Soldados israelenses estão compartilhando imagens de palestinos sob custódia na Cisjordânia ocupada, apesar de o Exército de Israel ter prometido que combateria essa prática, depois que ela foi revelada pela BBC.
Merlyn Thomas, Jamie Ryan e Paul Brown | BBC Verify
Especialistas jurídicos dizem que a filmagem e publicação online podem ser considerados crimes de guerra.
Um palestino sob custódia fotografado com uma bandeira israelense pendurada nas costas | INSTAGRAM |
A BBC analisou 45 fotos e vídeos — que incluem detidos usando bandeiras israelenses.
As Forças de Defesa de Israel (FDI) disseram que os soldados foram disciplinados ou suspensos em casos de "comportamento inaceitável". Mas as FDI não comentaram os incidentes e os soldados específicos que identificamos.
Pelo direito internacional, detidos não devem ser expostos a humilhações desnecessárias ou à curiosidade pública, mas especialistas em direitos humanos afirmam que a publicação das imagens faz exatamente isso.
Em fevereiro, a BBC denunciou a má conduta dos soldados das FDI nas redes sociais durante a guerra em Gaza, que começou após um ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, que matou cerca de 1,2 mil pessoas. Mais de 252 outras pessoas foram feitas reféns.
Desde então, mais de 34 mil pessoas foram mortas pela ofensiva de Israel em Gaza, afirma o Ministério da Saúde do território, administrado pelo Hamas.
Em nossa investigação anterior, a BBC percebeu um padrão de comportamento semelhante na Cisjordânia, que registrou um aumento da violência no mesmo período.
Apesar das reportagens anteriores da BBC revelando a má conduta dos soldados israelenses nas redes sociais, e da subsequente promessa dos militares de agirem de acordo com as nossas descobertas, um ex-soldado israelense, Ori Givati, diz que não está nem um pouco surpreso de ver tudo se repetindo.
Ele é porta-voz da Breaking The Silence — uma organização para soldados israelenses que trabalha para expor supostas irregularidades nas FDI. Givati afirma que a atual "retórica política de extrema direita" no país encoraja esse tipo de atitude dos soldados.
"Não há repercussões. Eles [soldados israelenses] são encorajados e apoiados pelos mais altos ministros do governo", disse ele.
"A cultura dos militares, quando se trata dos palestinos, é que eles são apenas alvos. Eles não são seres humanos. É assim que os militares ensinam você a se comportar."
Israel construiu cerca de 160 assentamentos que abrigam cerca de 700 mil judeus desde que ocupou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental — terra que os palestinos reivindicam como parte de um futuro Estado – na guerra de 1967 no Oriente Médio.
A maioria da comunidade internacional considera os assentamentos ilegais pelo direito internacional, embora Israel conteste isto.
A nossa análise concluiu que os 45 vídeos e fotografias nas redes sociais que examinamos foram publicados por 11 soldados da Brigada Kfir, que é a maior brigada de infantaria das FDI e opera principalmente na Cisjordânia.
Todos os 11 soldados estiveram ou ainda estão na ativa e não esconderam a sua identidade nas redes sociais.
Quatro são de um batalhão reservista da Brigada Kfir – o 9213 – cuja área de operação parece estar localizada na parte norte da Cisjordânia, de acordo com a nossa análise dos seus vídeos nas redes sociais.
Perguntamos às FDI sobre as ações dos soldados individuais que identificamos e se eles foram punidos, mas não recebemos resposta.
Também tentamos entrar em contato com esses soldados por meio de suas contas públicas nas redes sociais. Um deles parece ter nos bloqueado e os outros não responderam até agora.
O mais prolífico dos soldados posta sob o nome de Yohai Vazana.
Muitos de seus vídeos mostram seu batalhão entrando em casas à noite e detendo palestinos – muitas vezes amarrando suas mãos e vendando-os. Mulheres são vistas em pânico ao serem filmadas sem o lenço na cabeça.
