No dia de hoje, 29 de abril, o Exército Brasileiro (EB), por meio do Comando Logístico/Chefia de Material (CoLog/Ch Mat), anunciou que a o ATMOS, do grupo israelense Elbit Systems, foi o vencedor da concorrência internacional para o projeto de obtenção de 36 viaturas blindadas de combate obuseiro autopropulsado 155mm sobre rodas (VBCOAP 155mm SR).
Por Paulo Roberto Bastos Jr. | Tecnologia & Defesa
O sistema ATMOS, acrônimo para Autonomous Truck MOunted howitzer System, foi apresentado na virada do século 20, como um produto destinado ao mercado de exportação, obtendo grande sucesso comercial. As primeiras demonstrações do ATMOS ao EB começaram em 2013 e desde então diversas delegações militares estiveram em Israel para conhecer o sistema, que já foi selecionado e exportado para diversos países, entre eles Uganda (6 unidades), Botsuana (5), Zâmbia (6), Tailândia (30) e Filipinas (36), e atualmente estando em produção sua quinta geração, para os exércitos da Colômbia (18) e Dinamarca (19), este ultimo integrante da OTAN.
O primeiro protótipo, chamado de ATMOS 2000, foi apresentado em 2001 (foto: Elbit) |
Utilizando um inovador conceito de total modularidade, sendo muito mais que um projeto de uma simples peça de artilharia montado sobre um caminhão, mas um completo sistema multiplataforma e multiarmamento, permitindo uma grande flexibilidade para atender os requisitos operacionais de seus clientes.
A versão proposta para o EB utilizará a plataforma Tatra Force T 815-7, 6X6 (a mesma utilizada nas viaturas do Sistema ASTROS 2020), com de uma cabine dotada de proteção balística para proteger a sua guarnição (composta por seis militares: motorista, comandante e quatro serventes) de estilhaços de Artilharia e projeteis 7,62x51mm FMJ, e com um desenho exclusivo (mas similar ao Atron, a versão proposta para a Romênia), pois terá capacidade para embutir o tubo em seu interior e permitir seu transporte por aeronaves do porte do Embraer KC-390 Millennium.
Seu armamento principal será uma versão do obuseiro o M-71, de 52 calibres, com 18 obuses completos (granadas e carga) transportados em compartimentos protegidos, além de contar com uma metralhadora para autodefesa e lançadores de granadas fumígenas.
A HISTÓRIA DO VBCOAP 155 SR
A concepção deste programa teve inicio em 2016, dentro do Subprograma Sistema de Artilharia de Campanha (SPrg SAC), do Programa Estratégico do Exército Obtenção da Capacidade Operacional Plena (Prg EE OCOP). Após os estudos iniciais, foi decidido que seriam adquiridas inicialmente 36 viaturas, através de dois contratos (duas para um lote protótipo de avaliação e as 34 após a aceitação pela Força Terrestre), e estas que seriam entregues ao longo de oito anos, para compatibilizar com a disponibilidade de recursos e necessidades operacionais das unidades blindadas, e dotar três grupos de Artilharia divisionária ou brigadas mecanizadas com doze viaturas, compondo três baterias, em cada.
Foram publicadas três versões dos requisitos operacionais (EB20-RO-04.021) e técnicos, logísticos e industriais (EB20-RTLI-04.010), a primeira em outubro de 2018, a segunda em abril de 2022 e a terceira no final do mês passado, poucos dias antes do anúncio do lançamento do RFP/RFT. Essas mudanças apontam a evolução dos requisitos, baseadas na experiência adquirida pelo EB no projeto de aquisição da viatura blindada de combate de Cavalaria (VBC Cav) e também na importância desse sistema de armas no atual conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
Em agosto de 2022, com o projeto já transferido para o Prg EE Forças Blindadas, foi lançada a consulta pública (“request for quote” – RFQ) número nº 01/2022, visando sondar o mercado nacional e internacional acerca da capacidade de fornecimento; realizar pesquisa de preços; e coletar informações para o aperfeiçoamento e refinamento da segunda edição dos requisitos aprovados em abril 2022. Vinte empresas entraram em contato com o COLOG/DMat, sendo que 19 se habilitaram a receber a documentação e oito responderam:
- BAE Systems Bofors, da Suécia;
- CSD – Componentes e Sistemas de Defesa, representando a Denel Land Systems, da África do Sul;
- Elbit Systems, de Israel, e suas subsidiárias brasileiras ARES Aeroespacial e Defesa e AEL Sistemas;
- Excalibur International, da Rep. Tcheca, representando a Konštrukta Defence, da Eslováquia (que posteriormente anunciou uma parceria com a Avibras);
- Makina ve Kimya Endüstrisi (MKE), da Turquia;
- Nexter (atual KNDS France), da França;
- North Industries Corporation (NORINCO), da China; e
- Yugoimport SDPR, da Sérvia.
Em 06 de fevereiro, sete empresas apresentaram propostas para oito sistemas distintos, sendo estas:
- CSD, com o T5-52 Mk2 8X8;
- Elbit Systems, com o ATMOS 6X6;
- Excalibur International, com o Eva 6X6 (Bia) e o Zuzana 2 8X8;
- MKE, com o Yavuz 6X6;
- Nexter, com o CAESAR 6X6;
- NORINCO, com o SH15 6X6; e
- Yugoimport, com o Nora-B52 M21 8X8.
