Governo brasileiro demonstra menos interesse pela empresa estratégica de defesa Avibras do que seus homólogos chineses e australianos. Para analista e sindicalista ouvidos pela Sputnik Brasil, o Brasil perde tecnologia, quadros qualificados, segurança e dinheiro ao ceder o controle da empresa para atores estrangeiros.
Ana Livia Esteves | Sputnik
A venda da empresa do setor de defesa Avibras desperta o interesse de atores de peso, como China, Austrália e EUA, mas não do governo brasileiro. O embate entre as empresas chinesa Norinco e australiana DefendTex contrasta com a inação de Brasília, que, ao que tudo indica, deixará a empresa ser vendida para grupos do exterior.
De acordo com a Agência Brasil, o governo não demonstra disposição em assumir a dívida da Avibras, estimada em R$ 700 milhões, e estatizar a empresa, responsável pela fabricação de lançadores de foguetes essenciais para as operações do Exército Brasileiro.
"A possibilidade de estatização da empresa exigiria um recurso que o governo hoje não dispõe", disse o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). "Não há condições, nesse momento, de financeiramente o governo entrar nessa. Seria uma solução, já que nenhuma empresa nacional se interessou até agora, mas é importante ter a empresa funcionando."
Para o presidente licenciado do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Weller Gonçalves, a inação do governo brasileiro levará o país a ceder quadros, tecnologia e investimentos a países estrangeiros, em detrimento da sua segurança nacional.
"Nos preocupamos com a venda da empresa pelo ponto de vista do segredo comercial. Muitos dos produtos que a Avibras fabrica foram desenvolvidos graças ao investimento de dinheiro por parte do Estado", disse Gonçalves à Sputnik Brasil. "Então é o acervo tecnológico que pode ser entregue para outro país, o que, para nós, significa um crime lesa-pátria."
O sindicalista ainda questiona a perda de postos de trabalho qualificados no Brasil, caso a empresa seja entregue a grupos estrangeiros. Os trabalhadores da Avibras estão há mais de 15 meses sem receber salários, com poucas perspectivas de auxílio governamental no abatimento desses passivos trabalhistas.
"A possibilidade de estatização da empresa exigiria um recurso que o governo hoje não dispõe", disse o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). "Não há condições, nesse momento, de financeiramente o governo entrar nessa. Seria uma solução, já que nenhuma empresa nacional se interessou até agora, mas é importante ter a empresa funcionando."
Para o presidente licenciado do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Weller Gonçalves, a inação do governo brasileiro levará o país a ceder quadros, tecnologia e investimentos a países estrangeiros, em detrimento da sua segurança nacional.
"Nos preocupamos com a venda da empresa pelo ponto de vista do segredo comercial. Muitos dos produtos que a Avibras fabrica foram desenvolvidos graças ao investimento de dinheiro por parte do Estado", disse Gonçalves à Sputnik Brasil. "Então é o acervo tecnológico que pode ser entregue para outro país, o que, para nós, significa um crime lesa-pátria."
O sindicalista ainda questiona a perda de postos de trabalho qualificados no Brasil, caso a empresa seja entregue a grupos estrangeiros. Os trabalhadores da Avibras estão há mais de 15 meses sem receber salários, com poucas perspectivas de auxílio governamental no abatimento desses passivos trabalhistas.
"O mais provável é que a empresa seja vendida, porque ao longo desses dois anos e meio de luta não vimos nenhum interesse do governo em investir na empresa, o que para a gente é uma vergonha", disse Gonçalves. "Vemos empresas de outros países interessadas, a mídia internacional cobrindo a venda, todo mundo querendo a Avibras, menos o governo federal. Isso é um escândalo."
A falta de interesse de Brasília é a norma desde o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas continuou sob Lula, afirma Gonçalves. Representantes do sindicato foram recebidos pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e pelo ministro da Defesa José Múcio, mas "nenhuma atitude concreta foi tomada por parte do governo para resolver o problema".
Fundada em 1961 por engenheiros formados no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), a Avibras se destacou na área de foguetes de artilharia, tanto terra-terra, quanto ar-terra. O desenvolvimento do sistema de artilharia de saturação de área Astros II na década de 1980 levou a empresa ao seu apogeu nacional e internacional.
Até os dias de hoje, 85% das receitas da Avibras são advindas das suas vendas ao exterior, com destaque para países do Oriente Médio e África. Dentre os atuais clientes da empresa estão Forças Armadas da Arábia Saudita, Catar, Malásia e Indonésia. No entanto, a empresa alega problemas financeiros impostos pela pandemia, que teria inviabilizado a manutenção de seus contratos internacionais.
Setor estratégico
O descaso do Palácio do Planalto com a Avibras reflete visão equivocada sobre a natureza das indústrias de defesa, acredita o especialista militar e oficial da reserva da Marinha do Brasil Robinson Farinazzo. Segundo ele, esse setor estratégico não funciona como empresas comuns e depende de investimentos governamentais para crescer.
