Chanceler federal alemão diz ter chegado momento de se pensar em conversações entre Kiev e Moscou. Declaração foi recebida com ceticismo tanto no exterior quanto pelos próprios colegas da coalizão de governo da Alemanha.
Lena Crohmal | Deutsch Welle
Na opinião de quem ocupa a Chancelaria em Berlim, chegou a hora de esforços diplomáticos mais intensos para acabar com a guerra na Ucrânia. Numa entrevista à rede estatal de televisão ZDF no domingo passado (08/09), o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, disse: "Penso que este é o momento em que também temos de discutir como podemos passar desta situação de guerra para a paz mais rapidamente do que parece atualmente". O social-democrata não fez sugestões concretas sobre o assunto, mas defendeu que a Rússia também deve participar na próxima cúpula de paz na Suíça.
Scholz na ZDF © Thomas Kierok/ZDF/dpa/picture alliance |
Críticas da oposição, ceticismo na coalizão
A oposição conservadora em Berlim reagiu duramente às palavras do social-democrata Scholz. "A proposta do chanceler era previsível, porque se enquadra na estratégia de partes do SPD de empurrar muito sutilmente a Ucrânia para uma paz falsa estabelecida pela Rússia, na qual o apoio é gradualmente reduzido e em vez disso são pedidas falsas negociações", disse o democrata-cristão Roderich Kiesewetter do jornal Bild. O seu colega de partido, Jürgen Hardt, enfatizou ao diário Berliner Zeitung que "não se poderia fazer um favor maior a Putin do que forçar a Ucrânia a sentar-se à mesa de negociações enquanto ele continua a assassinar em Donbass". E acrescentou: "Negociações todos queremos, mas cabe ao agressor parar a agressão".Os verdes, que integram a coligação governamental, também se mostram céticos. Segundo a agência de notícias DPA, o líder do Partido Verde Omid Nouripour disse em Berlim que a vontade do Kremlin de ter "discussões em igualdade de condições" não é particularmente grande. Mas ele reconheceu serem necessárias negociações com a Rússia, também sob a forma de conferências de paz.
Os liberais também estão céticos. O porta-voz de política externa do Partido Liberal-Democrático (FDP, na sigla em alemão), Ulrich Lechte, disse ao Berliner Zeitung que embora diplomacia nunca seja demais na opinião de seu partido, ele considera improvável que Putin esteja disposto a sentar-se à mesa com a Ucrânia e retirar as suas tropas. . "Uma nova falsa paz, como foi finalmente acordada com o acordo de Minsk 2, é, na minha opinião, completamente inaceitável", disse Lechte.
Eleições regionais e a guerra na Ucrânia
A ideia de Scholz de trazer a Ucrânia e a Rússia à mesa de negociações não constitui uma surpresa para os observadores. As recentes amargas derrotas dos sociais-democratas nas eleições nos estados da Saxônia e da Turíngia, no Leste da Alemanha, são provavelmente uma das razões para os comentários do chanceler, tal como o são as próximas eleições estaduais em Brandemburgo, também na antiga Alemanha Oriental, que ocorrerão no dia 22 de setembro. O estado é atualmente governado pelo colega de partido de Scholz, Dietmar Woidke.Alex Yusupov, chefe do programa para a Rússia na Fundação Friedrich Ebert, acredita que, dessa forma, Scholz está querendo fortalecer Woidke e sinalizar que Berlim também pensa "que a guerra deve terminar mais cedo do que tarde – também com negociações e não apenas por meios militares". O cientista político acredita que os partidos populistas tirariam vantagem, caso Scholz ignorasse a questão da guerra da Rússia contra a Ucrânia.
O cientista político ucraniano Volodymyr Fesenko suspeita que Scholz esteja tentando encontrar um certo equilíbrio político. "Ele percebeu uma tendência. O tema das negociações de paz está sendo discutido ativamente, e Scholz decidiu, portanto, comentar sobre isso, especialmente depois da recente reunião com Zelenski", disse Fesenko. Ele está convencido de que o chanceler quer se adaptar aos sentimentos políticos internos e, assim, fortalecer a sua própria posição antes das eleições federais do próximo ano.
Mas Fesenko também crê que Scholz esteja definindo novas tendências. Até agora, foi tomada a posição de que só a Ucrânia deveria decidir quando e em que condições terão início as negociações com a Rússia. "Agora Scholz coloca a questão de forma um pouco diferente, mas sua declaração não contém nada de concreto e nada de sensacional", pondera Fesenko. Ele acredita que os debates sobre as negociações de paz aumentarão visivelmente após as eleições presidenciais dos EUA em novembro.
Alemanha ainda tem influência sobre Moscou?
Andrij Melnyk, antigo embaixador da Ucrânia na Alemanha, disse recentemente ao jornal Berliner Zeitung: "Pessoalmente, acredito que o chanceler Olaf Scholz poderia ser criativo e usar os canais diplomáticos existentes na Alemanha para explorar se conversações com Putin fariam sentido."Mas o que isso significa especificamente? O cientista político Alex Yusupov acredita que Berlim não pode fornecer armas à Ucrânia e ao mesmo tempo agir como mediador neutro nas negociações. "A Alemanha perdeu toda a influência sobre a Rússia. O Kremlin não vê Berlim como um ator independente", afirma o especialista. A Alemanha está do lado de Kiev, por isso Berlim definitivamente não iniciará o "Minsk 3".
Entretanto, o Kremlin reagiu com cautela à sugestão de Scholz de aumentar os esforços diplomáticos. Segundo Dmitry Peskov, porta-voz do presidente russo, atualmente não existem pré-requisitos para o início de um processo de paz entre a Rússia e a Ucrânia. Segundo ele, não houve declarações do "país que dirige todo este processo e o Ocidente coletivo", com o que ele se referia aos Estados Unidos.
Ucrânia recorda fórmula de paz
O primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, garantiu aos jornalistas em 10 de setembro que Kiev quer atrair um representante da Rússia para participar na próxima cúpula de paz, a fim de "prevenir a manipulação por parte da Federação Russa e demonstrar a todos os participantes a sua capacidade ou incapacidade de negociar a paz". Em julho, Moscou se recusou a participar, alegando que a Rússia "não aceita ultimatos" que sigam a "fórmula" do presidente ucraniano.Entretanto, Andriy Yermak, chefe do gabinete do presidente Volodimir Zelenski, lembrou no Telegram que o único caminho para a justiça é "exclusivamente a fórmula de paz ucraniana, as normas do direito internacional e a integridade territorial e a soberania da Ucrânia".