Na última quinta-feira (3), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs a criação da Alada, empresa pública aeroespacial que desenvolverá atividades econômicas no setor. À Sputnik Brasil, especialistas no uso civil e militar do espaço destacaram quais serão as principais vantagens possibilitadas pela Alada.
Fabian Falconi | Sputnik
Com um histórico de altos e baixos, o setor aeroespacial brasileiro se desenvolve em meio a cortes orçamentários. Nesse contexto, pode soar estranho então que o governo federal tenha enviado um projeto de lei ao Congresso Nacional para a criação de uma nova estatal para o setor: a Alada.
No entanto, em entrevista à reportagem, Annibal Hetem Junior, professor do curso de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC), destaca que a iniciativa vem justamente para melhor operar na prática o Programa Espacial Brasileiro (PEB).
Coordenado no âmbito civil pela Agência Espacial Brasileira (AEB) e no âmbito militar pela Força Aérea Brasileira (FAB), o PEB tem como objetivo desenvolver toda a gama de tecnologias necessárias para a exploração espacial do Brasil, desde a produção de satélites aos veículos lançadores.
Contudo, diz Hetem, na alçada da AEB não há um braço de engenharia, como tem a aeronáutica com o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). "Ela só tem o braço político."
"Então, acredito que a principal intenção da criação dessa empresa seja começar a dar forma às criações tecnológicas ligadas à área aeroespacial."
A estatal poderia ter sido criada como um departamento dentro da AEB, mas a decisão de fazê-la subsidiária da NAV — estatal de serviços de navegação aérea, criada a partir de uma cisão da Infraero — dá mais liberdade para se desenvolver e, até mesmo, se adaptar às necessidades do mercado.
Em entrevista ao Poder360, o senador Marcos Pontes, ex-astronauta e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, afirmou que a companhia pode faturar US$ 3 bilhões (R$ 16,6 bilhões) se obtiver 1% do mercado mundial de lançamento de micro e pequenos satélites.
Além disso, diz Hetem, será uma operação conjunta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério da Defesa. Logo, espera-se que também pesquise aplicações militares. "Um departamento debaixo de uma agência não teria a mesma liberdade de ação que uma empresa, por ter que prestar contas para quem está acima dela, né?", argumenta.
"Enquanto uma empresa pode ter seus cantinhos mais 'secretos'."
Tatiana Garcia, especialista em espaço exterior e defesa e pesquisadora associada ao Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), lembra em entrevista à Sputnik Brasil que o setor de pesquisas aeroespaciais tem enorme potencial no desenvolvimento de tecnologias de uso dual, isto é, para fins tanto comerciais como militares.
Desse modo, diz Garcia, a companhia terá "liberdade de atuação maior do que a AEB e o DCTA", podendo servir como facilitadora de pesquisas de uso dual, como o desenvolvimento de sistemas de vigilância de satélite, telecomunicações militares e tecnologias de defesa espacial.
"A Alada pode se tornar um grande alicerce do Programa Espacial Brasileiro, como no desenvolvimento de tecnologias de lançamento."
Esse último pilar tecnológico citado, os lançamentos espaciais, pode ser a principal contribuição que a Alada trará para o PEB, afirma o professor da UFABC Annibal Hetem.
Atualmente, o país conta com o que talvez seja a melhor base de lançamentos do mundo, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão. No entanto, o Brasil pouco explora seu potencial para fins estratégicos.
Dessa maneira, com o cancelamento do programa de desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites (VLS), "talvez essa seja a principal função da Alada", diz Hetem.
"Eles não divulgaram exatamente todos os detalhes, mas certamente vai estar ligado ao desenvolvimento de um foguete lançador de satélites, além do lado militar."
Além da ciência, quais os outros benefícios?
Se o desenvolvimento científico não fosse razão suficiente para a criação da estatal, a Alada também poderá trazer uma série de outros benefícios para a sociedade brasileira.
As áreas aeroespacial e aeronáutica desenvolvem tecnologias muito complexas, que envolvem um grande número de fabricantes e fornecedores de partes bem específicas, detalha Hetem à Sputnik Brasil.
"Uma empresa como essa centralizaria a ação desses fornecedores, fomentando o crescimento desses pequenos fabricantes."
Esse desenvolvimento não só movimenta a economia do país, como também ajuda a estancar a fuga de cérebros. Em seu trabalho como professor, Hetem afirma que a saída de formados para o exterior é constante, o que leva a um ciclo vicioso de dependência de tecnologia externa.
Além disso, o especialista destaca que os produtos de tecnologia embarcada, desenvolvidos pela estatal, podem ser vendidos a outros países. "A América do Sul e metade da África comprariam da gente. Os próprios lançamentos que faríamos seriam para esses clientes também."
"A sociedade, com certeza, vai usufruir dos frutos do que foi desenvolvido nos projetos da Alada, como também vai criar uma cultura de pessoas que ficam aqui e aumentam a riqueza do país."
Já Tatiana Garcia sublinha à reportagem que o desenvolvimento de tecnologias militares tem impacto direto na defesa e segurança brasileira, como o monitoramento de fronteiras e a observação de áreas estratégicas, especialmente na Amazônia, "onde nossas fronteiras são bem delicadas".
Há também, diz a pesquisadora associada do ISAPE, urgência no tema, uma vez que há crescente militarização do espaço, especialmente em termos de defesa antimísseis e proteção de ativos espaciais. Nesse sentido, "as pesquisas em sistemas de lançamentos, detecção e defesa acabam sendo essenciais para a segurança nacional de um Estado".
Por conta de todas essas questões, Garcia afirma que a Alada tem o potencial de "se tornar um alicerce, não só da inovação aérea espacial, mas também da segurança nacional", dando ao Brasil o papel relevante que um país de sua envergadura deveria ter nessa arena internacional.