PF está convencida de que ex-braço-direito de Bolsonaro fez jogo duplo ao se tornar colaborador, e agiu para proteger Bolsonaro e Braga Netto. Para militares, Cid pode ter aplicado treinamento recebido por Forças Especiais do Exército para criar "histórias de cobertura" a fim de proteger operações.
Por Andréia Sadi | GloboNews
São Paulo - O tenente-coronel Mauro Cid foi informado nos últimos dias por pessoas próximas que sua idolatria por Jair Bolsonaro (PL) pode custar pelo menos 20 anos de cadeia e arrastar familiares, como o pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid.
Reflexo de rosto de Lourena Cid na caixa de uma das esculturas que seriam vendidas — Foto: JN |
Ajudante de ordens do ex-presidente ao longo de todo o mandato, Cid “é apaixonado por Bolsonaro, um fã”, disse ao blog um dos mais próximos interlocutores do tenente-coronel na manhã desta quinta-feira (21). Numa busca feita na casa do militar, a Polícia Federal encontrou banners com foto do ex-presidente.
Na avaliação dessas pessoas, tal apego ao ex-presidente é um dos fatores que fez com que Cid perdesse a oportunidade de falar tudo que sabia à Polícia Federal, que descobriu omissões em sua delação premiada ao obter informações por outros meios, incluindo relatos de outros investigados e dados do celular do tenente-coronel que haviam sido apagados.
A PF está certa de que Cid faz jogo duplo ao decidir colaborar com as investigações, mas atuar para proteger Bolsonaro, Braga Netto e outros militares.
Tal postura do tenente-coronel chegou a fazer com que seus próprios advogados o abandonassem, o que não aconteceu até aqui.
Agora, aliados tentam convencer Cid a abrir o jogo no encontro que vai ter com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes nesta quinta-feira (21). O tenente-coronel vai ser ouvido justamente porque a PF apontou contradições e omissões nos depoimentos, o que pode levar à anulação do acordo de delação.
Esses aliados recomendam que Cid fale tudo já no início da audiência, lembrando-o que pode pegar uma pena duríssima se o acordo cair.
De família militar, Cid acreditava que ficaria livre ou pegaria pena baixa
Cid já havia sido avisado, antes de fechar a delação premiada em 2023, de que poderia pegar pelo menos 20 anos de cadeia – além do inquérito da tentativa de golpe de estado, o tenente-coronel é alvo das investigações sobre os desvios de joias e outros presentes oficiais e da fraude em cartões de vacina de sua família e de Bolsonaro.
À época, a família Cid dizia a interlocutores que não iria delatar porque acreditava que as relações do pai – general da reserva do Exército – o livrariam de qualquer punição. Ou que, se viesse a ser condenado, receberia uma pena baixa.
Quando o rosto do pai apareceu em um dos kits de presentes desviados, uma autoridade disse a interlocutores de Cid:
“Dois anos? Fazendo uma conta aqui pelos crimes que ele cometeu vai ser de 15 a 20 anos. Crimes pesados: organização criminosa, peculato… “.
Hoje, para essa autoridade, a conta estava subestimada: a expectativa é que o tenente-coronel seja condenado a até 30 anos de prisão.
'Histórias de cobertura'
No meio militar, quem acompanha os movimentos de Cid diz que, além desse jogo duplo – que pode até incluir leva e traz de informações para outros investigados, o que ele é proibido de fazer – o tenente-coronel pode ter aplicado uma tática militar chamada de história de cobertura.“O que Cid pode ter feito foi aplicar um treinamento que temos nas Forças Especiais, 'história de cobertura' ,que é contar uma mentira em nome da segurança da operação, seja ela qual for. Quando esta história está para cair, tem-se planejada uma segunda história de cobertura, bem mais verdadeira, mas ainda irreal", explica uma fonte militar ao blog. “Agora, com as informações do celular dele, apagadas e recuperadas, além das informações de depoimentos cruzados, vão cair as duas histórias de cobertura.”