Ameaças entre o Ruanda e a República Democrática do Congo (RDC) sobem de tom, com os líderes de ambos os países a falar em "guerra". Quais as implicações dessas ameaças para a SADC?
Tainã Mansani | Deutsch Welle
As ameaças entre os líderes da República Democrática do Congo (RDC) e do Ruanda subiram de tom nas últimas semanas, deixando a região em alerta. O Governo congolês de Félix Tshisekédi mantém a acusação de que o Ruanda apoia o grupo M23, responsável pelo terror e pela mortandade entre populares.
O líder da República Democrática do Congo (RDC), Félix Tshisekedi, e seu homólogo ruandês, Paul Kagame, cujas ameaças subiram de tom nas últimas semanas © Provided by Deutsche Welle |
O Presidente angolano João Lourenço tem sido um dos mediadores deste conflito que, no ano passado, foi enviado, juntamente com o ex-presidente do Quênia, Uhuru Kennyatta, a manter contatos com a liderança do movimento rebelde, M23, e acompanhar o processo de pacificação da RDC.
Mas a mediação não pôs fim às hostilidades. Na semana passada, o presidente do Ruanda, Paul Kagame, disse, numa entrevista aos média franceses, que o país está "pronto para lutar" tendo o líder congolês Tshisekédi afirmado, anteriormente, que uma guerra entre os dois países "é possível".
Quais são as implicações para a região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) dessas trocas de ameaças, que sobem de tom, entre a RDC e o Ruanda? Em entrevista à DW, o cientista político angolano David Sambango explica:
David Sambango (DS): Claramente que as implicações são catastróficas, porquanto nós estamos a falar de uma região que é bastante importante. E África passou por várias situações de golpe de Estado, vários conflitos. Seria necessário se apaziguar esses conflitos a nível interestatal. E a falta de uma solução pacífica dos problemas no norte da RDC, com o alegado envolvimento também do Ruanda, acaba sendo um tanto quanto nefasto para a região.
Sabe-se, por exemplo, da questão [ligada] também à exploração de recursos minerais, sobretudo o coltan, que é uma substância fundamental que se explora [na região]. O Ruanda não detém este recurso natural, mas acaba sendo um dos maiores exportadores deste recurso.
[Além disso,] pensamos que o mediador escolhido para resolver esse problema, o Presidente da República de Angola, João Lourenço, à quem também foi atribuído o título de "campeão da paz", ou seja, defensor da paz, aquele que devia lutar para que a região conseguisse alcançar a sua paz... Infelizmente, os mecanismos de negociação, de apaziguamento, de resolução do problema não estão a ser eficazes por conta de não se contactar os atores dos do conflito.
DW África: E porque é que a mediação do Presidente angolano, João Lourenço não está a dar resultados?
DS: A mediação do Presidente João Lourenço seria uma mediação real, não fossem as medidas que parecem mais "cosmética" que se faz neste conflito. Ele pega, portanto, o legado do antigo Presidente [falecido] José Eduardo dos Santos, que também foi muito considerado como o homem que seria o líder africano a pacificar a região dos Grandes Lagos, a SADC. Mas, infelizmente, isso não passou de "charme político".
DW África: Há mais uma certa incapacidade diplomática do líder angolano, ou o fracasso se deve às dificuldades que a natureza deste conflito impõem?
DS: Na qualidade de pessoa formada em História, diz que tem um mestrado em História, ele deveria estudar, porque a história ajuda muito nessa compreensão. Deveria estudar a origem e, portanto, as causas dos problemas. Seria mais pragmático se conseguisse juntar, ter uma negociação a parte com os rebeldes e depois conseguisse então, dentro dos rebeldes, tirar aquilo aqueles que são, portanto, a liderança máxima para negociar (mesmo que fosse nos bastidores da política) com o Presidente Kagame, e com o presidente da RDC.
E, apesar de parecer uma questão subregional, deveria também estar a União Africana (UA) a trabalhar neste processo. Teríamos assim claramente uma medida mais eficaz, uma resolução, uma pacificação no quadro deste conflito.
DW África: O líder congolês, Félix Tshisekedi, afirmou que uma guerra entre a RDC e o Ruanda "é possível". Na semana passada Kagame disse que o Ruanda está "pronto para lutar". Quais as implicações de uma guerra pode ter na região?
DS: Uma guerra entre o RDC e o Ruanda afeta Angola, a República do Congo, afeta todos os países que fazem parte desta região. E, haverá com certeza, para os países que têm alguma estabilidade, maior pressão em termos de deslocação dos refugiados - e isso não é bom para a região. Um conflito, uma guerra interestatal, seria um descalabro total e um retrocesso enorme em relação aos pequenos progressos que se assiste em alguns territórios desta região.