Israel está a caminho de se transformar em um Estado pária se o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu mantiver as atuais políticas e a condução da guerra em Gaza, na avaliação de um ex-alto diplomata israelense.
BBC News Mundo
Em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o ex-embaixador Alon Pinkas, uma das principais vozes em Israel críticas à forma como a guerra tem sido conduzida, diz que sem mudanças seu país vai ficar cada vez mais isolado no mundo.
Netanyahu é criticado pela forma como está conduzindo a guerra em Gaza | GETTY IMAGES |
Mais de sete meses após os ataques de 7 de outubro que desencadearam a guerra em Gaza, a opinião pública a nível mundial parece ter mudado. A solidariedade inicial que Israel recebeu após o ataque do Hamas deu lugar a protestos e duras críticas, até mesmo por parte de países tradicionalmente aliados.
A reação militar na Faixa de Gaza de Israel já deixou milhares de mortos e centenas de milhares de desabrigados.
Nesta semana, o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitou a emissão de mandados de prisão contra Netanyahu e líderes do Hamas, por acusações de crimes de guerra e contra a humanidade.
Netanyahu classificou o pedido como um "ultraje moral de proporções históricas" e disse que Israel trava "uma guerra justa contra o Hamas, uma organização terrorista genocida que perpetrou o pior ataque ao povo judeu desde o Holocausto".
Israel nega alvejar civis palestinos indiscriminadamente na Faixa de Gaza e afirma que a escassez de alimentos no território palestino não é causada por seu cerco militar.
Netanyahu diz que os objetivos da guerra são a destruição do Hamas e o retorno de dezenas de israelenses tomados como reféns pelo grupo palestino.
Para o ex-embaixador Pinkas, é possível "entender as razões" para a guerra e até "justificar o sentimento" em Israel, mas há uma desproporcionalidade no conflito que já dura muito tempo.
"Se Israel tivesse conseguido, depois de dois, talvez três meses, destruir completamente o Hamas, enquanto tentava minimizar — nem digo conseguindo, mas pelo menos tentando minimizar de forma séria e sincera — as mortes de civis, acho que o mundo seria crítico, mas tolerante com o que aconteceu", diz ele. "A verdade é que já se passaram quase oito meses, e não há um fim à vista."
Pinkas foi chefe de gabinete de quatro ministros das Relações Exteriores israelenses, e participou dos diálogos entre Israel e Palestina que se seguiram à Cúpula para a Paz no Oriente Médio, em Camp David, no ano 2000.
Ele também foi embaixador e cônsul-geral de Israel em Nova York.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista que ele concedeu à BBC News Mundo:
BBC News Mundo - Israel recebeu apoio de grande parte do mundo depois que o Hamas matou 1,2 mil pessoas e sequestrou mais de 200 durante o ataque de 7 de outubro. No entanto, sete meses depois, este apoio parece ter desaparecido. Muitos veem Israel mais como agressor do que como vítima. O que aconteceu?
Alon Pinkas - Bom, aconteceram duas coisas.
A primeira foi a retaliação militar desproporcional realizada por Israel. Posso entender as razões, posso até justificar o sentimento, mas a desproporcionalidade continuou por muito tempo e, sem perceber — três ou quatro semanas depois do 7 de outubro —, o mundo foi exposto a cenas de destruição, carnificina e morte indiscriminada de civis em Gaza, que foram seguidas por uma grande incursão terrestre israelense no norte de Gaza.
E, de repente, as pessoas começaram a esquecer o que causou isso, e o que o Hamas fez em 7 de outubro. O que elas viam diariamente era a destruição israelense de Gaza. Foi isso que mudou a opinião pública.
A segunda coisa que aconteceu foi que, com o passar do tempo, as pessoas foram lembradas das condições que existiam antes mesmo de 7 de outubro — o que as pessoas consideram uma implacável ocupação israelense da Cisjordânia e um cerco a Gaza —, e as pessoas, especialmente as mais engajadas politicamente, viram isso como mais uma prova e argumento de que Israel é uma potência colonial que despreza totalmente as vidas e esperanças palestinas.
