Na primeira entrevista em dois anos o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, General João Cartaxo Alves, 61 anos, responde frontalmente a todas as perguntas. Falta de efetivos, Serviço Militar Obrigatório, valorização das carreiras, aeroporto de Lisboa e a operação de apoio à PJ foram alguns dos temas.
Valentina Marcelino e Nuno Domingues | Diário de Notícias
Em outubro do ano passado, estimava em 36%, ou seja, mais de um terço, o défice de efetivos no quadro permanente da Força Aérea. Chegou mesmo a avisar que a capacidade operacional poderia estar comprometida. A situação atual é melhor ou pior seis meses depois?
É verdade, estávamos a atravessar uma situação de grande dificuldade em termos de pessoal, talvez a mais gravosa das últimas décadas. Na altura até estimei em cerca de 1400 pessoas a menos do que o efetivo permitido por decreto-lei.
Apresentámos, na altura algumas soluções mitigadoras para este problema. De outubro a dezembro, a situação evoluiu um pouco ao nível da estabilização, mas não da recuperação. Tivemos saídas do quadro permanente, programadas por carreira , de militares que cumpriram toda a sua carreira militar e saíram para a reserva no final do ano. São as tais saídas planeadas.
Mas também tivemos muitas saídas não planeadas que desequilibraram um pouco as contas. Trataram-se de saídas de pessoal do quadro permanente antes da carreira completa, mas logo a seguir ao tempo mínimo permitido para se poderem desvincular do quadro permanente. Essa foi uma situação que tem vindo a aumentar desde 2021 e a sua causa está perfeitamente identificada: a alteração das condições de reforma que ocorreu.
Os militares que entraram a partir de 2006 passaram todos para a Segurança Social e deixaram a Caixa Geral de Aposentações. Tem-se vindo a notar este aumento. Em 2021 perdemos 17 militares, em 2022 perdemos 34 e o ano passado, lá está, as tais contas que desequilibraram um pouco, tivemos 81 militares que pediram o abate ao quadro permanente.
De que áreas é que são os militares?
De todas. Pilotos, engenheiros, médicos, técnicos de manutenção, oficiais e sargentos, portanto, todas áreas fundamentais. Pessoal extraordinariamente qualificado e formado na Força Aérea. Tivemos, no entanto, um bom índice ao nível do recrutamento, porque a Força Aérea ainda é muito atrativa para os jovens, mas houve uma perda de pessoal do quadro permanente muito experiente.
O pessoal a contrato manteve-se estável, mas houve uma transferência de experiência para pessoal em formação. Terminámos o ano com cerca de 1550 efetivos a menos , mas o trade-off entre a experiência desse pessoal que saiu e o valor intangível do investimento que a organização fez nesses militares é diferente. Os números por si só não transmitem toda essa realidade.
A carreira desses profissionais seria de quanto tempo?
É permitido que após a sua formação - na maioria dos casos oscila entre os cinco e os seis anos - possam ao fim de oito anos pedir o abate aos quadros permanentes. No caso dos médicos são 12 e no caso dos pilotos são 14 anos após a sua formação. (Antes disso têm de pagar indemnização que varia para mais ou menos consoante o tempo que falta).
E está a ser quanto a menos no caso desses profissionais? É logo que acaba a formação?
Não, não é quando acaba a formação, mas é muito perto das datas desses oito, 12 ou 14 anos. Temos militares que quando cumprem o prazo mínimo saem logo.
Porque se entrarem aos 18 anos, estão na academia e fazem a sua formação até aos 22, mas para chegar aos 14 anos (estamos a falar de militares que atingem normalmente os 38, 39 anos ) dizem assim “bom, as condições de reforma são as que são, vou agora melhorar o meu vencimento e melhorar as minhas condições de reforma no mercado civil”.
Isso tem acontecido. Inclusive temos tido militares que antes desse tempo e sabendo que têm de pagar uma indemnização ao Estado face à sua formação, saem mais cedo.
Tenho militares que chegaram a pagar 150 mil euros para se desvincularem. Porque têm um emprego que lhes permite dar essas melhores condições para a sua reforma e para a sua família. Aliás, há empresas que até pagam essas indemnizações como bónus de entrada de militares muito qualificados nos seus quadros.
Estamos a falar essencialmente de pilotos, não é?
Engenheiros também, não é só pilotos. Muitos engenheiros, médicos, técnicos de manutenção, controladores aéreos.
