Otan deixa plano de adesão da Ucrânia de lado e frustra Zelenski

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Presidente havia aceitado ceder território a Putin em troca de entrada fatiada no clube


Igor Gielow | Folha de S.Paulo

São Paulo - A reunião de cúpula dos chanceleres de países-membros da Otan vai focar em mecanismos para aumentar a ajuda militar à Ucrânia, não no mais recente pedido de admissão na aliança militar ocidental feito por Kiev.

Bombeiros ucranianos tentam apagar fogo após ataque com drones russos na região de Rivne - Serviço Estatal de Emergência da Ucrânia/Reuters

A decisão foi anunciada pelo novo secretário-geral do clube, Mark Rutte, na abertura da reunião de dois dias que ocorre em Bruxelas, sede da entidade. É um balde de água fria nas pretensões de Volodimir Zelenski, que elaborou um intrincado plano para tentar acabar com a guerra com a Rússia.

O presidente ucraniano até mudou sua posição até então inflexível de não ceder territórios a Vladimir Putin. Em uma carta aos chanceleres, ele pede que a Otan envie um convite de admissão para a Ucrânia levando em conta apenas os 80% de seu país que estão sob seu controle.

Com isso, os 20% restantes, incluindo a Crimeia anexada em 2014, seriam discutidos posteriormente. Em entrevistas desde a sexta (29), Zelenski admitiu que não tem poderio militar para reconquistá-los e vencer o conflito, iniciado por Putin em 2022.

A proposta radical tentava driblar a jurisprudência informal da Otan de não admitir países com conflitos territoriais ativos — dado que, na prática, isso significaria declarar guerra à Rússia, já que a aliança existe com uma cláusula de defesa mútua.

"O encontro nos próximos dois dias vai se concentrar muito em como fazer que a Ucrânia, quando decidir entrar em conversas de paz, o faça de uma posição de força. E, para chegar lá, é crucial que haja mais ajuda militar", disse o holandês Rutte.

Nenhuma palavra sobre o plano de Zelenski, apenas uma menção ao jargão tradicional do clube, de que há um trabalho para "criar uma ponte para a admissão" de Kiev. Segundo diplomatas presentes disseram a agências de notícias, não existe consenso possível sobre o tema na aliança devido ao temor de uma guerra aberta com Moscou.

Rutte citou os pacotes recentes de ajuda como exemplos a serem amplificados. Na segunda (2), a Alemanha anunciou o equivalente a R$ 4,2 bilhões em armas, sendo seguida por uma promessa americana de um novo envio de R$ 4,4 bilhões.

Antes, EUA e aliados haviam dado autorização para o emprego de armas de maior alcance contra alvos russos, o que foi respondido por Putin com a estreia de um míssil quase indefensável, desenhado para ataques nucleares, no conflito.

Estes parecem ser os limites do que os aliados de Zelenski farão agora, no momento em que esperam a chegada de Donald Trump à Presidência americana, em 20 de janeiro. O republicano já prometeu "acabar com a guerra em um dia", sugerindo forçar Kiev a negociar ameaçando retirar apoio.

A questão é que, mercurial, o futuro presidente pode surgir com algum outro plano. Observadores da política russa dizem que o Kremlin vê com cautela a alegada russofilia de Trump, o que é refletido nas posições oficiais desde que o americano foi eleito.

Além disso, há o clima político europeu, que vai além da usual fadiga com os custos do conflito em países como a Alemanha. Qualquer decisão precisa de consenso dos 32 membros da aliança. Ao menos dois deles, Hungria e Eslováquia, são ostensivamente contrários a Kiev, enquanto a importante Romênia poderá eleger um presidente pró-Putin.

A Ucrânia já passou recibo da insatisfação. Sua chancelaria disse em nota que "não aceita nada menos do que a entrada na Otan", e citou o acordo de 1994 em que entregou as armas nucleares que havia herdado da União Soviética para os russos em troca de soberania e respeito às suas fronteiras.

"Com a amarga experiência do Memorando de Budapeste [o tal acordo], nós não aceitamos alternativas ou substitutos à plena adesão da Ucrânia à Otan", disse a pasta.

A questão é um dos "casus belli" de Putin neste conflito. Ele sempre denunciou o convite informal feito à Geórgia e à Ucrânia, ex-Estados soviéticos, pela Otan em 2008 — ainda que tenha tido sucesso para minar um processo de fato, justamente pelo temor de uma Terceira Guerra Mundial.

Com a pequena Geórgia, que hoje vive nova crise devido às inclinações pró-Kremlin de seu governo, travou uma guerra rápida naquele mesmo ano para deixar claro seu ponto e estabelecer duas áreas autônomas ligadas a Moscou.

Na Ucrânia, o processo foi mais longo, passando pela anexação da Crimeia e a guerra civil de separatistas no leste na esteira da derrubada do governo pró-Putin em 2014. Desembocou no ultimato de 2021 ao Ocidente, ignorado pela Otan, e à invasão atual.

Na visão russa, a expansão das fronteiras da Otan no pós-Guerra Fria representam uma traição e ameaça à segurança do país. No Ocidente, isso é visto como uma desculpa para ambições de reconstrução imperial do presidente há 25 anos no poder.

Seja como for, Putin coloca a neutralidade da Ucrânia como uma condição para a paz, além da cessão da integralidade dos quatro territórios que anexou em 2022, os quais não controla totalmente. Nesta terça, os russos tomaram mais uma cidade no leste e, num sinal de que podem estar à beira de uma ofensiva nova, na região meridional de Zaporíjia.

Na guerra aérea, que recrudesceu na semana passada, o dia foi de menor atividade, com 28 drones sendo lançados contra a Ucrânia, 22 dos quais Kiev disse ter abatido. Os mais recentes ataques ultrapassavam os cem aviões-robôs.

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