Cessar-fogo em Gaza é mérito de Catar, Trump e Egito

Mundo deve celebrar esse anúncio, ainda que seja apenas uma primeira etapa em prolongado caminho repleto de obstáculos para um dia palestinos e israelenses viverem em paz


Por Guga Chacra | O Globo — Nova York

Com enorme atraso, finalmente Israel e o Hamas chegaram a um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza e a libertação de dezenas de reféns, incluindo crianças e idosos. O mundo deve celebrar esse anúncio, ainda que seja apenas uma primeira etapa em prolongado caminho repleto de obstáculos para um dia palestinos e israelenses viverem em paz e segurança como é o sonho há décadas. Inclusive, não devemos descartar chance de o pacto ser rompido nas próximas semanas ou meses. Mas vamos torcer para dar certo.

Crianças palestinas deslocadas caminham por uma poça de água da chuva em um acampamento improvisado que abriga palestinos deslocados em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza, em 1º de janeiro de 2025 — Foto: BASHAR TALEB/AFP

Quando o Hamas cometeu o atentado terrorista no já distante 7 de outubro, matando 1.200 pessoas em Israel e capturando outras 240, sabíamos que haveria inevitavelmente uma guerra. Poucos imaginavam que duraria 15 meses, mais de 45 mil palestinos seriam mortos, Gaza seria destruída, incluindo escolas e hospitais, e os reféns israelenses permaneceriam mais de um ano longe de suas famílias. As tentativas de cessar-fogo começaram já nas semanas seguintes à eclosão do conflito, inclusive com resolução apresentada pelo Brasil nas Nações Unidas. Todas essas iniciativas, no entanto, fracassaram, apesar de alguns momentos de otimismo em meados do ano passado após a administração de Joe Biden tardiamente passar a defender o fim da guerra.

Apesar de toda a pressão interna e externa por um cessar-fogo, Benjamin Netanyahu sempre arquitetava uma forma de manter o conflito. Havia interesses pessoais, como o temor dos prováveis problemas na Justiça em Israel pelas falhas de seu governo para evitar o ataque terrorista, além de seus já existentes processos por corrupção. Pesou ainda a ala mais radical de seu governo, que até o último minuto se posicionou contra o fim da guerra. Para completar, buscou ampliar o conflito para o Líbano e aplicar, com sucesso, uma derrota ao Hezbollah.

A questão correta a ser feita nesse momento é o motivo de o cessar-fogo ocorrer apenas agora e não antes. A resposta está na aproximação da data da posse de Donald Trump. O presidente eleito dos EUA deixou claro não estar disposto a herdar o conflito na Faixa de Gaza. Para atingir seu objetivo, pressionou Netanyahu a aceitar o acordo. O primeiro-ministro israelense enxergava, corretamente, Joe Biden como café com leite porque sabia que o democrata, além de fraco, sempre estaria ao lado de seu governo. Já Trump, embora também pró-Israel, é visto como mais forte e aleatório e chegará à Casa Branca empoderado, e não como um melancólico líder como Biden.

O futuro presidente dos EUA também ameaçou o Hamas com um ”inferno” se os reféns não fossem libertados O grupo, enfraquecido pelas perdas internas, incluindo de lideranças, e isolado depois da derrota do Hezbollah no Líbano, ficou sem alternativa e acabou cedendo às pressões. Além de Trump, também foram fundamentais para o acordo de cessar-fogo o papel de mediação do Qatar e do Egito, que serviram de intermediários entre os dois lados ao longo de todos os 15 meses. Biden pode até fazer discurso e buscar os louros do acordo, mas quem acompanha o conflito sabe que o ainda presidente norte-americano teve um desempenho medíocre ao longo do conflito para não usar um termo ainda pior.

Será um desafio de proporções gigantescas a reconstrução de Gaza, assim como o impasse sobre a futura administração do território. Ao menos, pelo menos agora, os palestinos sabem que não serão mortos e os reféns poderão voltar para as suas famílias em Israel. Infelizmente, muitos morreram ou perderam parentes no atentado ou na guerra e para sempre ficarão impactados por essa guerra. Nossa solidariedade a todos.

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