Em exercício militar no país, Laura Richardson diz que relação entre as duas democracias é de respeito, diferentemente do que ocorre com Pequim
Por Marcos de Moura e Souza | Valor Econômico
Laura Richardson: organizações criminosas provocam insegurança e instabilidade na região, abrindo espaço para investimentos chineses nos países — Foto: Gabriel Reis/Valor |
Nesta entrevista ao Valor, ela volta ao tema e diz que a relação entre as democracias do continente americano não são comparáveis com a relação dos latino-americanos com a China comunista. E que as democracias precisam estar unidas para enfrentar desafios atuais.
Sua vinda ao Brasil marca também o aniversário de 200 das relações bilaterais entre EUA e Brasil - inauguradas em 26 de maio de 1824. Para os exercícios militares navais deste ano, os EUA enviaram o porta-aviões USS George Washington, embarcação equipada com reatores nucleares e capaz de transportar 6 mil pessoas e 90 aeronaves. A seguir alguns dos principais trechos da entrevista:
Valor: Em relação ao Southern Seas 2024, além da relevância da cooperação militar entre as marinhas, qual é a mensagem geopolítica que esse exercício envia, especialmente à China, cuja presença crescente na América Latina tem sido motivo de preocupação de integrantes do governo dos EUA, de parlamentares e também uma preocupação sua?
Laura Richardson: Número um, são 200 anos [de relações entre EUA e Brasil]. E se você quiser comparar com a China, são 50 anos. O Brasil e os Estados Unidos compartilham 200 anos de relações bilaterais, isso é muito significativo. E depois, ter o USS George Washington, o porta-aviões junto com o grupo de ataque, para fazer exercícios navais de interoperabilidade [também é muito significativo]. Fazemos oito exercícios por ano no Comando Sul dos EUA. Esses exercícios reúnem cerca de 30 nações de uma só vez para que possamos nos exercitar juntos. Nós nos exercitamos rotineiramente com democracias de mentalidade semelhante. E Brasil e Estados Unidos são as duas maiores democracias. Sinto-me muito honrada por estar aqui no Brasil e por fazer parte desse aniversário de 200 anos.
Valor: Esses exercícios militares na região colocam os EUA em uma situação distinta da situação da China na região, ainda que a China seja o primeiro parceiro comercial de muitos dos países?
Richardson: Como democracias de mentalidade semelhante, procuramos buscar uma situação em que todos saiam ganhando, em que ambos os países, ambas as nações, se beneficiem.
E não uma relação de ganha-perde, não é assim que operamos. Como democracias, respeitamos uns aos outros. Respeitamos a soberania uns dos outros. Respeitamos o povo um do outro, as democracias, o que não acontece com um país comunista, porque eles não respeitam os direitos de seu próprio povo.
Já existe um histórico que a República Popular da China estabeleceu, não apenas na América Latina, mas em outros lugares do mundo.
Em termos do Brasil e da América Latina, muito já se falou sobre a região alimentar e abastecer o mundo. E, sabe, eu já viajei para todos os países da região e acho que os países da região estão alimentando e abastecendo o mundo, mas não estão se beneficiando disso. E há outros países que estão tirando proveito deles.
Como podemos ajudar essa região a perceber os benefícios de alimentar e abastecer o mundo? Quando olhamos para a soja, o milho, o açúcar, que já alimentam o mundo, o petróleo bruto pesado, o petróleo bruto leve, as terras raras, o lítio, a Amazônia. Ninguém mais tem isso.
Valor: No fim do ano, o presidente Xi Jinping deve vir ao Brasil e reiterar seu apelo para que o Brasil participe da Belt and Road Initiative. Para os EUA, uma adesão brasileira será vista como problemática?
Richardson: O que aprendemos é que a Belt and Road Iniciative parece muito boa na parte inicial, mas há muitas letras miúdas. E é preciso ler essas letras miúdas para ver todas as condições e como a soberania é retirada ao longo do tempo se os empréstimos não forem pagos, e coisas desse tipo.
Minha recomendação para qualquer um que esteja pensando em aderir à Belt and Road Initiative é que analise o histórico de desempenho desses países.
Valor: O soft power dos EUA segue tendo peso na região?
