Militares do Brasil participarão em agosto do CORE 2024, exercício anual com o Exército dos EUA em vigor desde 2021. Tradicionalmente próximas dos norte-americanos, as forças brasileiras teriam vários benefícios operacionais e estratégicos se colaborassem com as FAs de outras potências, como China, Índia e Rússia, afirmaram analistas à Sputnik.
Fabian Falconi | Sputnik
Em maio de 2021, o Exército Brasileiro e o Exército dos Estados Unidos realizaram a XXXVII Conferência Bilateral de Estado-Maior (CBEM), na qual detalharam atividades de intercâmbio de experiências e conhecimentos para os próximos anos.
Entre elas estava a operação Combined Operations and Rotation Exercise (CORE, ou Exercício Combinado de Rotação e Operações), uma série de exercícios militares conjuntos entre as duas forças que se realizarão até 2028, alternando o país palco dos treinamentos a cada ano.
Foi determinado também que no Brasil o CORE seja realizado em diferentes biomas do país, dando assim aos EUA amplo conhecimento sobre o território local. No ano passado, o exercício foi realizado nos estados amazônicos do Pará e do Amapá, e, neste ano, fuzileiros do 52° Batalhão de Infantaria de Selva (52º BIS) vão até Fort Johnson, na Louisiana, onde fica localizado o Joint Readiness Training Center (JRTC, ou Centro de Treinamento e Preparação Conjunta), dos EUA.
Operações em conjunto com os norte-americanos não são incomuns para as forças brasileiras. Os próprios exercícios CORE foram precedidos pela operação Culminating. Neste ano também já ocorreu a operação Maracanã, para treino de defesa química, biológica, radiológica e nuclear.
A cooperação entre militares é algo corriqueiro no mundo da defesa, "mas reflete também dinâmicas de proximidade e distanciamento", diz Jorge Rodrigues, pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes) e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas.
"De modo mais grosseiro: não se coopera com o inimigo. Assim, a prática deve ser vista em um contexto de reconhecimento dos Estados Unidos como um parceiro do Brasil", afirma.
"O que pode ser um tanto quanto questionável, diante das também históricas intervenções estadunidenses na América Latina, bem como dos relatos de espionagem e monitoramento contra a então presidenta, Dilma Rousseff, e o atual presidente, Lula da Silva."
A proximidade entre os militares norte-americanos e brasileiros tampouco é de hoje. É uma política do Estado brasileiro que remonta pelo menos à atuação conjunta na Segunda Guerra Mundial e foi formalizada na Doutrina de Segurança Nacional, estabelecida durante a ditadura militar de 1964, no contexto da Guerra Fria, lembra o pesquisador.
Esse alinhamento se expressa também em documentos não oficiais, mas escritos por membros de altos escalões das FAs, como o Projeto Brasil 2035, "que apresenta um Brasil agrário-exportador, de economia baseada no extrativismo predatório e alinhado aos Estados Unidos na esfera internacional".
"O resultado disso é que, mais que forças subservientes, temos forças de caráter colonial. As consequências para uma inserção internacional autônoma do Brasil são gravíssimas. Mas são ainda piores para a democracia brasileira: existe democracia com os fuzis apontados para 'dentro', para nossos concidadãos?"
Diplomacia para um lado, defesa para o outro
De acordo com Rodrigues, a situação do Brasil é descrita pelo acadêmico Héctor Saint-Pierre em um artigo intitulado "O destino das paralelas", no qual afirma que "a política de defesa e a diplomacia brasileiras parecem se desenvolver sem encontrar pontos de conexão".
No entanto a situação do país é ainda mais grave, com uma formulação de "destino de vetores opostos, com o instrumento militar indo, muitas vezes, na direção contrária à da diplomacia", diz Rodrigues. Isso fica claro quando tomam-se por referência governos que questionam o alinhamento acrítico às potências ocidentais.
"Não falamos aqui sequer de uma contestação absoluta ou quebra de relação com tais países [ocidentais], mas da mera defesa de, para usar a frase imortalizada por Celso Amorim [assessor especial da Presidência do Brasil para assuntos internacionais e ex-chanceler], 'poder dizer não'."
"Em última instância", diagnostica Rodrigues, "temos Forças Armadas que não reconhecem a legitimidade da autoridade civil democrática em matéria de defesa e diplomacia".
As vantagens de visitar o outro lado
A presença dos Estados Unidos no continente "é um fato incontornável", seja para a diplomacia ou para a política de defesa do Brasil. Nesse sentido, não há por que negar a importância de manter uma política de boas relações. Mas Rodrigues advoga por uma ampliação da lista de países com os quais o Brasil realiza exercícios em conjunto, como os do entorno e os demais membros do BRICS, que possuem "peso geopolítico, econômico e populacional".
"Exercícios em conjunto são uma oportunidade para os militares brasileiros entrarem em contato com tecnologias e equipamentos aos quais normalmente não teriam acesso."
Fernando Brancoli, professor adjunto de segurança internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que é essencial que o Brasil "também explore parcerias com outras potências militares" como forma de maximizar os benefícios "estratégicos e operacionais, promovendo uma política de defesa mais diversificada e autônoma".
"Exercícios em conjunto são uma oportunidade para os militares brasileiros entrarem em contato com tecnologias e equipamentos aos quais normalmente não teriam acesso."
Fernando Brancoli, professor adjunto de segurança internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que é essencial que o Brasil "também explore parcerias com outras potências militares" como forma de maximizar os benefícios "estratégicos e operacionais, promovendo uma política de defesa mais diversificada e autônoma".
Entre as principais vantagens, aponta o especialista, estão o acesso a diferentes doutrinas e táticas militares, a troca de tecnologia e equipamentos e o fortalecimento das relações diplomáticas, comerciais e da autonomia estratégica brasileira.
Por exemplo, com os militares da Rússia as forças brasileiras teriam acesso a "treinamentos de combate em climas frios e terrenos hostis, além de técnicas avançadas de defesa aérea e uso de sistemas de artilharia sofisticados", diz o especialista.
Já com a Índia, o Brasil poderia adquirir experiência em "combate em terrenos diversos, como desertos e regiões de alta altitude, onde o Exército indiano possui ampla expertise". A Índia também tem feito avanços significativos no desenvolvimento de sua indústria de defesa doméstica, "e uma colaboração com ela poderia envolver a coprodução e o desenvolvimento de equipamentos militares, beneficiando a indústria de defesa brasileira", argumenta.
Por fim, exercícios com a China permitiriam ao Brasil aprender táticas de guerra assimétrica e técnicas avançadas de guerra eletrônica, "dada a vasta experiência da China em operações de montanha e guerra cibernética".
"Tanto a China quanto a Rússia são conhecidas por seu desenvolvimento em tecnologia de drones, sistemas de defesa aérea e guerra eletrônica. A troca de tecnologia com esses países pode melhorar significativamente a capacidade tecnológica das Forças Armadas brasileiras."
Brancoli destaca ainda que a realização de exercícios militares em conjunto com outros países fortalece as relações diplomáticas e comerciais entre os atores. A China, por exemplo, é um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, "e aprofundar laços militares poderia complementar essa relação econômica robusta".
Há também um fortalecimento da autonomia estratégica do Brasil: "A colaboração com diferentes potências militares ajuda o Brasil a evitar a dependência excessiva de um único aliado, como os EUA, promovendo uma maior autonomia estratégica."
"Ao engajar-se com múltiplas potências, o Brasil pode equilibrar as influências externas, criando um ambiente de cooperação mais diversificado que reflete a realidade multipolar do mundo atual."