Isso quer dizer o quê? Que a formação na Força Aérea é mais barata do que se a formação fosse feita no exterior? Ou seja, a Força Aérea tem noção se havia uma atitude premeditada quando essa pessoa entrou de fazer a formação e depois sair logo quando pudesse?
Não, não acredito. Aliás, não é que a formação seja mais barata. A formação é de grande qualidade. Aliás, neste momento, a Força Aérea portuguesa é uma força moderna, tecnologicamente evoluída, em que a especialização dos seus militares é fundamental.
Detêm qualificações, certificações e trabalham com sistemas que, em alguns casos, ainda não estão disponíveis na aviação civil . Tudo isso torna estes militares muito atrativos para estas companhias e o mercado é voraz. Neste aspeto, nós não somos competitivos, ponto, não somos competitivos.
Os vencimentos nas Forças Armadas não se comparam, nem se podem comparar, com os do mundo empresarial , mas antigamente tinham uma grande garantia. No final da sua carreira os militares, tinham uma reforma digna e que podiam ter um bem-estar para si e para a sua família. Neste momento, as condições de reforma serão muito diferentes.
Acho que é isso, esse medo no futuro, esse medo do que possa ser o seu bem-estar, o dos seus filhos, as suas famílias no futuro, que leva muitas das vezes estes jovens a sair. Porque reparem, na Academia este ano incorporámos 76 alunos para os mais diversos cursos: pilotos aviadores, engenheiros, médicos, economistas, a média mais baixa que tivemos foi 16,5 e tivemos vários alunos com média de 20 a matemática.
Portanto, isto é uma opção muito clara - são alunos que têm entrada em qualquer universidade no país - pela garantia de que a formação é de grande qualidade.
Isso combate-se como? Com os tais incentivos que estava a dizer agora ou com regras mais explícitas e duras para a retenção?
Acho que a retenção tem de ser feita com o Estatuto Militar - e o Sr. Presidente da República tem vindo a dizer isto várias vezes ao longo do tempo. O Estatuto numas Forças Armadas profissionais, um modelo decidido em 2004 pela sociedade portuguesa, é a pedra basilar da condição militar, é a pedra basilar da valorização profissional dos militares.
E quais são os dois grandes pilares dessa valorização profissional? Primeiro, trabalhar com equipamentos atualizados e de ponta, como é no caso da Força Aérea. Boas condições de trabalho. Condições de remuneração compatíveis com as funções que desempenham.
E depois, obviamente, no final de uma longa carreira ao serviço do Estado e com muitas privações, uma reforma condigna para si e para a sua família. O segundo é precisamente a saúde e a saúde operacional, porque os militares para estarem em condições físicas e psíquicas, não só para cumprir as suas missões normalmente, mas também, no caso das Forças Nacionais Destacadas, para estarem presentes em diversos teatros de operações no âmbito da política externa do Estado, têm de estar em boas condições de saúde operacional e assistencial também.
Porque estando na frente, gostam de ter o respaldo com as suas famílias na saúde da família militar. O que é extraordinariamente importante. Estes são os dois grandes pilares que criam a valorização dessa carreira militar.
E isso facilita a retenção.
Claro.
Satisfeitas essas condições já não seria preciso um Serviço Militar Obrigatório (SMO)?
Muito se tem discutido agora o SMO, os estrangeiros nas Forças Armadas, etc. Acho que são discussões úteis, mas são um pouco estéreis e redutoras daquilo que é a análise do verdadeiro e efetivo problema, que é muito complexo: a falta de efetivos, que tem a ver com a atratividade das Forças Armadas.
E essa atratividade tem a ver com a valorização da condição militar, com a valorização desta carreira militar, naqueles tais três pilares que acabámos de falar. Condições de trabalho, boas condições de remuneração e uma reforma dentro dos parâmetros que lhes permitam ter condições de bem-estar futuramente no final da sua carreira.
No caso da Força Aérea, o SMO não é uma solução para o problema. A Força Aérea ainda é muito atrativa para o recrutamento, como acabei de dizer. Admito que, efetivamente, noutros ramos, o recrutamento é fundamental e realmente é necessário. Mas é uma discussão que tem de ser feita ao nível dos cidadãos, quer militares, quer civis.
E os estrangeiros? Devem ou não fazer parte deste debate?
Depende da sua utilização, mas penso que não estamos nessa fase. A estrutura da sociedade está a mudar e a percentagem de cidadãos estrangeiros que vivem em Portugal é cada vez maior...