Richardson: No meu cargo no Comando Sul dos EUA, procuro fazer parte do soft power que podemos exercer. Não se trata apenas de poder militar duro.
Quando consideramos a assistência humanitária e a resposta a desastres, somos muito bem treinados nisso.
A Guarda Nacional de Nova York, por exemplo, tem um programa de parceria estadual com o Brasil. Fiz uma parceria com o Departamento de Comércio, da secretária Gina Raimondo; e também com o secretário Blinken e com a Secretária Yellen do Departamento do Tesouro, que estiveram aqui para o G20.
Acredito firmemente que segurança econômica é segurança nacional. E esta região realmente passou por momentos difíceis, não todos os países, mas muitos deles sofreram muito, o PIB sofreu muito com a pandemia. Quando olho para o investimento estrangeiro direto dos Estados Unidos nos países, é extraordinário. São US$ 190 bilhões somente com o Brasil. E somos o segundo maior parceiro comercial do Brasil.
Assim, o que tentamos fazer é ajudar a unir os instrumentos de poder nacional: diplomático, de informação, militar e econômico.
Mas como podemos conseguir mais projetos aqui para a região para ajudar a perceber o benefício de alimentar e abastecer o mundo? Como podemos ajudar os países a se beneficiarem disso?
Por isso é importante a iniciativa da Casa Branca, a Parceria Americana para a Prosperidade Econômica, em que 11 líderes latino-americanos vieram a Washington em novembro do ano passado. São bilhões de dólares e projetos de infraestrutura por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Corporação Financeira para o Desenvolvimento na região.
Fiz uma parceria com a Câmara Americana de Comércio, porque temos muitas empresas americanas na região. E o que a qualidade e o investimento dos EUA trazem? Transparência, medidas anticorrupção, padrões ambientais, padrões trabalhistas, diversificação da força de trabalho, funcionários dos países com cargos mais altos. Enquanto que a Belt and Road Iniciative traz seus próprios trabalhadores e não investe na comunidade. Esse deveria ser o ponto número um, do tipo: “Ei, vocês querem vir para cá abrir uma empresa, fazer projetos, mas não contratam nosso pessoal e não investem nas comunidades e nas pessoas?”. Isso deveria ser um primeiro indicador e um alerta para mim.
Sua vinda ao Brasil marca também o aniversário de 200 das relações bilaterais entre EUA e Brasil - inauguradas em 26 de maio de 1824. Para os exercícios militares navais deste ano, os EUA enviaram o porta-aviões USS George Washington, embarcação equipada com reatores nucleares e capaz de transportar 6 mil pessoas e 90 aeronaves. A seguir alguns dos principais trechos da entrevista:
Valor: Em relação ao Southern Seas 2024, além da relevância da cooperação militar entre as marinhas, qual é a mensagem geopolítica que esse exercício envia, especialmente à China, cuja presença crescente na América Latina tem sido motivo de preocupação de integrantes do governo dos EUA, de parlamentares e também uma preocupação sua?
Laura Richardson: Número um, são 200 anos [de relações entre EUA e Brasil]. E se você quiser comparar com a China, são 50 anos. O Brasil e os Estados Unidos compartilham 200 anos de relações bilaterais, isso é muito significativo. E depois, ter o USS George Washington, o porta-aviões junto com o grupo de ataque, para fazer exercícios navais de interoperabilidade [também é muito significativo]. Fazemos oito exercícios por ano no Comando Sul dos EUA. Esses exercícios reúnem cerca de 30 nações de uma só vez para que possamos nos exercitar juntos. Nós nos exercitamos rotineiramente com democracias de mentalidade semelhante. E Brasil e Estados Unidos são as duas maiores democracias. Sinto-me muito honrada por estar aqui no Brasil e por fazer parte desse aniversário de 200 anos.
Valor: Esses exercícios militares na região colocam os EUA em uma situação distinta da situação da China na região, ainda que a China seja o primeiro parceiro comercial de muitos dos países?
Richardson: Como democracias de mentalidade semelhante, procuramos buscar uma situação em que todos saiam ganhando, em que ambos os países, ambas as nações, se beneficiem.
