Rússia avança em ofensiva para tomar a segunda maior cidade ucraniana, que é um importante centro industrial e científico. Batalha por localidade símbolo de resistência pode se tornar a mais sangrenta do conflito.
Roman Goncharenko | Deutsch Welle
Dois anos após a fracassada tentativa de tomar Kharkiv, a Rússia volta a avançar sobre a segunda maior cidade da Ucrânia. Até recentemente, especialistas afirmavam que as operações russas na região de Kharkiv seriam mais uma campanha de propaganda do Kremlin, e que Moscou não teria capacidade militar para tomar a cidade.
Sede da Prefeitura de Kharkiv após tentativa russa de tomar a cidade em 2022 | Foto: Sergey Bobok/AFP |
Contudo, no início de maio, o Exército russo conseguiu tomar com rapidez vários vilarejos ao norte da região de Kharkiv, aumentando as preocupações sobre segurança da cidade.
Para Kiev, há muito mais em jogo do que uma perda de território. Kharkiv é de fundamental importância para o país por vários motivos, seja como polo cultural e econômico ou como um dos símbolos da resistência ucraniana à invasão russa.
Segunda maior cidade da Ucrânia
Kharkiv já era uma cidade grande na época do Império Russo. Entre 1919 e 1934, foi a primeira capital da Ucrânia soviética. Apesar da predominância do idioma russo, a cultura ucraniana floresceu em Kharkiv entre as décadas de 1920 e 1930, quando as personalidades locais foram vítimas do terror imposto pelo ditador soviético Josef Stálin. Os nomes de muitos escritores e poetas dessa geração voltaram a ser conhecidos somente após a Ucrânia se tornar um Estado independente.
Durante o regime soviético, Kharkiv se tornou um centro industrial, científico e de transportes. A cidade herdou da União Soviética um polo industrial de alta tecnologia e importantes instituições acadêmicas, incluindo a Universidade Nacional Karasin, a Universidades de Direito e o único instituto de aviação do país. Nos anos 1930, a primeira divisão atômica ocorrida na União Soviética foi realizada em um instituto de ciências de Kharkiv.
A cidade está localizada a 40 quilômetros da fronteira com a Rússia, na intersecção de rodovias estratégicas do leste a oeste e do norte para o sul, incluindo a rota de Moscou para a Península da Crimeia a partir da região russa de Rostov.
Até recentemente, Kharkiv produzia componentes para usinas nucleares, hidrelétricas e térmicas, além de aviões, tratores e tanques. O maior mercado da Ucrânia, o Barabashovo, está localizado no centro da cidade.
Símbolo de resistência
Devido aos bombardeios russos e à consequente falta de energia elétrica, muitas das empresas não conseguem continuar operando normalmente. É improvável que a Ucrânia possa transferir todas elas para regiões mais seguras, pois essa transferência exige tempo, muito dinheiro e trens de carga – ou seja, coisas que estão em falta no país.
Algumas pequenas empresas se mudaram para o oeste da Ucrânia em 2022. Em abril, a imprensa ucraniana divulgou os planos de duas indústrias de grande porte, que se fundiram pouco antes da invasão russa, de estabelecerem filiais no oeste ucraniano.
A Rússia jamais escondeu o desejo de capturar Kharkiv. O ex-presidente russo Dmitry Medvedev anunciou abertamente que a área se tornaria a quinta região da Ucrânia a ser anexada pela Rússia no segundo semestre de 2022.
Entretanto, uma bem-sucedida contraofensiva ucraniana frustrou os planos de Moscou. Kharkiv ficou marcada como a região de onde o Exército russo literalmente fugiu, deixando para trás equipamentos e munição.
Analistas não tinham dúvidas de que a Rússia tentaria se vingar. A queda de Kharkiv e da região seria um duro golpe para a segurança energética da Ucrânia. As consequências econômicas seriam muito mais graves do que as perdas de Donetsk ou Mariupol.
Importância econômica
Segundo estatísticas do governo, a região de Kharkiv foi a terceira que mais contribuiu para o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano em 2019 (6,3%), atrás de Kiev e Dnipropetrovsk. Além disso, a região possui a maior reserva de gás natural do país, capaz de cobrir praticamente toda a demanda nacional.
Uma possível batalha por Kharkiv tem potencial para se transformar na mais sangrenta da guerra até agora. Isso se deve às dimensões da cidade, com 350 quilômetros quadrados, e seus atuais 1,3 milhão de habitantes – aproximadamente do tamanho de Munique, na Alemanha.
O número de habitantes de Kharkiv é praticamente o mesmo de antes da invasão russa. Apesar de muitos moradores terem deixado a cidade, centenas de milhares se abrigaram em Kharkiv fugindo da região do Donbass – em grande parte ocupada pela Rússia – e de outras partes do país onde o conflito começou mais cedo.
Em 2014, as tentativas de grupos de insurgentes pró-Rússia de tomar cidades no leste da Ucrânia, com a colaboração de serviços de segurança de Moscou, deram certo em Donetsk e Lugansk. Já em Kharkiv, eles foram rapidamente expulsos do edifício da administração local.
Linhas de defesa
Quando a guerra começou no Donbass, no mesmo ano, Kharkiv se tornou um hub do Exército ucraniano e um dos pontos centrais do movimento de voluntários. Ali eram feitos os reparos de equipamentos militares e os feridos podiam receber tratamento médico. Várias instalações militares da era soviética permaneceram na região, incluindo um depósito de armas e um campo de aviação militar.
A ofensiva russa no nordeste do país não pegou os ucranianos de surpresa. Várias linhas de defesa foram construídas ao redor de Kharkiv, o que não ocorreu nas áreas rurais que a cercam. A Rússia, porém, possui a vantagem estratégica de conseguir bombardear a cidade a partir de seu território.
A Ucrânia consegue retaliar somente com seus próprios mísseis de curto alcance, e não com os de longo alcance do Ocidente, devido a restrições ocidentais impostas ao país para uso desses armamentos. O Reino Unido declarou recentemente que pretende mudar isso. Entretanto, muitos países ocidentais ainda resistem à ideia de que a Ucrânia use as armas fornecidas pelos aliados para atingir alvos na Rússia.