"Estamos a vê-lo". Foi este o aviso desafiante do ministro da Defesa do Reino Unido, John Healey, ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, depois de o seu navio espião ter sido avistado em águas britânicas esta semana.
Mared Gwyn Jones | Euronews
O navio, conhecido como Yantar, é operado por uma agência do Ministério da Defesa russo e, oficialmente, efetua investigação oceanográfica. Mas as autoridades ocidentais acreditam que é utilizado para espionagem em águas profundas.
O Yantar é bem conhecido dos governos europeus e é habitualmente escoltado pelos seus comandos navais.
No entanto, a última passagem do navio por águas europeias ocorre numa altura delicada: a NATO está a intensificar a sua presença militar no Báltico depois de um cabo elétrico ter sido danificado no dia de Natal. As investigações centraram-se num petroleiro suspeito de fazer parte da frota-sombra do Kremlin, que contorna as sanções aplicadas pela UE à Rússia.
Este incidente segue-se a uma série de incidentes semelhantes suspeitos de serem atos de sabotagem, que aprofundaram os receios de que os cabos de comunicação submarinos, os gasodutos e os interconetores de energia da Europa sejam alvos vulneráveis na guerra híbrida da Rússia.
A equipa de verificação de factos da Euronews investiga o que sabemos sobre a Yantar e as suas operações.
O que é que sabemos sobre o Yantar?
O Yantar tem estado a operar para a agência de investigação submarina russa, GUGI, desde 2015, sob o pretexto de investigação.A GUGI é considerada um organismo secreto. Originalmente fundada como parte da marinha russa, opera atualmente de forma independente para o Ministério da Defesa. Para além do Yantar, a sua frota inclui vários submarinos especializados, alguns dos quais com propulsão nuclear.
O Yantar foi concebido especificamente para a recolha de informações. Pode flutuar sobre um local e depositar e retirar objetos do fundo do mar. Também alberga submarinos tripulados que podem atingir 6.000 metros de profundidade e robôs de alto mar que estão ligados ao navio.
O analista da Open Source Intelligence (OSINT) H I Sutton, especializado em submarinos e sistemas de sub-superfície, descreveu o navio como uma nave-mãe "especial e única".
"O Yantar, especularia eu, destinava-se a conduzir operações no fundo do mar que não exigissem a extrema furtividade dos submarinos, e podia fazê-lo de forma muito mais barata", explicou.
O Yantar está equipado com sensores eletrónicos para mapear o fundo do mar e com uma cúpula para comunicações, o que indica que deverá ser utilizado para mapear a rede de condutas e cabos de rede críticos que ligam os países ocidentais.
Quando é que entrou em águas britânicas e porque é que foi perseguido pela marinha britânica?
O Yantar foi detetado pela primeira vez na segunda-feira a 45 milhas (83,3 km) da costa britânica, dentro da zona económica exclusiva (ZEE) do Reino Unido.De acordo com a análise da Euronews aos dados de localização do navio, na terça-feira, atravessou o Canal da Mancha, dirigindo-se para leste, em direção às águas belgas e neerlandesas.
A sua passagem pelo Canal da Mancha faz com que se aproxime do Atlantic Crossing 1, um cabo submarino de telecomunicações que liga os Estados Unidos ao Reino Unido, aos Países Baixos e à Alemanha.
Sexta-feira, o navio encontrava-se no estreito de Kattegat, entre a Dinamarca e a Suécia, de acordo com os dados de localização marítima, o que sugere que estava a regressar a uma base em São Petersburgo.
O Reino Unido enviou dois navios da Royal Navy, o HMS Somerset e o HMS Tyne, para seguirem o Yantar na quarta-feira. O Ministério da Defesa diz que "alterou as regras de relacionamento da marinha" para permitir que os navios se aproximassem da embarcação.
Os especialistas dizem que é normal que os navios russos sejam escoltados quando passam por águas europeias. Mas, numa ação muito invulgar, um submarino da Royal Navy foi autorizado a aproximar-se do navio russo.
"Não me lembro de isso ter acontecido antes. Geralmente, não é algo que se tenda a anunciar aos adversários", disse Mike Plunkett, especialista naval da Janes Intelligence, à Euronews.
"Penso que foi uma mensagem para os russos: sabemos o que fazem com este navio. Estamos a observar-vos".
O ministro da Defesa do Reino Unido disse que o navio era um "navio espião" utilizado para "mapear as infraestruturas submarinas críticas do Reino Unido".
É a mais forte retórica pública de qualquer governo europeu sobre as operações de recolha de informações do Yantar.
Onde mais é que ele foi visto em águas europeias?
O Yantar foi escoltado para fora das águas territoriais irlandesas e britânicas em novembro, depois de ter sido visto "a vaguear sobre infraestruturas submarinas críticas do Reino Unido", de acordo com o governante britânico.Mais tarde, em novembro, o navio foi detetado a entrar no Mediterrâneo através do Estreito de Gibraltar, antes de parar no porto de Argel.
O Yantar foi então enviado para inspecionar os destroços do MV Ursa Major, um cargueiro ligado ao Kremlin que se afundou no Mar Mediterrâneo, entre Espanha e a Argélia, na sequência de uma explosão a bordo, a 23 de dezembro.
Pensa-se que o Ursa Major transportava armas da Síria, onde o presidente Bashar al-Assad, alinhado com o Kremlin, foi derrubado no início de dezembro, lançando dúvidas sobre o futuro das bases militares russas no país.
A empresa proprietária do navio, estreitamente associada ao Kremlin, descreveu o incidente como um "ato de terrorismo".
Os analistas navais consideram que o afundamento do Ursa Major é suspeito. Embora pouco se saiba sobre a missão do Yantar para inspecionar os danos, o analista naval Sutton diz que provavelmente estava a recolher provas sobre o seu afundamento e potencialmente a "recuperar ou destruir" equipamento sensível.
Poderá a informação recolhida pelo Yantar ser utilizada em futuros atos de sabotagem?
Não há informações públicas que provem que as operações de mapeamento do Yantar tenham sido utilizadas em atos suspeitos de sabotagem, em que os navios arrastam as suas âncoras pelo fundo do mar numa tentativa de cortar cabos.Mas a atividade suspeita do Yantar e a frequência das suspeitas de sabotagem significam que a Europa está cada vez mais alerta para a ameaça da Rússia.
Em abril passado, foi danificado um cabo de comunicações submarino essencial para uma base aérea norueguesa no Ártico. Em novembro, foram cortados dois cabos no Mar Báltico, incluindo o único cabo submarino de dados que liga a Finlândia à Europa Central.
As investigações sobre a última suspeita de sabotagem, que danificou o cabo Estlink-2 no Báltico no dia de Natal, centraram-se num petroleiro que se crê fazer parte da chamada frota-sombra da Rússia.
Enquanto o Washington Post citou entretanto funcionários ocidentais que afirmaram tratar-se provavelmente de um acidente, os políticos europeus insinuaram a existência de um ato de sabotagem orquestrado por Moscovo.
"Penso que é pouco provável que todos eles (os incidentes) tenham sido acidentes. Algo está a acontecer, quer seja uma campanha deliberada ou apenas um teste para ver se é possível partir um cabo com uma âncora", disse Mike Plunkett, da Janes Intelligence.
A utilização da sua frota-sombra proporciona ao Kremlin uma "camada extra de negação", explicou Plunkett. A propriedade da frota, a gestão e os acordos de sinalização são todos opacos, o que torna difícil para as autoridades ocidentais investigar ou rastrear o controlo dos navios até à Rússia.
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