Dezenas de milhares de civis continuam fugindo nesta quarta-feira (15) da cidade de Rafah, sul da Faixa de Gaza, bombardeada por Israel e ameaçada por uma grande ofensiva terrestre, no dia em que os palestinos recordam os 76 anos da "Nakba", a "Catástrofe" que representou para eles a criação do Estado de Israel em 1948. Devido aos bombardeios incessantes, a ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) decidiu evacuar o hospital onde dava atendimento a feridos em estado grave em Rafah.
RFI
Sete décadas atrás, durante a "Nakba", quase 760.000 árabes palestinos fugiram ou foram expulsos de suas casas, segundo os dados da ONU, para buscar refúgio nos países vizinhos ou no que viriam a ser a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
"Gaza não se ajoelhará diante de tanques e armas", gritaram na terça-feira (14) milhares de palestinos durante a marcha anual de recordação. Em entrevistas a rádios e TVs francesas, moradores de Gaza disseram estar revivendo o mesmo sofrimento de seus pais e avós em 1948.
Desde que o Exército israelense ordenou aos civis que abandonassem a zona leste de Rafah, em 6 de maio, quase 450.000 pessoas foram deslocadas à força, informou a Agência das Nações Unidas Para os Refugiados Palestinos (UNRWA, sigla em inglês).
12° hospital evacuado
O hospital da Médicos Sem Fronteiras (MSF) que acaba de ser evacuado em Rafah é o 12° de uma longa lista de locais de atendimento de emergência que a ONG francesa se vê obrigada a fechar em sete meses de guerra, com consequências dramáticas para os pacientes. Como Israel assumiu o controle do posto de fronteira de Rafah na fronteira com o Egito, pacientes em estado grave que deveriam ser transferidos para hospitais egípcios serão instalados em barracas e correm o risco de não sobreviver.
“Não conseguimos receber nenhuma ajuda humanitária desde 6 de maio”, disse Guillemette Thomas, coordenadora médica da MSF Palestina, com sede em Jerusalém.
Os milhares de feridos pelos bombardeios em Gaza estão privados de medicamentos, equipamentos hospitalares e alimentos. Médicos com experiência em situações de guerra descrevem que as pessoas com ferimentos no tórax e na cabeça acabam morrendo em alguns dias. Quando os ferimentos são nos membros superiores ou inferiores, os médicos ainda tentam salvá-los com amputações. Mas sem anestesia.
Médicos têm medo de trabalhar
A outra consequência do fechamento do ponto de passagem de Rafah é que ninguém entra ou sai da Faixa de Gaza. A MSF tem 23 profissionais de saúde estrangeiros retidos no território palestino que deveriam ser substituídos, mas que não conseguem retornar para casa.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), dois terços dos hospitais de Gaza foram desativados pela guerra, ou seja, 24 em 36. Os restantes funcionam em condições precárias.
Europeus endurecem o tom com Israel
O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borell, fez um apelo urgente nesta quarta-feira a Israel para que interrompa imediatamente as operações militares em Rafah, por considerar que as ações geram "mais deslocamentos internos, exposição à fome e sofrimento humano" na Faixa de Gaza.
A nota acrescenta que a operação "está prejudicando ainda mais a distribuição de ajuda humanitária" no sul de Gaza. "Se Israel continuar com a operação militar em Rafah, inevitavelmente vai provocar uma grande tensão na relação da UE com Israel", completa o comunicado.
Borrell também pediu a Israel que evite exacerbar ainda mais a já grave situação humanitária em Gaza e que o país reabra a passagem de fronteira de Rafah. "Embora a UE reconheça o direito de defesa de Israel, deve fazê-lo de acordo com o Direito Humanitário Internacional e proporcionar segurança aos civis", afirmou.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, está "horrorizado" com a atividade militar israelense em Rafah, afirmou seu porta-voz.
Não há lugar seguro para os civis palestinos na Faixa de Gaza, há mais de sete meses cercada e devastada pelo Exército israelense. Correspondentes da AFP e testemunhas relataram a continuidade dos ataques aéreos, bombardeios de artilharia e combates durante a madrugada e a manhã desta quarta-feira em Rafah, Jabaliya (norte) e no bairro de Zeitun, na Cidade de Gaza, capital do enclave.
O braço armado do Hamas, as brigadas Ezzeldin Al-Qassam, confirmou confrontos com as forças israelenses no campo de refugiados de Jabaliya. O Exército israelense também anunciou combates "intensos" na cidade de mesmo nome e informou que matou vários "terroristas".
"Reabertura imediata"
Segundo o Ministério da Saúde do Hamas, 35.233 pessoas morreram na Faixa de Gaza desde a guerra desencadeada pelo ataque do movimento extremista islâmico no sul de Israel em 7 de outubro do ano passado. O Exército israelense entrou em Rafah com tanques em 7 de maio.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu na terça-feira a "reabertura imediata" da passagem de Rafah e a "entrega sem obstáculos de ajuda humanitária". Além disso, reiterou o apelo por um cessar-fogo e pela libertação de todos os reféns.
Após o ataque de 7 de outubro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu destruir o Hamas, que tomou o poder em Gaza em 2007 e que considera uma organização terrorista, mesma classificação atribuída ao grupo por Estados Unidos e União Europeia.
Netanayhu está determinado a iniciar uma grande operação em Rafah, onde, segundo ele, os últimos batalhões do Hamas estão entrincheirados, uma operação que preocupa a comunidade internacional, começando pelo governo dos Estados Unidos, principal aliado de Israel, por suas consequências para a população civil.
Ajuda militar americana
Apesar da ameaça do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de limitar a ajuda militar americana a Israel devido à ofensiva em Rafah, o Executivo notificou o Congresso na terça-feira que vai enviar armas a Israel avaliadas em quase US$ 1 bilhão, informaram fontes do governo à AFP.
O ataque de 7 de outubro deixou mais de 1.170 mortos, a maioria civis, segundo um balanço da AFP baseado em dados oficiais israelenses. Neste fatídico dia, mais de 250 pessoas foram sequestradas e 128 permanecem em cativeiro em Gaza, das quais 36 estariam mortas, segundo o Exército israelense.
Em resposta, Israel iniciou bombardeios, seguidos por uma ofensiva terrestre, que devastaram a Faixa de Gaza. Um novo balanço divulgado nesta quarta-feira pelo Ministério da Saúde palestino, controlado pelo Hamas, aponta para 35.233 mortos no enclave desde o início da guerra. Já o número de soldados israelenses que morreram no conflito subiu para 621.
Segundo o Catar, os moradores de Gaza não recebem ajuda humanitária desde 9 de maio. Para facilitar a entrega de assistência, militares dos Estados Unidos estão construindo um porto artificial que deve entrar em operação nos próximos dias, segundo o Pentágono.
A guerra em Gaza também tem consequências na fronteira entre Israel e Líbano, cenário de trocas de tiros diárias entre as forças israelenses e o movimento libanês Hezbollah, que apoia o Hamas.
O Exército israelense anunciou nesta quarta-feira que matou Hussein Makki, comandante do Hezbollah, em uma operação na véspera perto de Tiro, sul do Líbano.
(Com informações da RFI e AFP)