda pior em Gaza. Inacreditável ver esse cenário para quem um dia sonhou em ver palestinos e israelenses vivendo em paz e segurança.

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