Num ato histórico, a Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia, concluiu que a ocupação por Israel de terras palestinas e suas políticas constituem uma anexação de fato, com o confisco de ativos e controle sobre populações inteiras na Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém Oriental. Os juízes ainda declararam que os israelenses cometem uma "sistemática discriminação" contra os palestinos.
Jamil Chade | UOL
Genebra - "As políticas de Israel estão em violação do direito dos palestinos por autodeterminação", afirmou a Corte, que alerta que palestinos estão tendo sua soberania retirada de forma ilegal.
A presença de Israel nessas terras, portanto, é "ilegal" e "viola direito internacional".
Para a Corte, o governo israelense tem a "obrigação de colocar fim à ocupação o mais rapidamente possível".
O tribunal também conclui que:
- Israel deve interromper a expansão de assentamentos na Cisjordânia e retirar colonos em terras anexadas;
- Israel deve extinguir leis que criam discriminação ou que mudam a demografia de territórios;
- Israel deve providenciar reparação completa a todas as vítimas, com restituição e compensação. Isso inclui devolver terras e ativos confiscados desde 1967;
- Governos estrangeiros têm a obrigação de não ajudar a manter a ocupação e nem reconhecer a anexação ilegal promovida por Israel em terras palestinas.
A Corte ainda recomenda que o Conselho de Segurança da ONU e a Assembleia Geral encontrem as formas adequadas para permitir que esse seja o destino dado para o conflito.
Desde 1967, Israel já construiu mais de 100 assentamentos em territórios palestinos e, nos últimos cinco anos, a expansão de colonos permitiu que mais de 500 mil israelenses hoje vivam na Cisjordânia. Mais de 200 mil israelenses ainda estão em Jerusalém Oriental, que aplica as leis domésticas de Israel.
As conclusões são as respostas da Corte a um pedido por parte de dezenas de governos pelo mundo que, numa ação coordenada, recorreram aos juízes internacionais. Em 2022, a Assembleia Geral da ONU votou uma resolução na qual se solicitava que a Corte de Haia desse sua opinião legal sobre a ocupação. A iniciativa, portanto, é anterior aos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023 contra Israel, que gerou uma nova e intensa fase do conflito armado.
Naquele momento, EUA, Israel e outros 24 países votaram contra a resolução. No apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro, o Brasil optou por uma abstenção no voto da ONU, ao lado de outros 52 países.
Mas, em 2023 e já sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil mudou de postura e tomou a decisão política de que iria apresentar sua própria avaliação à Corte. As audiência acabaram se transformando na maior sessão do órgão judicial da ONU desde sua criação, em 1945.
O processo não é o mesmo que a África do Sul iniciou contra Israel por seus ataques contra Gaza. Não se trata tampouco dos pedidos para que o Tribunal Penal Internacional investigue crimes de genocídio por parte de Israel.
O que os governos pediram é que houvesse um exame sobre as consequências legais das violações de Israel contra o direito do povo palestino à autodeterminação e contra a ocupação prolongada desde 1967. O mandato que a Corte recebeu incluía tanto Gaza como Cisjordânia, assim como a ocupação de terras por colonos israelenses e Jerusalém Oriental.
Quais foram os argumentos da Corte?
O juiz Nawaf Salam, presidente da Corte, alertou que Gaza continua sendo ocupada por Israel, ainda que os israelenses tenham oficialmente deixado a região em 2005. O tribunal ainda indicou que Israel ampliou sua influência na Cisjordânia e colonos assumiram o controle de fato de territórios, além de tratar Jerusalém Oriental como seu território.
Terras confiscadas por Israel
Salam alertou que Israel tem legalizado colonos e reassentamentos, ampliando seu território. A transferência de colonos para a Cisjordânia é contrária às leis internacionais. A ampliação tem como base o confisco de terras. A politica de terras de Israel, portanto, é também uma violação do direito internacional.
Exploração de recursos naturais
A Corte também concluiu que Israel tem a obrigação de garantir que a população palestina seja abastecida por recursos em suas terras, ainda que ocupadas. Mas o uso de recursos é inconsistente com as obrigações internacionais de Israel, que redireciona os recursos para sua população.