Então, você soma os dois aspectos, e obtém uma mudança significativa na opinião pública a nível mundial.
BBC News Mundo - O governo israelense discorda da ideia de que esteja travando esta guerra de forma desproporcional. Você considera esta uma guerra desproporcional?
Pinkas - Acho que poderia ter sido gerenciada de forma mais inteligente, e esta é a essência da crítica americana a Israel: embora a guerra em si seja uma guerra justa, e o uso de meios militares seja justificado, o alcance, a dimensão e a duração têm sido excessivos.
Se Israel tivesse conseguido, depois de dois, talvez três meses, destruir completamente o Hamas, enquanto tentava minimizar — nem digo conseguindo, mas pelo menos tentando minimizar de forma séria e sincera — as mortes de civis, acho que o mundo seria crítico, mas tolerante com o que aconteceu.
A verdade é que já se passaram quase oito meses, e não há um fim à vista. Então, sim, em termos de como Israel empregou a força militar, concordo com isso.
BBC News Mundo - A África do Sul levou Israel à Corte Internacional de Justiça (CIJ), a Turquia suspendeu o comércio bilateral, a Assembleia Geral da ONU tem pressionado pelo reconhecimento de um Estado Palestino, há protestos em várias cidades e universidades contra Israel, e até o governo dos EUA suspendeu a entrega de algumas armas. E agora, o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitou a emissão de um mandado de prisão para Netanyahu e o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant. Israel corre o risco de se tornar um Estado pária?
Pinkas - Isso depende de Israel, depende se vai haver ou não uma mudança na política. Enquanto este governo estiver no poder, e Netanyahu for primeiro-ministro, não vejo como a política mudar.
Não acredito que a África do Sul tenha sucesso na CIJ, porque está argumentando que isso é um genocídio, e para provar isso, é preciso demonstrar que havia a intenção de cometer genocídio, e isso vai ser extraordinariamente difícil.
No entanto, se pegarmos todas as questões que você mencionou, e ligarmos todos os pontos, surge um panorama sombrio de um país que ainda não é um pária, mas que está cada vez mais isolado e marcado.
BBC News Mundo - Você disse recentemente que Israel estava se tornando um pária em câmera lenta...
Pinkas - Correto. Se as políticas persistirem, se esta trajetória política persistir, infelizmente é este o caminho que estamos seguindo.
BBC News Mundo - Quais são os fatores que estão contribuindo para o isolamento de Israel?
Pinkas - Bom, a política.
O fato de Israel não ter e, na verdade, ter se recusado a apresentar uma política pós-guerra para Gaza; o fato de Israel ter dito que não iria ficar em Gaza, mas ter permanecido em Gaza; o fato de Israel não estar seguindo os conselhos dos EUA.
Você soma todas essas coisas, e vê o processo — que você chama — de se tornar um pária em câmera lenta.
BBC News Mundo - Bem, esta foi uma citação sua. Netanyahu disse que Israel vai seguir adiante com a guerra mesmo que precise fazer isso sozinho...
Pinkas - Isso é bobagem. Você não pode fazer isso sozinho. É ele sendo arrogante, mas ao mesmo tempo incapaz.
Ele sabe que não pode, e diz isso para consumo interno em Israel.
As únicas razões pelas quais ele diz isso são por razões políticas.
BBC News Mundo - Você está preocupado com os danos a longo prazo à imagem de Israel no mundo?
Pinkas - Sim, muito. Acho que o secretário de Estado americano, Antony Blinken, alertou que Israel está causando um dano geracional à sua própria reputação e marca.