Vazana – que se diz "criador digital" e exibe tatuagens que dizem "Nunca esqueça, nunca perdoe, 7/10" – muitas vezes se refere às suas operações como "caça". Sua insígnia militar, visível nos vídeos, sugere que ele ocupa o posto de sargento-mor.
Ele postou 22 vídeos e fotos no Facebook e no TikTok, do que parecem ser imagens de patrulhas, mostrando a detenção de palestinos.
O TikTok confirmou que dois vídeos que destacamos, que não haviam sido retirados de sua plataforma, foram agora removidos por violarem suas diretrizes que "deixam claro que não toleramos conteúdo que procure degradar vítimas de tragédias violentas".
A Meta, empresa dona do Facebook, explicou que está revisando o conteúdo e removerá quaisquer vídeos que violem suas políticas.
Esta foto — uma captura de tela de um dos vídeos de Yohai Vazana — mostra membros de seu batalhão entrando à força em uma casa e posando na frente de uma mulher palestina com uma criança.
O soldado Ofer Bobrov aparece em várias fotos com Vazana. As legendas de seus vídeos costumam incluir a hashtag 9213, sugerindo que ele pertence ao batalhão de Vazana.
Os vídeos de Bobrov sobre suas operações militares são postados junto com clipes de soldados dançando e festejando, se preparando para patrulhas e outros trechos de sua vida cotidiana.
Um vídeo postado em 12 de fevereiro no TikTok inclui várias fotos de um detido vendado e amarrado no chão enquanto um soldado posa com a bandeira israelense atrás dele.
Outro soldado do mesmo batalhão, conhecido online como Sammy Ben, postou oito vídeos e uma foto de detidos palestinos no Instagram.
Os palestinos detidos são frequentemente mostrados vendados e contidos, tendo sido forçados a se deitar no chão ou a se agachar, com as mãos amarradas nas costas, em chamadas "posições de stress" — que são cansativas e dolorosas.
Ben diz nos posts que ele e os seus colegas soldados detiveram "terroristas" e afirmam ter encontrado bandeiras do Hamas nos locais. Israel – tal como o Reino Unido, os EUA e outros países – classifica o Hamas como organização terrorista.
Em um vídeo, Ben — que também serviu nas forças das FDI em Gaza — zomba de dois palestinos detidos, obrigando eles a dizer: "Am Yisrael Chai", que significa "O povo de Israel vive".
Ori Dahbash é outro membro do mesmo batalhão que publicou imagens de operações militares na Cisjordânia, incluindo uma fotografia de um detido que também foi compartilhada por Vazana.
Especialistas disseram que as imagens postadas pelos soldados podem ser violações do direito internacional.
Mark Ellis, presidente de um painel consultivo criado pela ONU sobre tribunais criminais internacionais, pediu uma investigação sobre os incidentes nas filmagens e recomendou que as FDI punam os soldados envolvidos.
O advogado internacional de direitos humanos Geoffrey Nice, que trabalhou no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPIJ) entre 1998 e 2006, concorda com Ellis, mas se disse cético sobre a possibilidade de alguém ser responsabilizado.
Em resposta à nossa investigação, as FDI responderam: "As FDI impõem aos seus soldados um padrão profissional... e investigam quando o comportamento não está de acordo com os valores das FDI. Em caso de comportamento inaceitável, os soldados foram disciplinados e até suspensos do serviço."
"Além disso, os soldados são instruídos a evitar publicação de imagens de atividades operacionais nas redes sociais."
A resposta das FDI não reconheceu que ela tinha se comprometido a agir após nossa investigação anterior, semelhante, nas redes sociais sobre má conduta em Gaza.
Givati, antigo comandante israelense na Cisjordânia, disse estar envergonhado e enojado com o tratamento dado pelos soldados aos detidos.
"Devemos tratá-los com a mesma dignidade com que gostaríamos de ser tratados", disse ele à BBC.
Ele disse que o comportamento reflete a forma como ele sentia que a sociedade israelense vê os palestinos e questionou a alegação de Israel de que o país respeita o direito internacional.
"Não teremos futuro como sociedade se continuarmos nos comportando desta forma", disse ele.