Tenho na Força Aérea, neste momento, filhos de imigrantes que vivem em Portugal.
Estamos num mundo multicultural, cada vez mais globalizado, e é muito natural que tenhamos cidadãos de outras nacionalidades, mas que também têm a portuguesa. Uns nasceram cá, outros que a adquiriram. Essa questão não me choca. Acho que é uma questão que está neste momento já a decorrer e que naturalmente vai acontecer.
No quadro da falta de efetivos e dessa falta de capacidade de retenção, como é que pode a Força Aérea participar no esforço de guerra em que a Europa está atualmente envolvida?
Neste momento temos quatro F-16 a garantir a integridade do espaço aéreo dos Estados Bálticos, a partir da Lituânia. Estamos mesmo junto à fronteira da Rússia. E vamos estar nessa operação até agosto. Em julho vamos reforçar esta nossa participação também com um P-3 adicional também na Lituânia e que mais tarde, em novembro, irá regressar para o Mediterrâneo.
Quantos militares envolvidos?
Com os quatro F-16, temos 93 militares. E irá ser estendida depois com mais 34 militares no destacamento do P-3. Portanto, iremos ter perto de 100 militares durante esse período. Agora, a Força Aérea normalmente tem uma grande máxima.
Nós treinamos como combatemos. Isto é a nossa máxima do dia-a-dia. Não temos pausas de descanso. Todo o seu treino é orientado para o combate. A Força Aérea não faz aprontamento para as suas missões.
Garantimos diariamente esse tipo de treino e anualmente vamos aos exercícios de certificação da componente aérea da NATO. Temos as forças qualificadas e certificadas pelos comandos de NATO para entrarem em operações.
Algum avanço no processo de ajuda à formação dos pilotos ucranianos para os F-16?
Sim. Foi um processo que se iniciou em julho do ano passado. Disponibilizámos de imediato um piloto-instrutor, vários técnicos de manutenção e alguns instrutores ao nível do mission planning.
Mas a situação foi evoluindo em novembro do ano passado foram criados dois centros de formação para os pilotos ucranianos. Um na Dinamarca e outro na Holanda. Isto baseados em dois países que iriam dar os seus F-16 para a Ucrânia. E aqui houve uma questão que tinha a ver com a legalidade e a questão jurídica.
Temos instrutores em aviões de outro país a treinar um terceiro país. E então ficou um pouco aqui acordado entre os países que os belgas iriam dar aviões e que também fariam o seu treino nos aviões deles.
Os noruegueses, os dinamarqueses, portanto, todos os seus instrutores nos aviões que esses próprios países iriam fornecer. E, portanto, esse treino dos pilotos passou a ser feito por estes países que eram dadores de aeronaves.
Porque nós não somos dadores de aeronaves.
Nós não somos dadores de aeronaves F-16. Porque estes países transitaram do F-16 para o F-35. Nós ainda não. Nós tínhamos 40 F-16 e capacitámos a Roménia, a quem vendemos 12 aeronaves nossas. As 28 que temos são as que necessitamos para cumprir os compromissos que temos. E não as podemos ceder enquanto não fizermos essa transição para os F35.
Portanto estamos dispensados do processo dos F-16?
Da parte dos pilotos sim, mas não estamos dispensados de car formação. Vamos formar noutras áreas que também são importantes para essa capacidade. Vamos receber já agora em maio controladores aéreos para o F-16. Vamos formá-los em Monte Real e na base da OTA.
Vamos receber observadores ucranianos nos nossos exercícios que têm a participação de muitas nações da NATO. Vamos formar técnicos de infraestruturas, nomeadamente na capacidade específica das barreiras de retenção e travagem dos F-16, para eles depois fazerem a operação.
E vamos receber também, continuamente, num processo que vai começar em maio deste ano até março de 2025, técnicos de manutenção de F-16 que iremos formar nas nossas escolas de formação de técnicos militares.
Se for necessário e num cenário de guerra, há hipótese de fazer o tal upgrade que o Sr. General diz que não é preciso fazer porque já é a condição atual da Força Aérea para operar em cenário de guerra?
As nossas aeronaves e os nossos pilotos estão obviamente preparados para operar nesses cenários, daí que a configuração das aeronaves, cada vez mais, não é uma coisa que se faça de vez em quando. O upgrade das próprias aeronaves é um processo que se quer cada vez mais contínuo.
