Cortes à vista: militares reclamam que carreira fica menos atraente

Militares relatam aumento repentino de pedidos de demissão de oficiais e queda na procura por concursos para instituições das Forças Armadas


Flávia Said | Metrópoles

Com uma possível reforma em curso — o projeto que revisa despesas nas Forças Armadas ainda não foi apresentado pelo governo —, militares aumentaram as queixas sobre a atratividade das carreiras. Nos últimos dias, chamaram atenção pedidos de demissão de oficiais, publicados no Diário Oficial da União (DOU).

Hugo Barreto/Metrópoles

Segundo militares, as demissões têm se intensificado porque há uma percepção de que é possível ganhar mais na iniciativa privada, sem as exigências a que estão submetidos no meio militar. No último mês (de meados de novembro a meados de dezembro), foram registradas demissões de nove oficiais de carreira da Força Aérea, considerada uma das que mais investem na formação de seus quadros de oficiais e graduados.

Um oficial no posto de major na Força Aérea Brasileira (FAB) recebe atualmente um salário líquido na casa dos R$ 14 mil. Atuando como piloto comercial, com a formação que tem, o militar pode receber no mínimo o dobro do que recebe como oficial.

A isso se somam queixas sobre a menor procura por concursos para instituições da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, que registraram queda no número de interessados nos últimos anos.

De acordo com levantamento da Sociedade Militar, o concorrido Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) perdeu 21,65% de interessados nos últimos sete anos, saindo de 12.484 candidatos em 2017 para 9.781 em 2024.

Outro item citado pelos militares são as condições de trabalho, com baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento, investimentos e operação e manutenção.

Segundo o Ministério da Defesa, em 2023 a folha de pagamentos (que incorpora pessoal da ativa, da reserva e pensionistas) consumiu 85,9% do orçamento destinado aos militares. Dos R$ 121 bilhões, R$ 103,9 bilhões foram para pagamento de pessoal.

Já o montante de recursos destinados aos investimentos alcançou R$ 8 bilhões no ano passado; as despesas destinadas ao custeio, como a manutenção das organizações militares, totalizaram R$ 7,5 bilhões; e o pagamento do serviço da dívida foi de R$ 1,6 bilhão.

Alistamento feminino voluntário

As reclamações sobre a carreira ocorrem no momento em que o Ministério da Defesa formaliza a possibilidade de alistamento de mulheres.

As candidatas terão de 1º de janeiro a 30 de junho para se inscreverem. Essa é uma iniciativa pioneira dentro das Forças Armadas, pois, até a decisão, o alistamento aos 18 anos era restrito aos homens, sejam convocados, sejam voluntários.

As Forças Armadas devem ofertar cerca de 1,5 mil vagas em 28 municípios de 13 estados e no Distrito Federal. Serão disponibilizadas 155 vagas na Marinha, 1.010 no Exército e 300 na Aeronáutica. Atualmente, apenas 34 mil mulheres atuam nas Forças Armadas.

Ao serem incorporadas, as mulheres ocuparão a graduação de soldado ou, no caso da Marinha, de marinheiro-recruta, e terão os mesmos direitos e deveres dos homens.

Há quem sustente que, apesar de voluntário, o alistamento militar feminino tem ligação direta com a perda do interesse no serviço militar, que começaria a ser perceptível já nos colégios militares do país, que tradicionalmente dão as bases para o ingresso na carreira.

Em entrevista ao jornal da Universidade de São Paulo (USP) em junho, a psicóloga da Força Aérea Brasileira (FAB), Wildyrlaine Cristina Pretko afirmou que o grande desinteresse por parte dos homens na carreira militar é um dos motivos para a abertura de vagas para mulheres.

“Os homens tentam se esquivar a todo custo. Eu posso dizer porque fiz parte do processo seletivo para o ano obrigatório dos militares e a maioria foge mesmo. Enquanto isso, nós conhecemos diversas mulheres que adorariam que o serviço militar fosse obrigatório a partir dos 18 anos, e agora existe uma possibilidade de que não seja obrigatório, mas facultativo, e que as mulheres possam também fazer parte desse ingresso aos 18 anos”, aponta.

Projeto está empacado

O projeto de lei (PL) que inclui os militares no pacote de corte de gastos públicos ainda está na Casa Civil, segundo informado nesta semana pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O PL deve seguir para o Congresso ainda em 2024, segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan. Existe um impasse sobre a transição para a reserva remunerada, o que estaria atrasando o envio do texto. Diferentemente dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores públicos civis, os militares não possuem Previdência, pois podem ser convocados a qualquer tempo, em caso de guerras e conflitos, mas são regidos pelo Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas (SPSMFA).

O governo tenta fechar uma transição que respeite a hierarquia militar, de forma que os mais jovens não comandem oficiais mais velhos, e ainda discute possíveis ajustes na redação do texto.

As linhas gerais da inclusão dos militares no ajuste fiscal são divididas em quatro itens:
  • Fim da morte fictícia: a ideia é acabar com o instituto que permite que um militar condenado por crime ou expulso da força seja tratado como morto para fins de pensão, permitindo que seus familiares recebam como pensionistas;
  • Fixação em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde até janeiro de 2026;
  • Extinção da transferência de pensão; e
  • Estabelecimento de idade mínima de 55 anos para a transferência para a reserva remunerada, com progressividade.

Esse projeto que vai afetar militares deverá gerar uma economia de R$ 2 bilhões para os cofres públicos nos próximos dois anos, e vão se somar às três proposições já apresentadas pelo Palácio do Planalto:
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