Observadores e organizações de defesa dos direitos humanos temem o pior, caso o cerco em curso das Forças de Apoio Rápido do Sudão a El Fasher, o último reduto das Forças Armadas Sudanesas em Darfur, culmine num ataque.
Jennifer Holleis | Deutsch Welle
Desde o início da guerra no Sudão, em abril de 2023, El Fasher transformou-se no maior centro humanitário do Darfur. Atualmente, alberga cerca de 1,5 milhões de pessoas, incluindo 800.000 deslocados internos.
O cerco a El Fasher, incluindo os campos de refugiados, está a agravar a vida dos deslocados internos © Albert Gonzalez Faran/Unamid/Han/dpa/picture alliance |
Um acordo de paz informal entre as Forças Armadas Sudanesas, sob o comando do General Abdel Fattah Burhan, e o seu rival, o chefe das Forças de Apoio Rápido, o General Mohammed Hamdan Dagalo, manteve até agora uma relativa segurança na cidade.
No entanto, esta situação alterou-se no mês passado, quando dois grupos armados de El Fasher, o Exército de Libertação do Sudão e o Movimento para a Justiça e a Igualdade, anunciaram planos para se aliarem às Forças Armadas do Sudão.
Hager Ali, investigadora do Instituto alemão GIGA para estudos globais, considera que este ataque pode ser dificil de travar. "Estabeleceram-se com as suas próprias redes regionais e têm as Forças de Apoio Rápido como inimigo comum de muitas destas facções armadas opostas. É um fator bastante potente para as unir de novo e para levar a cabo ataques coordenados contra as forças de apoio rápido", afirma.
A investigadora acredita, no entanto, que do outro lado da barricada as forças paramilitares prepararam alianças rivais. "O aprofundamento e a concentração dos esforços militares das RSF no norte do Sudão garantem o controlo ou a limitação da força destas novas alianças potenciais e asseguram a antecipação de grandes contra-campanhas militares das milícias opositoras das RSF naquela região", explica.
Tensão aumenta de dia para dia
Constantin Grund, diretor do gabinete alemão da Friedrich Ebert Stiftung em Cartum, capital do Sudão, descreve um cenário fatal: se houver um ataque, será uma batalha sangrenta.
"El Fasher é o último bastião das SAF e dos seus aliados no Darfur, atualmente cercado pelas RSF, e as tensões aumentam todos os dias. A cidade está inundada por centenas de milhares de refugiados. Se a cidade for atacada, será uma batalha muito sangrenta porque o que está em jogo é extremamente elevado, especialmente para as FAS."
No início deste mês, Toby Harward, coordenador humanitário adjunto da ONU para o Sudão, afirmou num relatório que a ajuda humanitária à cidade sudanesa tem sido impedida pelas forças militares.
No relatório, vem ainda descrito a deterioração significativa da segurança, com o aumento dos assassinatos arbitrários, o roubo de gado, o incêndio sistemático de aldeias inteiras nas zonas rurais, a escalada dos bombardeamentos aéreos em partes da cidade e um cerco cada vez mais apertado em torno de El Fasher.
Resta saber se as RSF vão lançar um ataque em grande escala para tomar o controlo de El Fasher e, consequentemente, de um terço do território nacional, incluindo as fronteiras internacionais do Sudão com a Líbia, o Chade e a República Centro-Africana.
Para Constantin Grund, uma vitória militar das RSF em El Fasher teria um preço político muito elevado. "Por um lado, aceleraria ainda mais o declínio atualmente observado no apoio local e, por outro lado, os enormes esforços que estão a ser feitos, incluindo e especialmente nos meios de comunicação internacionais, para dar à RSF uma aparência de legitimidade, seriam anulados de uma só vez", argumenta.
Apelos internacionais ignorados
Os apelos internacionais para um cessar-fogo e a reabertura dos corredores de ajuda humanitária continuam a não ser ouvidos por ambas as partes.
A 2 de maio, o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita fez telefonemas aos dois generais e instou-os a "parar com os combates para proteger as instituições do Estado e a nação do Sudão”.
A investigadora Hager Ali lembra que esta situação poderia mudar se a atenção internacional aumentasse ou se fossem introduzidas sanções reais às RSF. "O ponto mais preocupante é a repressão contra civis. E isso é, sem dúvida, algo que demonstra a forma como as forças de apoio rápido se consideram, atualmente, completamente imunes a quaisquer consequências reais", destaca.
"Nem sequer existe a perceção de que possa haver sanções ou consequências ou impactos negativos no facto de cometerem atrocidades em massa contra civis neste momento, porque não é no Sudão que estão as atenções, mas também porque a comunidade internacional não fez exatamente um bom trabalho no passado ao processar as forças de apoio rápido por crimes contra a humanidade", lembra ainda Hager Ali.
De acordo com a ONU, a guerra no Sudão, que dura há quase 400 dias, já provocou mais de 15 mil mortos, deslocou mais de 8,6 milhões de pessoas e deixou quase 18 milhões de civis à beira da fome.