Dezessete governos participam de encontro organizado por China e Brasil; proposta é rejeitada por Zelenski
Marianna Holanda e Ricardo Della Coletta | Folha de S.Paulo
Nova York - O assessor internacional de Lula (PT), Celso Amorim, minimizou nesta sexta-feira (27) a ausência de Rússia e Ucrânia da reunião copresidida por Brasil e China para discutir um plano de paz para a guerra no Leste Europeu.
O embaixador Celso Amorim na Comissão de Relações Exteriores do Senado. - Gabriela Biló-15.8.2024/Folhapress/Folhapress |
A iniciativa é rejeitada pelo presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e considerada por Estados Unidos e aliados no Ocidente como favorável à Rússia.
De acordo com Amorim, as partes diretamente envolvidas no conflito se juntarão à proposta "quando o momento certo chegar".
"É natural, vocês já estudaram história. Quantas vezes um país achava que ia ganhar guerra com facilidade e depois ficou difícil? Às vezes tem que chegar esse momento e ainda não chegou, mas vai chegar. Estamos conversando. E, quando chegar, vamos dizer: 'olha, tem um caminho para voltar à paz'", disse Amorim, ao final do encontro.
Brasil e China organizaram a reunião para divulgar a proposta conjunta de um plano de paz para Ucrânia e Rússia. O documento foi anunciado em maio, durante uma visita de Amorim a Pequim, e assinado por ele e por Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China.
Dezessete países do chamado Sul Global, termo não oficial usado por esse grupo para se referir a nações em desenvolvimento, participaram do encontro. São eles: África do Sul, Argélia, Bolívia, Colômbia, Egito, Etiópia, Indonésia, Cazaquistão, Quênia, México, Tailândia, Turquia, Emirados Árabes Unidos, Vietnã e Zâmbia. Três governos europeus também escalaram observadores: França, Suíça e Hungria.
Apesar disso, Etiópia, México, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e Vietnã não apoiaram a declaração final, o que indica divergência em ao menos algum ponto da iniciativa. Segundo Amorim, o México tinha restrições com o trecho do documento que cita legitimas preocupações de segurança, uma linguagem considerada simpática à Rússia. Os Emirados Árabes Unidos, por sua vez, já estão envolvidos em outra iniciativa.
O plano sino-brasileiro divulgado em maio consiste em seis pontos, entre os quais a realização de uma conferência internacional de paz "que seja reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igualitária de todas as partes relevantes".
A proposta também engloba a rejeição ao uso de armas de destruição em massa e aos ataques contra usinas nucleares — e rechaça a "divisão do mundo em grupos políticos ou econômicos isolados".
Os termos do documento foram rejeitados por Zelenski — que chamou a proposta de destrutiva — e por aliados de Kiev no Ocidente. Em linhas gerais, estes consideram que a abordagem sino-brasileira premia a Rússia e autorizaria o governo de Vladimir Putin a anexar territórios ocupados.
O próprio Zelenski se referiu ao plano durante seu discurso na Assembleia-Geral da ONU. Ele acusou Brasil e China de viabilizarem indiretamente os avanços de Vladimir Putin.
"Quando alguns propõem alternativas, acordos frágeis ou, ainda, ‘conjuntos de princípios’, eles não apenas ignoram os interesses e o sofrimento dos ucranianos [...], como dão a Putin espaço de atuação política para continuar a guerra", afirmou Zelenski na quarta (25).
"Talvez alguém queira incluir um Nobel em sua biografia por um acordo de cessar-fogo em vez de uma paz efetiva. Mas os únicos prêmios que Putin lhe dará em troca são mais sofrimento", declarou o ucraniano, em referência velada a Lula.
O presidente brasileiro, no mesmo dia do discurso do ucraniano, voltou a comentar o caso. "O que ele [Zelenski] não está conseguindo fazer é a paz. Não estamos propondo fazer a paz por eles, estamos chamando a atenção para que eles levem em consideração que somente a paz vai garantir que a Ucrânia sobreviva enquanto país soberano, e que a Rússia sobreviva", afirmou Lula.
"Se fosse esperto, ele [Zelenski] diria que a solução é diplomática, não militar. Isso depende de capacidade de sentar e conversar, ouvir o contrário. E tentar chegar num acordo para que o povo ucraniano tenha sossego na vida. É isso."