Soldados ucranianos no front de batalha utilizam um termo bastante gráfico para descrever as táticas russas que enfrentam todos os dias: eles chamam de "ataques à carne".
Gordon Corera | BBC News
Kyiv - Tratam-se de grupos de soldados russos atacando suas posições de defesa, às vezes dez vezes por dia.
Os soldados ucranianos descrevem os ataques inimigos como “uma esteira rolante que leva os russos à morte” © Getty Images |
O tenente-coronel Anton Bayev, da Brigada Khartia da Guarda Nacional Ucraniana, diz que em apenas algumas horas chegam diversos grupos de soldados russos às posições de linha de frente ucraniana no norte de Kharkiv.
"Os russos usam isso na maior parte dos casos simplesmente para ver onde está localizada a nossa equipe de tiro e para constantemente esgotar as nossas unidades", diz.
"Nossos homens se mantêm em posição e lutam, e quando você é atacado por quatro ou cinco ondas de inimigos em um dia, que você tem que destruir, sem fim, é muito difícil, não só fisicamente, mas também psicologicamente".
A tática levou a um número surpreendente de baixas russas desde que Moscou lançou a sua última ofensiva, há dois meses.
Cerca de 1.200 soldados russos foram mortos ou feridos todos os dias em maio e junho, o nível mais alto desde o início da guerra, segundo autoridades ocidentais.
Normalmente, os drones detectam rapidamente os atacantes, e os russos muitas vezes deixam seus mortos e feridos no campo de batalha, diz o tenente-coronel Bayev. "A principal tarefa deles é simplesmente nos atacar e nos exaurir completamente."
A tática expõe a estratégia russa de aproveitar ao máximo sua principal vantagem: os números.
Em Pokrovsk, na região de Donetsk, o capitão Ivan Sekach, da 110ª Brigada Ucraniana, compara o que vê a uma esteira de produção levando os russos em direção à morte, embora permita que avancem lentamente.
A Rússia possui uma população significativamente maior que a da Ucrânia. Alguns dos envolvidos nas operações são ex-prisioneiros, e a Rússia também recruta muitos mediante um pagamento único que às vezes pode chegar a milhares de dólares.
Há, inclusive, queixas do lado russo sobre "regimentos de incapacitados", em que soldados feridos são forçados a retornar ao combate.
Um vídeo mostra dezenas de homens, alguns de muletas, dizendo a seus comandantes que estão feridos e precisam de tratamento hospitalar, mas são mandados de volta ao front.
Isso, dizem autoridades ocidentais, permite a Moscou continuar a enviar soldados diretamente para as linhas da frente de batalha na mesma proporção em que são mortos ou feridos, por mais mal treinados que sejam.
A Ucrânia não conseguiria igualar as táticas russas, mesmo que tivesse as tropas necessárias, em parte devido a uma atitude diferente em relação às baixas.
Um general sênior foi demitido nas últimas semanas após denúncias de que estaria usando o que se costuma chamar de tática soviética: enviar pessoas para o front.
"Há muitas críticas porque perdemos muitos dos nossos homens devido a uma mentalidade e estratégia de estilo soviéticas”, diz Ivan Stupak, antigo oficial do Serviço de Segurança. "Estamos limitador de pessoal. Não temos outra opção que não seja pensar no nosso pessoal."
Na área em torno de Kharkiv, os avanços russos pararam. Mas no Leste, a tática de desgaste da Rússia registra progressos lentos porém constantes.
"Infelizmente, há muitos russos. E eles estão tentando realizar essa operação em busca de centímetro por centímetro, polegada por polegada, 100 metros por dia, 200 metros por dia. E, infelizmente, é um sucesso para eles." diz Stupak.
Em Kiev há frustração com o ritmo do apoio ocidental. Um alto funcionário reclama que a Ucrânia recebe ajuda suficiente para não perder, mas não o suficiente para vencer.
As autoridades ocidentais reconhecem que 2024 foi um ano difícil para a Ucrânia, com atrasos na chegada da assistência militar dos EUA que colocaram pressão sobre as defesas, custando território e vidas.
"Parece que a estratégia é ir aumentando de pouco em pouco", disse à BBC Oleksandr Merezhko, presidente da comissão parlamentar ucraniana de relações exteriores.
"Recebemos pouco a pouco, e tenho a impressão de que nossos aliados ocidentais fornecem um pouco de armamento e vêem o que acontece, como se tivessem medo do que chamam de escalada".
O fim das restrições ao uso de armas americanas na fronteira com a Rússia fez diferença e contribuiu para deter o ataque de Moscou a Kharkiv.
"Se tivermos de lutar com as mãos atadas nas costas, o que faremos é sangrar até à morte. É por isso que é de crucial importância que nos permitam utilizar mísseis de longo alcance no território da Rússia, e já temos resultados", observou Merezhko.
Mas uma outra autoridade ucraniana diz que o uso de ataques de maior alcance contra a Rússia é apenas um paliativo e que não altera fundamentalmente a dinâmica da guerra.
"Estamos caminhando para um impasse", afirma Ivan Stupak, antigo funcionário dos serviços de segurança, que reconhece que isso pode levar à "pílula amarga" de algum tipo de negociação.
Durante uma visita a Kiev na semana passada, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, sugeriu pela primeira vez um cessar-fogo para acelerar as negociações, uma postura que gerou desconfiança entre as autoridades de Kiev.
Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente ucraniano Zelensky, disse à imprensa em Washington: "Não estamos dispostos a comprometer coisas e valores muito importantes".
Os ucranianos temem que sem garantias firmes de segurança - como a adesão à OTAN, no lugar de negociações vagas sobre uma ponte para adquirir o status - a Rússia possa reagrupar-se e atacar novamente no futuro.
Vladimir Putin aposta no desgaste da Ucrânia no campo de batalha e na superação da determinação do Ocidente em apoiar o país.
Além de lançar bombas aéreas guiadas sobre posições da linha da frente e civis em Kharkiv, Moscou também atacou instalações energéticas em todo o país, levando a apagões cada vez mais frequentes e preocupação com o inverno.
As eleições nos EUA em novembro adicionam outra camada de incerteza à dúvida sobre a capacidade da União Europeia de assumir o controle da situação.
Para o tenente-coronel Anton Bayev, na linha da frente próxima de Kharkiv, a capacidade de atacar a Rússia pode ter sido vital, mas agora vê que o seu inimigo está adaptando suas táticas - e não apenas com "ataques à carne".
As perdas agora vêm de ataques com morteiros e bombas deslizantes, enquanto as forças ucranianas continuam com escassez de munição.
"Precisamos de tudo e sempre falta", diz.
"Os meninos estão aguentando. Todos nós estamos aguentando. É duro, mas todos sabem o preço e por que tudo isso é feito."
Reportagem adicional de Hanna Tsyba e Kyla Herrmannsen