Enviado especial das Nações Unidas alertou para confrontos no nordeste do país, bombardeios israelenses e “colcha de retalhos” de grupos armados da oposição; agências da ONU afirmam que necessidades humanitárias aumentaram; quase 17 milhões de pessoas já dependiam de ajuda.
ONU News
Dois dias após a queda do regime de Bashar al-Assad na Síria, a situação ainda é considerada “volátil” por agências da ONU.
Um socorrista corre após o bombardeio que atingiu hospitais e campos de deslocados em Idleb, Síria | Ocha/Ali Haj Suleiman |
Nesta terça-feira, a ONU convocou um Grupo de Trabalho Humanitário em Genebra, pedindo aos Estados-membros com influência e aos interessados a priorizar a proteção dos civis, proteger infraestruturas críticas e garantir que as instituições sírias continuem funcionando no âmbito do direito internacional.
Confrontos no nordeste e bombardeios israelenses
Após a reunião do Grupo de Trabalho, o enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, explicou que fora de Damasco, a situação continua incerta, com confrontos em curso no nordeste do país.Para ele, “a Síria está agora numa encruzilhada com grandes oportunidades, mas também com graves riscos” e é preciso avaliar ambos.
Ao comentar relatos de movimentos de tropas israelenses nas Colinas de Golã Ocupadas e bombardeios de alvos dentro da Síria, Pedersen afirmou que “isso precisa parar”.
Em relação ao processo de transição política, o enviado especial lembrou que o grupo Hayat Tahrir al-Sham, HTS, que liderou o avanço das forças de oposição, ainda é classificado como terrorista pelo Conselho de Segurança da ONU. Isso é considerado um potencial ponto de tensão no diálogo internacional.
“Colcha de retalhos” de grupos armados
O representante afirma que a classificação pode estar prestes a mudar, após a evolução dos últimos nove anos, e que o líder do HTS, Abu Mohammad al-Jolani, mencionou a possibilidade de desmantelar o grupo.Pedersen ressaltou que após a queda de Alepo, diversos grupos armados de oposição se mobilizaram, incluindo, o Exército Nacional Sírio, apoiado pela Turquia, no norte, e a chamada Frente Sul, dentre outros.
O enviado especial sublinhou que a Síria está sob o controle “de uma colcha de retalhos de grupos, que estão se coordenando bem, por enquanto, mas que não estão total ou formalmente unidos”. E que é importante evitar conflitos entre esses grupos.
Para Pedersen, a união dos partidos e comunidades sírias pode representar um verdadeiro recomeço para o país, e a comunidade internacional deve se unir no apoio a essa transição.
Aumento de necessidades humanitárias
Já o porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, Ocha, afirmou que nas últimas semanas as necessidades humanitárias aumentaram, em um país onde quase 17 milhões de pessoas já dependiam de ajuda.Falando a jornalista em Genebra nesta terça-feira, Jens Laerke, explicou que desde 28 de novembro “mais de um milhão de pessoas, a maioria mulheres e crianças, foram deslocadas nas províncias de Idlib, Alepo, Hama e Homs”.
Ele adicionou que a partir de segunda-feira, “todas as organizações humanitárias em Idlib e no norte de Alepo retomaram as operações”. Além disso, ações de assistência em Homs, Hama e Damasco foram reiniciadas.
Retorno de refugiados
De acordo com a Agência da ONU para Refugiados, Acnur, um total de sete milhões de sírios foram deslocados internamente, e mais de cinco milhões fugiram para países vizinhos desde o início da guerra em 2011. Isso representa metade da população do país antes do conflito, que era de 23 milhões.A porta-voz do Acnur, Shabia Mantoo, disse que aqueles que foram forçados a fugir “estão considerando o quão segura é a Síria para retornar, e até que ponto seus direitos serão respeitados antes que eles possam tomar uma decisão informada e voluntária de retornar para casa”.
Ela reiterou que todos os refugiados têm o direito fundamental de retornar ao seu país de origem no momento que escolherem, e que esses retornos devem ser voluntários, dignos e seguros.
Questionada sobre as decisões dos países anfitriões na Europa de suspender decisões sobre pedidos de asilo sírios após a queda de Bashar al-Assad, Mantoo reiterou que “qualquer sírio ou qualquer pessoa que busque proteção internacional deve poder acessar os procedimentos de asilo”.
Ela defendeu que essas pessoas devem ter seus pedidos examinados “completa e individualmente com base em seus méritos”.
Contexto
Em 27 de novembro, uma coalizão de forças de oposição, liderada pelo grupo armado Hayat Tahrir al-Sham, lançou uma ofensiva a partir de seu reduto de Idlib, tomando dezenas de localidades e as cidades estratégicas de Alepo, Hama e Homs, antes de chegar à capital, Damasco, culminando na queda do regime do ex-presidente Bashar al-Assad.O conflito sírio foi desencadeado após a repressão de uma revolta popular que se transformou em guerra civil em 2011.