Putin usou mesma medida para legitimar controle do país invadido, mas comunidade internacional denunciou farsa
Marianna Holanda | Folha de S. Paulo
Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs, nesta sexta-feira (1º), um referendo para definir os rumos da Guerra da Ucrânia. Em seu argumento, seria mais justo deixar o povo da região decidir.
Lula disse ainda que a reunião do G20, que ocorre neste mês no Rio de Janeiro, não é fórum para discutir nem este conflito nem o do Oriente Médio.
"A Rússia diz que os territórios que eles estão ocupando são russos. A Ucrânia diz que é deles. Mas por que, em vez de guerra, não faz um referendo para saber com quem o povo quer ficar? Seria muito mais simples, muito mais democrático e muito mais justo. Vamos deixar o povo decidir. Vamos consultar o povo para saber se ele quer", disse, em entrevista à TV francesa TF1.
O que o presidente não mencionou, no entanto, é que seu homólogo russo, Vladimir Putin, em 2022 fez referendos de anexação para nas regiões ocupadas na Ucrânia, o que foi considerado uma farsa por lideranças do Ocidente.
A legislação ucraniana também vai na contramão do referendo russo. Em relação à Constituição do país, em vigor desde 1996, as votações realizadas por Moscou sob forte presença militar em áreas conquistadas na guerra contrariam o artigo que define que "questões relacionadas a alterações no território serão resolvidas exclusivamente com um referendo que envolva todo o país".
Nos referendos, participaram somente as populações dos locais a serem anexados — as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk, no Donbass, além das províncias de Kherson e Zaporíjia, áreas que somam 15% do território do país.
O processo de anexação vai também de encontro à Carta da ONU, texto-base do direito internacional há mais de meio século. O documento diz: "Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado".
Lula já falou diversas vezes sobre o conflito que se desenrola no Leste Europeu. Em muitos casos, ele foi criticado ao equiparar as responsabilidades de Moscou e de Kiev, apesar de a invasão territorial ter partido da Rússia.
"O presidente Putin não toma a iniciativa de parar. [O presidente ucraniano, Volodimir] Zelenski não toma a iniciativa de parar. A Europa e os EUA continuam contribuindo para a continuação desta guerra. Temos que sentar à mesa e dizer para eles: 'basta'", disse ele no ano passado, por exemplo.
Nesta sexta, Lula falou ainda sobre a importância de se criar estruturas com maior credibilidade das Nações Unidas para a discussão de conflitos, e que o G20, presido pelo Brasil neste ano, não tem esse propósito.
"Queremos discutir outras coisas importantes para humanidade, e não transformar o G20 uma discussão sobre a guerra, seja Israel, seja da Ucrânia e da Rússia", afirmou. Lula disse ainda que não convidou Zelenski para o encontro e que Putin não virá.
Lula conversou com o presidente russo, em setembro, sobre proposta para encerrar a guerra na região. Segundo o Planalto, eles falaram sobre o plano conjunto de Brasil e China para encerrar o conflito, que tem como um dos pontos principais a realização de uma conferência internacional com a participação de Moscou e Kiev, atuando de forma igualitária.
Durante a semana da Assembleia-Geral da ONU, a reunião para discutir um processo de paz na Ucrânia contou com a presença de 15 países, além de Brasil e China. Ao final do encontro, porém, quatro deles não assinaram o documento negociado no encontro.
A iniciativa é rejeitada por Zelenski e considerada por Estados Unidos e aliados no Ocidente como favorável à Rússia.
Nesta sexta-feira (27), Amorim minimizou a ausência de Rússia e Ucrânia da reunião. De acordo com ele, as partes diretamente envolvidas no conflito se juntarão à proposta "quando o momento certo chegar".
"É natural, vocês já estudaram história. Quantas vezes um país achava que ia ganhar guerra com facilidade e depois ficou difícil? Às vezes tem que chegar esse momento e ainda não chegou, mas vai chegar. Estamos conversando. E, quando chegar, vamos dizer: 'olha, tem um caminho para voltar à paz'", disse Amorim, ao final do encontro.