Operação é um sucesso do ponto de vista político e tático, mas em termos estratégicos as dúvidas são muitas
Lourival Sant'Anna | CNN
A ofensiva israelense contra o Hezbollah é um sucesso do ponto de vista político. As principais figuras da oposição apoiaram a operação nessa segunda-feira (23), primeiro dia de bombardeios em grande escala. O Hezbollah não demonstrou grande capacidade de reação, o que indica um sucesso também do ponto de vista tático. Já em termos estratégicos, as dúvidas são muitas.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que Israel 'não deixará barato' ataque dos Houthis. • GPO |
O principal líder da oposição, Yair Lapid, elogiou os maiores ataques de Israel contra o Hezbollah desde a guerra de 2006. “Mortes, mil alvos por dia, danos a ativos estratégicos. É assim que a dissuasão israelense é restaurada”, escreveu Lapid no X. “A vida no norte deve ser recolocada nos trilhos. Apoiem as forças de segurança, as IDF (Forças de Defesa de Israel) e a Força Aérea.”
O objetivo da operação, segundo o governo, é permitir a volta de 60 mil a 70 mil israelenses que tiveram de deixar suas casas no norte do país, por causa dos ataques do Hezbollah com foguetes e mísseis, lançados no dia 8 de outubro, quando começou a campanha de Israel contra a Faixa de Gaza, em resposta aos atentados realizados na véspera pelo Hamas.
O general Benny Gantz, ex-ministro da Defesa, igualmente um líder da oposição, crítico da condução da guerra na Faixa de Gaza, apoiou a operação: “Acabei de visitar o Vale de Jezreel e encontrei líderes locais e moradores fortes aqui”, publicou ele no X.
“Digo inequivocamente aos nossos inimigos que estão repetidamente errados na sua avaliação da situação: o governo de Israel e o sistema de segurança têm o total apoio de toda a nação na sua missão de devolver os moradores do norte em segurança às suas casas”, continuou Gantz, que pertenceu ao gabinete de guerra, mas saiu por divergir da prioridade dada às ações militares na Faixa de Gaza em detrimento de um acordo para libertar os reféns israelenses.
“Temos de cobrar um preço alto não só do Hezbollah, mas também do Estado soberano do Líbano, que é responsável pelo terrorismo que emana do seu território, a fim de obter o retorno dos nossos moradores o mais rapidamente possível”, concluiu o general. No tuíte seguinte, Gantz criticou o ministro da Justiça, Yariv Levin, por tentar interferir na autonomia da Corte Suprema, na qual tramitam processos por corrupção contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
A IDF afirma ter atingido 1.300 alvos do Hezbollah no Líbano. O Hezbollah retaliou disparando dezenas de foguetes, interceptados por Israel. A assimetria do conflito ficou muito clara, nos primeiros dias da escalada. A IDF não descarta a possibilidade de uma ofensiva por terra, como fez na última guerra em grande escala com o Hezbollah, em 2006.
Naquele conflito, que durou 34 dias, o Hezbollah disparou cerca de 4 mil dos 15 mil foguetes que tinha na época. Hoje, estima-se que a milícia xiita tenha 150 mil foguetes e também mísseis, que não tinha antes — fornecidos pelo Irã, mais sofisticados, mais precisos, com sistemas de teleguiagem, e com alcance muito maior.
Além disso, o grupo dispõe hoje de 100 mil combatentes, muitos deles experientes e com um dos melhores estados de prontidão da região, graças à participação do Hezbollah na guerra da Síria, do lado da ditadura de Bashar al-Assad, apoiada pela Rússia e pelo Irã, que patrocina a milícia libanesa.
Ou seja, o poderio do Hezbollah se multiplicou depois da guerra de 2006, o que sugere que a estratégia de atacar suas posições no Líbano não leva necessariamente a sua degradação. Do ponto de vista político, no entanto, ela traz dividendos imediatos.
A crise social causada pelo deslocamento de dezenas de milhares de israelenses do norte é causa de grande frustração na população, menor apenas do que a indignação causada pela falta de um acordo com o Hamas que liberte os cerca de 100 reféns israelenses ainda nos cativeiros na Faixa de Gaza.
O Hezbollah apoia o Hamas, também patrocinado pelo Irã, e afirma que poria fim aos ataques ao norte de Israel se houvesse um cessar-fogo na Faixa de Gaza.
Netanyahu, no entanto, é impedido de chegar a um acordo de cessar-fogo com o Hamas por seus ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, líderes dos colonos judeus na Cisjordânia ocupada. Juntos, eles controlam 13 cadeiras no Parlamento de 120. Netanyahu tem maioria de apenas 4 cadeiras.
Uma retirada do apoio dos dois ministros, que defendem a expulsão dos palestinos e a anexação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, levaria à queda de Netanyahu e a perda da proteção contra os processos na Corte Suprema, que podem levá-lo à prisão.
É por isso que, para o primeiro-ministro, uma guerra em dois flancos simultâneos é politicamente mais conveniente do que o cessar-fogo.