A onda de refugiados na Europa estremece as relações entre Reino Unido e Irlanda. Dublin quer enviar de volta os refugiados recém-chegados da Irlanda do Norte. O governo britânico se recusa a colaborar e segue determinado a deportar imigrantes sem documentos para Ruanda, no leste da África. As operações para prender refugiados acontecem em meio ao recorde de novas travessias no Canal da Mancha.
Por Yula Rocha | RFI
O governo de Dublin anunciou essa semana que irá introduzir uma legislação emergencial para enviar imigrantes vindos da Irlanda do Norte de volta ao Reino Unido. O ministério da Justiça irlandês informou que dos refugiados recém-chegados ao país, cerca de 80% cruzaram a fronteira terrestre com a Irlanda do Norte. Porém, o governo conservador do primeiro-ministro Rishi Sunak disse que eles não serão aceitos de volta e que os números são um sinal de que esses refugiados estão com medo de serem deportados para Ruanda, no leste da África e, portanto, a nova lei que prevê deter quem busca asilo político no Reino Unido estaria funcionando.
Migrantes desembarcam de um navio da Força de Fronteira Britânica na chegada ao Porto de Dover, na Grã-Bretanha, a 29 de abril de 2024. REUTERS - Chris J Ratcliffe |
Mas, na prática, segundo especialistas, sem a cooperação do Reino Unido, a Irlanda pode até enviar os refugiados de volta, mas eles simplesmente podem cruzar a fronteira terrestre novamente onde não há controle de passaporte ou alfandegário. O que fica entre Reino Unido e a República da Irlanda é esse mal-estar e a potencial escalada de uma crise entre os dois países que precisam estar alinhados diplomaticamente porque afinal essa é a única fronteira terrestre que separa o Reino Unido de um país da União Europeia. A discussão sobre a fronteira foi muito penosa durante o processo do Brexit e no fim ficou acordado que seria mantida aberta para respeitar o acordo de Belfast ou da Sexta-feira Santa, assinado em 1998 para dar fim aos conflitos sangrentos entre nacionalistas e unionistas.
Primeiras deportações em julho
Oficialmente só em julho devem partir os primeiros voos para Kigali, a tempo para dar um gás à principal promessa de campanha do atual governo conservador de Rishi Sunak antes das eleições gerais que devem acontecer no segundo semestre. Mas nesta quinta-feira os eleitores vão às urnas para escolher prefeitos nas grandes cidades como na capital, Londres e esse assunto esquentou. O departamento imigratório britânico aproveitou o momento para anunciar o início das operações para prender refugiados em todo o país. A imprensa noticiou que um imigrante aceitou ser deportado para Ruanda, mas como parte de outro esquema - um programa voluntário que compensa o equivalente a vinte mil reais para quem quiser deixar o país.
Com início das operações, dezenas de refugiados foram presos, mas o governo ainda tem um grande problema para resolver. Dos cinco mil e setecentos identificados como o primeiro grupo a ser enviado para Ruanda para terem seus casos de asilo politico processados, três mil e quinhentos não foram localizados, ou seja, quase 60% estão espalhados pelo país sem que o governo tenha ideia do paradeiro deles. As ações de agentes migratórios causam mais estresse e medo às comunidades de imigrantes e aos refugiados que chegaram aqui em situação de trauma, fugindo de guerras, miséria e perseguição. Outra preocupação de advogados e ONGs de direitos humanos é com as crianças. Segundo dados obtidos pela lei de liberdade à informação, ano passado dois terços dos adolescentes identificados pelo governo como adultos, posteriormente foram confirmados como menores de 18 anos e não poderiam ter sido presos, tampouco podem ser deportados.
Investimento bilionário em política migratória e recorde de travessias no canal da Mancha
O governo britânica pagou o equivalente a quase R$ 3,5 bilhões à França para aumentar o policiamento no Canal da Mancha e vai gastar do contribuinte mais de R$ 11 milhões por cada refugiado deportado para Ruanda. Apesar de tamanho investimento, só na terça-feira 268 pessoas chegaram em cinco botes infláveis. Sete mil conseguiram entrar no país entre janeiro e abril, o maior número da história. E sem falar nas vidas perdidas no mar, como o caso da menina iraquiana que morreu na semana passada e a nova crise iniciada com a Irlanda. Se o esquema de Ruanda vai ou não de fato funcionar, esse é o preço da aposta política que governo conservador do primeiro-ministro Rishi Sunak está disposto a pagar.