E não uma relação de ganha-perde, não é assim que operamos. Como democracias, respeitamos uns aos outros. Respeitamos a soberania uns dos outros. Respeitamos o povo um do outro, as democracias, o que não acontece com um país comunista, porque eles não respeitam os direitos de seu próprio povo.
Já existe um histórico que a República Popular da China estabeleceu, não apenas na América Latina, mas em outros lugares do mundo.
Em termos do Brasil e da América Latina, muito já se falou sobre a região alimentar e abastecer o mundo. E, sabe, eu já viajei para todos os países da região e acho que os países da região estão alimentando e abastecendo o mundo, mas não estão se beneficiando disso. E há outros países que estão tirando proveito deles.
Como podemos ajudar essa região a perceber os benefícios de alimentar e abastecer o mundo? Quando olhamos para a soja, o milho, o açúcar, que já alimentam o mundo, o petróleo bruto pesado, o petróleo bruto leve, as terras raras, o lítio, a Amazônia. Ninguém mais tem isso.
Valor: No fim do ano, o presidente Xi Jinping deve vir ao Brasil e reiterar seu apelo para que o Brasil participe da Belt and Road Initiative. Para os EUA, uma adesão brasileira será vista como problemática?
Richardson: O que aprendemos é que a Belt and Road Iniciative parece muito boa na parte inicial, mas há muitas letras miúdas. E é preciso ler essas letras miúdas para ver todas as condições e como a soberania é retirada ao longo do tempo se os empréstimos não forem pagos, e coisas desse tipo.
Minha recomendação para qualquer um que esteja pensando em aderir à Belt and Road Initiative é que analise o histórico de desempenho desses países.
Valor: O soft power dos EUA segue tendo peso na região?
Richardson: No meu cargo no Comando Sul dos EUA, procuro fazer parte do soft power que podemos exercer. Não se trata apenas de poder militar duro.
Quando consideramos a assistência humanitária e a resposta a desastres, somos muito bem treinados nisso.
A Guarda Nacional de Nova York, por exemplo, tem um programa de parceria estadual com o Brasil. Fiz uma parceria com o Departamento de Comércio, da secretária Gina Raimondo; e também com o secretário Blinken e com a Secretária Yellen do Departamento do Tesouro, que estiveram aqui para o G20.
Acredito firmemente que segurança econômica é segurança nacional. E esta região realmente passou por momentos difíceis, não todos os países, mas muitos deles sofreram muito, o PIB sofreu muito com a pandemia. Quando olho para o investimento estrangeiro direto dos Estados Unidos nos países, é extraordinário. São US$ 190 bilhões somente com o Brasil. E somos o segundo maior parceiro comercial do Brasil.
Assim, o que tentamos fazer é ajudar a unir os instrumentos de poder nacional: diplomático, de informação, militar e econômico.
Mas como podemos conseguir mais projetos aqui para a região para ajudar a perceber o benefício de alimentar e abastecer o mundo? Como podemos ajudar os países a se beneficiarem disso?
Por isso é importante a iniciativa da Casa Branca, a Parceria Americana para a Prosperidade Econômica, em que 11 líderes latino-americanos vieram a Washington em novembro do ano passado. São bilhões de dólares e projetos de infraestrutura por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da Corporação Financeira para o Desenvolvimento na região.
Fiz uma parceria com a Câmara Americana de Comércio, porque temos muitas empresas americanas na região. E o que a qualidade e o investimento dos EUA trazem? Transparência, medidas anticorrupção, padrões ambientais, padrões trabalhistas, diversificação da força de trabalho, funcionários dos países com cargos mais altos. Enquanto que a Belt and Road Iniciative traz seus próprios trabalhadores e não investe na comunidade. Esse deveria ser o ponto número um, do tipo: “Ei, vocês querem vir para cá abrir uma empresa, fazer projetos, mas não contratam nosso pessoal e não investem nas comunidades e nas pessoas?”. Isso deveria ser um primeiro indicador e um alerta para mim.
Valor: Outro tema que também está no escopo do Comando Sul dos EUA, que é o combate ao avanço das chamadas organizações criminosas transnacionais. O que faria com que os países virassem o jogo contra essas organizações? O que seria necessário para que governos acabassem com a influência dessas organizações criminosas?