Neste momento os nossos F-16 estão iguais àqueles que tinham a Holanda, a Dinamarca, a Bélgica e a Holanda. O que é que se está a passar? Estamos a chegar, obviamente, a uma altura que estão a operar há 30 anos na Força Aérea, não é? Vamos fazer e seguir o mesmo caminho que os outros países?
Temos de o substituir, porque mesmo que essa decisão seja tomada agora, a primeira aeronave só chegará daqui a sete anos. Eles vão atingir 40 anos a voar. Claro que podemos dizer que temos condições e estamos em condições para participar também nesse esforço, caso ele venha a ser necessário.
Agora, é evidente que há componentes e equipamentos do F-16 que vão ter de continuar a ser melhorados ao longo do tempo. É normal, porque o obsoletismo é contínuo também, assim como a modernização dos equipamentos é contínua.
Mas a defesa do território existe. É viável neste momento?
É. Podem estar tranquilos.
Fez a 25 de Fevereiro dois anos que está nesse posto. Pode, em resumo, dizer-nos os altos e baixos deste período de liderança na Força Aérea?
Nestes dois anos, tentámos principalmente iniciar um processo de transformação. A formação da Força Aérea e transformação nos vários níveis, ao nível operacional, ao nível organizacional e que contempla, obviamente, uma filosofia centrada nas pessoas.
Principalmente nos militares. Se tiver militares motivados e qualificados, é uma garantia do sucesso das missões. E também, obviamente, a transformação a nível dos domínios de operação. Neste momento, estamos a entrar na quinta dimensão.
No espaço que nos dá também a consolidação dos processos de cibersegurança necessários aos protocolos de comunicações que necessitamos de ter, acompanhando um processo de transformação como todos os nossos parceiros europeus, de uma Força Aérea e do espaço da sua transformação para uma Força Aérea espacial.
Obviamente, com tecnologia diferente e que, cada vez mais, nos vai obrigar a caminhar para a quinta dimensão e para a substituição de aeronaves de quinta geração. E aí tem lugar toda esta introdução das plataformas.
O novo KPC-390, que é uma aeronave de última geração, a modernização da frota dos P-3 que estamos a fazer no Canadá com a General Dynamics e o aumento dessa frota com os aviões da Marinha Alemã.
E, obviamente, o processo fundamental de transição para o F-35. É algo que está a decorrer, mas não é num dia que se faz. Esse processo já começou. Tivemos aqui um workshop com a Lockheed e com a Força Aérea Americana para nos capacitarmos também do que é que é esse salto para a quinta geração.
É um programa que orçará 5,5 mil milhões, eventualmente. E não é um programa que é pago num ano, estamos a falar de um programa a 20 anos. É um valor que, à primeira vista dizemos que é um valor altíssimo, mas se depois fizermos a decomposição ao longo do período dos 20 anos que é necessário, e que só recebemos o avião a partir do sétimo ano, vemos que, obviamente, é um programa adequado e em que o esforço logístico deste programa é praticamente dividido por toda a Europa futuramente.
Agora,para termos os melhores militares qualificados e motivados, este tipo de equipamentos que estamos a introduzir nas frotas é fundamental .Mas também temos vindo a construir aqueles tais três pilares de que falei. Internamente, para garantir as condições aos nossos militares, temos vindo a fazer um processo de reabilitação de todo o parque habitacional destinado às famílias que tínhamos na base Aérea 5, em Monte Real.
Na base de Beja, os blocos habitacionais que tínhamos dentro da cidade, estão todos a ser renovados. E vamos lançar, dentro de pouco tempo, blocos habitacionais na base de Ovar, porque face às novas responsabilidades que nos foram atribuídas no combate aos incêndios florestais, os primeiros meios vão para a base de Ovar e então temos de colocar as pessoas, temos de lhes dar condições de mudança da sua vida.
Estamos ainda a remodelar os centros de saúde destas bases principais para termos não só médicos militares, mas médicos civis que estamos a contratar. Isto para termos uma saúde assistencial que as famílias que moram nesses blocos habitacionais possam utilizar e que, em vez de irem ao centro de saúde local, possam ir à base com os seus filhos, com as suas famílias ou até mesmo os reformados da Força Aérea que vivem nessa área de residência. Implementámos também um programa de apoio à família nas pausas escolares.