BBC News Mundo - Você mencionou o futuro de Gaza. Qual é a sua opinião sobre a aparente divisão dentro do gabinete de guerra israelense sobre o futuro de Gaza? Benny Gantz, membro deste gabinete, estabeleceu um prazo para Netanyahu apresentar um plano...
Pinkas - Bom, não. Tudo o que ele pediu foi que Netanyahu elaborasse um plano. Portanto, é concebível que Netanyahu possa criar um plano que não tem intenção de executar, e que satisfaria Gantz.
Não vejo divisões reais dentro do gabinete de guerra neste momento.
BBC News Mundo - Mas o ministro da Defesa, Yoav Gallant, disse que a falta de um plano estava prejudicando Israel, e ele se opõe a um governo militar de longo prazo de Israel sobre Gaza...
Pinkas - É verdade, mas isso é para depois da guerra, e a guerra nem sequer acabou, por isso não posso dizer que isso reflete algum tipo de divisão que possa causar problemas políticos.
Poderia causar se Gantz e Gallant trabalhassem juntos e apresentassem a Netanyahu um ultimato sério. Não um discurso para o público, mas um ultimato sério: vemos o plano ou denunciamos seu blefe.
Assim, pode ser que seja útil e significativo, até então é tudo arrogância política.
BBC News Mundo - Algumas pessoas destacam as dificuldades para entrada de ajuda humanitária em Gaza como um sinal da falta de empatia de Israel em relação à população civil de Gaza. O que você diria?
Pinkas - Houve falta de empatia pela devastação e dor que Israel sofreu no dia 7 de outubro.
Foi só depois de uma grande pressão americana que Israel permitiu a entrada desta ajuda humanitária, e acho que você sabe que Israel não pode se dar ao luxo de continuar sendo visto como um país que impede a ajuda humanitária.
BBC News Mundo - O fato de que Netanyahu não parece aceitar uma Autoridade Palestina governando Gaza, a atual operação em Rafah e o fato de seu governo não parecer capaz ou não estar disposto a suspender os ataque contra palestinos na Cisjordânia, são elementos usados pelos críticos de Israel para dizer que Israel quer conquistar todos os territórios "do rio ao mar"…
Pinkas - Isso é bobagem. A opinião pública é contra isso, não pode ser concretizado na prática, e o que se ouve dos políticos de direita é simplesmente uma bobagem.
Isso não vai acontecer. Entendo que os críticos utilizem isso como um ponto contra Israel, mas simplesmente não vai acontecer.
BBC News Mundo - Muitos especialistas e pessoas que se consideram amigos de Israel nos Estados Unidos e em outros lugares fizeram desde o início um apelo para que Israel evitasse este tipo de guerra. Eles argumentavam que isso seria entrar no jogo do Hamas. Não havia realmente alternativas à forma como Israel travou esta guerra?
Pinkas - Claro, havia muitas alternativas.
Ameaçar uma invasão, fazer isso rapidamente, e primeiro garantir um acordo para libertar os reféns. Havia várias outras maneiras de fazer isso.
Aliás, começar pelo sul, onde está Rafah, e não pelo norte, porque se o Hamas está concentrado em Rafah, por que então invadir o norte e provocar uma crise humanitária?
Havia muitas formas operacionais militares de conduzir esta guerra de maneira diferente.
BBC News Mundo - Alguns analistas dizem que esta guerra afastou ainda mais Israel e os palestinos, e que serão necessárias gerações para curar as feridas. Mas, ao mesmo tempo, há um forte impulso por parte dos Estados Unidos e de outros países a favor de uma solução de dois Estados. Quão perto ou longe você acha que estaremos disto depois desta guerra? Será que alguma coisa disso vai tornar a solução de dois Estados mais difícil ou mais fácil?
Pinkas - Esta é uma ótima pergunta, mas é hipotética. Depende de como a guerra terminar.
À primeira vista, estamos mais distantes, mas também percebemos que o status quo não pode ser sustentado, por isso, na realidade, estamos mais próximos, mas não com estes governos.