Forçar expulsão de palestinos
Na avaliação da Corte, Israel retira da população os meios de subsistência e incentiva que a população palestina deixe o local. A pressão militar aumenta ainda mais essa tendência, levando famílias inteiras a abandonar suas terras.
A retirada e destruição de imóveis revelariam que a ocupação não é temporária.
A Corte de Haia, portanto, concluiu que a ocupação por Israel de terras palestinas constitui uma violação do direito internacional, inclusive com a construção aprovada de mais 24 mil unidades residenciais em terras palestinas.
Para Salam, as políticas de Israel criam uma "situação inabitável" e transforma os palestinos em "estrangeiros, que precisam de autorização" para estar em Jerusalém Oriental. Na Cisjordânia, os assentamentos judeus também são usados como exemplos de anexação.
Para a Corte, a exploração de recursos naturais dos palestinos, a proclamação de Jerusalém como capital, a aplicação de leis domésticas em Jerusalém e na Cisjordânia e o controle de terras mostram que há uma anexação em andamento.
"Essas políticas são desenhadas para criar efeitos irreversíveis. Portanto, trata-se de anexações de grande parte de território palestino", disse Salam.
EUA eram contra recurso ao Tribunal de Haia
Uma opinião da Corte não é legalmente vinculante. Mas determina o caminho pelo qual a comunidade internacional avalia um determinado assunto e pauta resoluções e medidas. Conforme o tribunal sinalizou, a opinião tem um peso "moral" e de "autoridade".
Na audiência organizada pela Corte em fevereiro deste ano, o governo de Israel se recusou a enviar uma delegação para se defender. Sua alegação era de que as perguntas enviadas pelos juízes eram "tendenciosas" e representavam uma "distorção da história e da realidade presente no conflito entre Israel e Palestina".
Em fevereiro, o assessor jurídico interino do Departamento de Estado dos EUA, Richard Visek, disse ao tribunal que ele "não deveria concluir que Israel é legalmente obrigado a se retirar imediata e incondicionalmente do território ocupado".
"Qualquer movimento em direção à retirada de Israel da Cisjordânia e de Gaza requer a consideração das necessidades reais de segurança de Israel", disse ele. "Todos nós fomos lembrados dessas necessidades de segurança em 7 de outubro, e elas persistem."
Como parte do processo, Brasil denunciou Israel em Haia
Durante as audiências, o governo brasileiro denunciou Israel pela invasão de territórios palestinos. Para o Itamaraty, os palestinos são discriminados, têm suas liberdades individuais violadas e até a composição demográfica abalada.
O tribunal permitiu que governos interessados se expressassem, defendendo os palestinos ou os israelenses. No total, 54 deles se inscreveram para se pronunciar durante a audiência.
O governo chamou os atos israelenses de "ilegais" e equivalentes a uma "anexação". A delegação do Itamaraty ainda pediu reparações aos palestinos e que Israel não repita as violações que comete. Segundo o governo, Israel tem a "obrigação" de fazer isso, diante do direito internacional.
O Brasil também alertou que países estrangeiros não devem reconhecer a ocupação e nem tomar medidas que impliquem em uma aceitação tácita. "A ilegalidade cria uma obrigação a todos os Estados", disse.
O governo aponta que nenhum país deve colaborar com as ações de Israel relacionadas à ocupação ilegal de terras palestinas. Mas também defende que, pela cooperação, governos atuem por meios legais para colocar um fim à ocupação. "O Brasil está comprometido em cumprir essas obrigações", disse.
O Brasil também apontou como a gravidade dos atos é "indiscutível", mesmo antes dos ataques do Hamas, em 7 de outubro de 2023.
Para o Itamaraty, "a ocupação viola o direito do povo palestino por autodeterminação". Em sua intervenção, o Brasil deixou claro que Israel vem ignorando as resoluções da ONU desde 1967 e pede que a ocupação seja encerrada.
Em sua intervenção, o Brasil ainda acusou Israel de criar dois sistemas legais. Um deles seria válido para os colonos israelenses que ocupam terras palestinas. E o outro seria imposto sob uma ordem militar aos palestinos. Isso constituiria uma "prática de discriminação contra os palestinos e impede o exercício de direitos humanos e liberdades humanas".