"Nenhuma empresa de defesa sobrevive sem o apoio do governo. Os EUA, líderes do setor, investem bilhões em suas empresas, como a Lockheed Martin, a Raytheon ou a Boeing", disse Farinazzo à Sputnik Brasil. "Os EUA adquirem aeronaves F-15 da Boeing, apesar de serem ultrapassadas, somente para manter a empresa operando. E isso é uma visão estratégica."
O oficial da reserva da Marinha lembra que empresas de defesa demandam anos não só para desenvolver os seus produtos, mas também seus quadros, já que "até os funcionários de chão de fábrica das empresas de defesa são técnicos altamente qualificados."
"Nenhuma empresa de defesa sobrevive sem o apoio do governo. Os EUA, líderes do setor, investem bilhões em suas empresas, como a Lockheed Martin, a Raytheon ou a Boeing", disse Farinazzo à Sputnik Brasil. "Os EUA adquirem aeronaves F-15 da Boeing, apesar de serem ultrapassadas, somente para manter a empresa operando. E isso é uma visão estratégica."
O oficial da reserva da Marinha lembra que empresas de defesa demandam anos não só para desenvolver os seus produtos, mas também seus quadros, já que "até os funcionários de chão de fábrica das empresas de defesa são técnicos altamente qualificados."
"O investimento para a defesa é investimento a fundo perdido. Não interessa se há lucro ou prejuízo imediato, porque o ativo da indústria de defesa é estratégico, vai além dos simples resultados econômicos", disse Farinazzo. "O valor produzido por esse setor é imaterial, representa a nossa capacidade de defesa, segurança e soberania. E esses valores estão sendo tratados de forma leviana no Brasil."
Exemplo clássico da importância do papel do Estado na consolidação de empresas de defesa é a Embraer, que foi parcialmente vendida após obter sucesso na área de aviação civil e militar, competindo com empresas líderes do setor como Boeing e Airbus.
Em contexto de aumento das tensões internacionais e da intensidade dos conflitos bélicos, as vendas de empresas do setor de defesa brasileiro deixam o país ainda mais vulnerável. No contexto atual, os armamentos produzidos pela Avibras teriam papel relevante na recomposição da frota de submarinos brasileiros, que seriam armados com foguetes de alcance de até 300 km, aumentando sobremaneira a potência da Marinha do Brasil.
A venda ou privatização de empresas de defesa nacionais não têm mostrado bons resultados historicamente. Exemplo eloquente é o da Ucrânia, que, após o golpe de Estado de 2014, entregou boa parte de sua indústria de defesa a atores privados, com consequências desastrosas para o país.
"Até 2013, a Ucrânia mantinha uma das melhores indústrias de defesa do mundo, com cerca de 245 empresas. O primeiro porta-aviões da China, por exemplo, foi produzido na Ucrânia", relatou Farinazzo. "O neoliberalismo fechou essas empresas e hoje a Ucrânia depende totalmente do fornecimento de armas estrangeiras. É um mau exemplo."
Após o fim da Guerra Fria, a falta de investimento na área de defesa já custou ao Brasil empresas importantes, como a Bernardini, que produzia o tanque MB-3 Tamoyo para o Exército brasileiro com alto grau de conteúdo nacional, e a antiga empresa automobilística bélica Engesa, produtora do carro de combate EE-T1 Osório.
Os próprios EUA tiveram experiências negativas após reduzir o papel do Estado em indústrias estratégicas. Na década de 80, a retirada dos subsídios públicos aos estaleiros norte-americanos levou à falência de dezenas de unidades, "e hoje a Marinha norte-americana não consegue acompanhar o ritmo de construção da chinesa".
Nesse sentido, o oficial da reserva Farinazzo é indiferente quanto à nacionalidade da empresa que adquirir a Avibras: seja uma empresa chinesa ou australiana, o ônus para a segurança brasileira será o mesmo.
"Agora, quando a venda da Avibras estava sendo feita para a Austrália, não havia o furor que vemos agora que uma empresa chinesa entrou no negócio. Uma pode, a outra não pode? Tem algo errado aí", questionou Farinazzo. "A verdade é que existe um interesse muito grande em deixar que países ligados à OTAN fiquem no controle da indústria de defesa brasileira."
O governo dos EUA reagiu à manifestação de interesse da empresa chinesa Norinco, que propôs adquirir 49% da Avibras. De acordo com a Folha de São Paulo, diplomatas dos EUA já teriam pressionado o governo Lula a evitar o envolvimento da Norinco na transação.
O desenvolvimento das Forças Armadas e da indústria de defesa brasileira não interessa a Washington e seus aliados, que temem a formação de um polo de poder na América do Sul, capaz de contestar sua hegemonia hemisférica.
"A ideia é nos manter como compradores de equipamentos obsoletos e sem capacidade militar nenhuma. A intenção é destruir a capacidade militar do Brasil, por ele ser uma peça importante do BRICS, com capacidade para fortalecer o Sul Global", concluiu Farinazzo.