Richardson: Essas organizações criminosas transnacionais não estão apenas traficando drogas ou pessoas, que são quase tão lucrativas, mas também minérios, extraindo ilegalmente madeira, atuando na pesca ilegal, com produtos falsificados, cigarros falsificados, todas essas mercadorias.
No Comando Sul dos EUA estimamos que esse é um negócio com receita anual de cerca de US$ 300 bilhões. Poderíamos somar todos os orçamentos de defesa de todos os países da região e não chegaria a isso.
Então, como seguir o dinheiro? Como acompanhar como esse dinheiro está sendo lavado e investido? Todos os países têm algum desses itens que acabei de mencionar, quase todos os países têm o tráfico de drogas e a questão da migração.
Do meu ponto de vista, quando essas organizações provocam toda a insegurança e instabilidade acabam permitindo que países como a China venham com a Belt and Road Iniciative, aproveitem esse tipo de ambiente e digam: “Ah, estamos aqui, assinem nossos acordos, estamos aqui para ajudá-los e mostrar progresso”.
Nós, como democracias com a mesma mentalidade, temos que seguir esse dinheiro, o que é difícil. Mas esse é o caminho.
Como é importante em termos de poder combater isso, acho que os países, as democracias com a mesma mentalidade, precisam trabalhar melhor juntas. Eles têm de se certificar de que não haja falhas em suas fronteiras. Precisam ser capazes de enxergar as ameaças. Precisam ser capazes de trabalhar além das fronteiras e confiar uns nos outros. Para se livrar disso.
Acho que a infusão econômica precisa ser maior, talvez em uma lei de recuperação econômica. É por isso que estou entusiasmada com a Parceria Americana para a Prosperidade Econômica, porque bilhões de dólares em projetos de infraestrutura trazem dinheiro e empregos para as pessoas. Disseram-me isso, e acho que é bem verdade. O melhor programa social é um emprego.
Se os jovens não conseguem emprego, é assim que as organizações criminosas transnacionais os recrutam. É por isso que digo que segurança econômica é segurança nacional.
Valor: O Departamento de Tesouro dos Estados Unidos mantém dezenas de pessoas da região de Foz do Iguaçu na lista de suspeitos de envolvimento com grupos islâmicos considerados terroristas. Esse é um tema que está no radar do Comando Sul?
Richardson: É uma questão preocupante para os países da região e é preocupante para o Comando Sul dos EUA. O Irã é o maior patrocinador estatal do terrorismo. E já vimos atentados terroristas que ocorreram no início dos anos 1990 [dois atentados em Buenos Aires, contra alvos judeus].
Agora, com tudo o que está acontecendo no mundo, as democracias precisam se manter unidas, e precisamos trabalhar juntos ainda mais. Eu diria que a democracia está sob ataque. E entre a autocracia e a democracia, temos de ajudar as democracias a atender a seus povos durante esses tempos difíceis.
Valor: Por fim, como a senhora definiria o momento atual das relações entre Brasil e EUA neste marco de 200 anos e qual é o maior desafio conjunto atual?
Richardson: Eu diria que há muitas coisas que o Brasil e os Estados Unidos concordam. Um relacionamento entre duas democracias, democracias que gostam de debater, de brigar e coisas do gênero. Mas que, no fim das contas, são duas democracias que estão trabalhando juntas há mais de 200 anos, para criar e oferecer resultados para seu povo e para tornar o mundo melhor. É por isso que me sinto honrada por estar aqui.
E também tenho a honra de poder fazer tudo o que pudermos para ajudar o Rio Grande do Sul em meio às enchentes. Minhas condolências às pessoas da região. Já tivemos várias coisas que aconteceram, como o furacão Katrina, há muitos anos [em 2005], que foi horrível para nós. Portanto, sabemos como é isso. Estamos prontos para ajudar.
Mais um exemplo da democracia norte-americana, que instala um porta-aviões no país parceiro para dizer que deve se afastar da concorrência chinesa e continuar aceitando comprar as sucatas militares que os EUA nos empurram, a tecnologia de terceira e antiquada, e ficar feliz com a liberdade controlada que os EUA nos impõem.
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