Em todas as bases criámos condições para que tenham ATL para os militares levarem os seus filhos. Estamos a recrutar licenciados em assistência social, precisamente para dar esta garantia aos militares na base .
Iniciámos também um programa que acho muito interessante, muito a pedido do efetivo feminino - a Força Aérea tem aproximadamente 23,8% de efetivo feminino neste momento - criámos salas de extração de leite materno, para que elas possam vir mais cedo para o serviço, continuar a cuidar da sua família e obviamente em termos de condição mental, também é bom para elas.
Fez um balanço do trabalho feito, mas houve baixos?
É evidente que há sempre altos e baixos para fazer tudo isto. Muitas das vezes é necessário orçamento, não é? E tivemos de tomar opções para resolver todas estas questões. Houve aqui também alturas em que tivemos de fazer opções em termos claros de colocação de pessoal para fazer face a situações mais críticas de exigência operacional.
Houve coisas que não foram feitas, certo?
Sim.
Causa mais incómodo à Força Aérea portuguesa perder a base do Montijo ou o campo de tiro de Alcochete?
As duas.
Notei que nessa lista de prioridades das coisas que estão em curso, por acaso não falou no Montijo, falou em Ovar, falou em Beja e em Monte Real, que calculo que nesta altura sejam as grandes prioridades.
Sim, mas no Montijo elas também estão a decorrer. Falei em Monte Real, falei em Beja, porque foi uma base que cresceu imenso. Vamos voltar atrás um pouco na história.
Nos anos 90 houve uma grande necessidade que se falou na reorganização das Forças Armadas, como todos se lembram, e a Força Aérea nessa altura foi um dos ramos que efetuou uma racionalização dos seus meios ao encontro à política do Governo da altura.
E então, fechou-se a base de São Jacinto e a base de Tancos, que passaram para o Exército. Entretanto, mais tarde, e as questões do novo aeroporto de Lisboa, como todos sabemos vêm desde 1964, veio a questão da Ota. O novo aeroporto de Lisboa ia ser na Ota, dizia-se.
Tínhamos uma base aérea na Ota também, já tínhamos transferido os meios de São Jacinto e os de Tancos para a base de Sintra, para a base do Montijo e para a base da Ota. Muito bem, mas tivemos de transferir os meios que tínhamos na base aérea da Ota para onde? Para Sintra, para o Montijo também e alguns para Beja.
Bom, assim continuámos, até que foi decidido que já não era para a Ota. Ora bem, a Ota foi-se degradando durante todo este processo. Neste momento não temos atividade operacional aérea na Ota, temos o Centro de Formação Militar e Técnica da Ota, que transferimos todas as valências que havia em tanques de formação e de recrutas, transferimos de lá.
Bom, mas a seguir era importante também aumentar a capacidade de fluxo e de tráfego aéreo no aeroporto de Humberto Delgado e então na área terminal de Lisboa. Então, a base de Sintra estava a causar ali, digamos, um obstáculo à flexibilização do tráfego aéreo para o aeroporto de Lisboa para chegarmos aos tais 72 movimentos na área terminal.
E então foi reduzido o espaço aéreo da base de Sintra somente para três mil pés para permitir o tráfego passar por cima. Ora bem, três mil pés é incompatível com a atividade aérea e, portanto, os meios que estavam em Sintra passaram para Beja.
Mas em Sintra ainda há aviões?
Os aviões da Academia e da formação da Academia. Temos neste momento em Sintra o Museu do Ar, a Academia da Força Aérea e uma esquadra de formação de base aérea, de pilotos dos cadetes que estão na Academia.
Portanto, são atividades que podem ser coordenadas e podem executar-se a baixa altitude, abaixo dos três mil pés. Então, a Força Aérea continua a ter a base de Monte Real, a base de Beja, que começou a crescer com a quantidade de esquadras, e a base do Montijo, obviamente, que continua em operação da forma que todos sabemos.
Entretanto, Beja abriu um terminal civil. Não há um aeroporto internacional em Beja, conforme muitas vezes se tem a tendência a dizer, há um terminal civil em Beja que recebe tráfego civil e que, com todas as garantias dadas pela Força Aérea, portanto, todos os serviços aeroportuários de controlo são nossos.
Mas ficamos, então, com a base do Montijo, que neste momento ainda tem três das esquadras fundamentais para a operação da Força Aérea, que são, diria, basilares, dedicadas principalmente à preservação dos bens e da vida humana.