No dia 23 de fevereiro, foi publicado o resultado da Fase 1A, eliminando os candidatos T5-52 Mk2, Eva (Bia), Yavuz e Nora-B52 M21, sendo anunciados os quatro restantes finalistas do “short list” em 04 de março. Após isso, iniciaram uma seqüência de reuniões entre o EB e as empresas proponentes, visando à confecção das propostas finais (“Best and Final Offer” – BAFO), que foram entregues entre os dias 15 e 19 de abril.
Na classificação final o ATMOS ficou em 1º, o Zuzana 2 em 2º, o CAESAR em 3º e o SH15 em 4º.
A MELHOR PROPOSTA
O ponto forte da proposta da Elbit, além da parte técnica e financeira, está no fato de ser a única das participantes do “short list” a já possuir capacidade fabril atuante no país, com duas empresas e mais de 40 produtos estratégicos de defesa (PED), que geram centenas de empregos diretos, e os diversos acordos de compensação (“offset”), para a transferência de tecnologia (ToT) para diversas outras empresas da Base Industrial de Defesa (BID) nacional, um meio eficaz para reduzir a dependência tecnológica em diversas áreas.
Desde o inicio do projeto, o EB elencou três “offset” prioritários, sendo estes:
- Produção de munição de 155mm, padrão e especiais, no Brasil;
- Garantia de Suporte logístico a todo o sistema, com garantia de peças, no país; e
- Desenvolvimento de um sistema de simulador para treinamento das tripulações com baixo custo.
Partindo dos simuladores, a empresa ARES, localizada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e integrante do Grupo Elbit, é a única empresa da BID com experiência comprovada neste tipo de sistema, já havendo desenvolvido o simulador para seus sistemas de armas remotamente controlados (SARC) REMAX, o STARMAX, e UT30, o UT30SIM, sendo que este último já está em uso pelo EB e foi exportado para Indonésia, além de ter apresentado uma versão para os carros de combate TAM 2CA2 do Exército Argentino, que está sendo modernizado pela Elbit, com participação da ARES.
No caso de suporte logístico no país, a Elbit se beneficia, além da estrutura da ARES, que tem plena capacidade de projetar, integrar, produzir e manter sistemas veiculares complexos, alem de garantir o suporte técnico à plataforma e o sistema de armas, possui a AEL sistemas, outra integrante do Grupo e localizada em Porto Alegre (RS), e que tem grande experiência em sistemas eletrônicos e de comunicação embarcados, garantindo suporte total ao sistema e, principalmente, junto com a empresa RF Com Sistemas, empresa nacional, com sede em São José dos Campos (SP), especializada em integração de sistemas e que também assinou um memorando de intenções, na integração com os rádios RDS-Defesa e Mallet com os Harris RF-7800-VS560, e dos sistemas de gerenciamento e controle de fogo Combat-NG, da Elbit, com o Genesis, da IMBEL.
No que tange à munição, o item mais importante de acordo com o Exército, a Elbit assinou um memorando de entendimento com a Indústria Brasileira de Material Bélico (IMBEL), para investimentos na Fábrica de Juiz de Fora (FJF), com o objetivo de aumentar a capacidade de produção das granadas, cargas e outros componentes da munição de 155mm, e capacidade de produção de modelos mais modernos. Lembrando que hoje a empresa brasileira possui uma capacidade limitada de produção, sendo a granada a de modelo mais básico, a M107 AE (alto explosivo), e sem a certificação da OTAN, o que dificulta muito sua exportação.
Mas a “Cereja do bolo” fica por conta da parceria entre a Elbit Systems e a empresa brasileira CSD – Componentes e Sistemas de Defesa (integrante do Grupo HÜBNER, do Paraná, a mesma que ofertou o T5-52 Mk2 no inicio do processo) e que já produz o corpo da granada M107, para o desenvolvimento e produção, em grande escala, de munições de calibre da 155mm especiais (de alcance estendido e guiadas), voltadas para atender as necessidade das Forças Armadas Brasileiras e, principalmente, para o mercado exportação.
A intenção visa transformar a CSD, na principal fornecedora de munição da Elbit e de 155mm para todos os sistemas ATMOS e SOLTAN em operação pelo mundo, gerando recursos e empregos no Brasil e, junto com a IMBEL, garantindo independência industrial e tecnológica neste estratégico setor e colocando o país como um dos principais fornecedores para o mercado internacional, incluindo outros calibres e tipos de munições.
Outras empresas nacionais também participarão deste projeto, porém que fique claro que estes são apenas pré-acordos, e para sua concretização necessitará de um esforço mutuo de todos os envolvidos.
OS PRÓXIMOS PASSOS
A previsão para a assinatura do contrato para as duas viaturas do lote piloto é no próximo dia 07, e a empresa terá, após a liberação dos recursos financeiros, 12 meses para efetuar a entrega (o que deverá ocorrer no primeiro semestre de 2025) e iniciar os testes iniciais, ainda em território israelense, antes de seu envio ao Brasil, onde realizará os testes finais no Centro de Avaliações do Exército (CAEx).
Após isso, e a aceitação deste novo sistema de armas pela Força terrestre, será assinado o contrato para a aquisição das 34 unidades restantes, porem existem fortes indícios (devido à demanda desses sistemas pela arma de Artilharia) que outros lotes devam ser adquiridos no futuro.
A entrada em operação deste sistema de armas autopropulsado não só irá colocar a Artilharia do EB em um novo patamar, como influenciará em todo o seu futuro, incluindo a autorebocada, que também deverá ser substituída em breve.