A esquadra DH-101, que é dedicada à busca e salvamento, a esquadra do C-295, que também tem a ver com evacuações aeromédicas, busca e salvamento, e a esquadra do C-130, que continua a operar a partir do Montijo, que é, digamos, a que leva a nossa bandeira aos quatro cantos do mundo no âmbito de muitas missões das Forças Armadas destacadas, ou de apoio, ou de resgate de cidadãos nacionais, ou apoio a catástrofes como foram os terremotos recentemente.
Portanto, é uma base importante para a Força Aérea e temos vindo, obviamente, a manter essa unidade. Quando se pergunta agora o que é mais importante, Montijo ou Campo de Tiro de Alcochete, ambas são importantes. O Montijo pelas razões que acabei de dizer e o Campo de Tiro de Alcochete porque é onde fazemos o treino real de largada de armamento dos nossos F-16.
Para ter os tais pilotos qualificados e, como disse, treinar como combatemos, tenho que regularmente fazer este tipo de treino para manter os meus pilotos qualificados, ou seja, os pilotos que tenho hoje a defender o espaço aéreo da Lituânia e dos países bálticos. Portanto, ambas são importantes.
Mas já percebeu que vai ter de abdicar pelo menos de uma.
Mas a questão é que a Força Aérea tem mantido uma postura como sempre tomou. Nós fazemos parte da solução. Agora, não podemos estar encurralados. E, portanto, neste momento, isto cada vez mais, por esta pequena resenha histórica, o cerco cada vez está a apertar mais e, portanto, há que decidir. Já não temos muitos sítios para onde ir.
Mas é mais fácil prescindir do Campo de Tiro de Alcochete?
Não é uma questão de ser fácil prescindir do Campo de Tiro de Alcochete. Tanto uma como outra, houve soluções que já foram estudadas, quer para o Montijo, quando em 2017, se estava a falar de a possibilidade do aeroporto ir para o Montijo, criaram-se situações alternativas, até reativar uma das bases que já tinha sido cedida, por exemplo.
Mas isso estava estudado e esteve em cima da mesa e andou em discussão. No Campo de Tiro de Alcochete também há estudos para isso feito. Na altura até o gabinete do NAL (Novo Aeroporto de Lisboa) efetuou um estudo de outro local para o Campo de Tiro.
Na altura, seria junto à fronteira, perto de Mértola. Não foi um estudo feito pela Força Aérea, demos os requisitos. Não um espaço com as dimensões do atual que existe, porque o campo de tiro tem uma dimensão enorme: são mais de 17 campos de futebol só para se perceber a dimensão daquela área.
Não é necessário uma área tão grande para fazermos a manutenção do nosso tiro dos F-16, mas isso foi estudado e foi calculado financeiramente, na altura, pelo gabinete do novo aeroporto de Lisboa. Portanto, há soluções.
Elas têm de ser implementadas em antecedência às decisões, porque senão depois podemos ficar encurralados e não há tempo, obviamente, de reagir de uma forma coerente a estas mudanças de dispositivo.
Mas não nos vai revelar essas alternativas?
Elas estão estudadas, o campo de tiro está evidente, acabei de o dizer, não é? Portanto, será lá ou no outro lado que o Estado entenda que possamos ir.
Hoje é frequente ver as Forças Armadas em missões de combate ao tráfico de droga, mais recentemente até num processo relacionado com criminalidade económica. Esta relação das Forças Armadas com a Segurança Interna é, nesta altura, pacífica ou levanta algum tipo de problemas com a operacionalidade?
Não, não levanta. É extraordinariamente pacífica a coexistência, não levanta qualquer problema. Aliás, insere-se na política de duplo uso dos meios da Força Aérea.
Além do apoio à Proteção civil, não é?
Exatamente. Essa cooperação sempre existiu. Para se ver o estado da articulação, diariamente temos aviões na nossa área exclusiva do mar, precisamente a cumprir a missão que está acometida à Força Aérea de vigilância marítima, a fiscalização das pescas, controlo do narcotráfico, da poluição.
Temos P3, C295 que estão em permanência. Eles descolam, não há qualquer contacto com a Polícia Judiciária nesse momento, mas se durante o decorrer da operação e da nossa ação de fiscalização que fazemos detetarmos alguma atividade ilegal que tenha a ver, por exemplo, com o narcotráfico, de imediato - e porque temos essa capacidade tecnológica de comunicação de voz e de dados real-time com o nosso centro de operações aéreas -, contactamos a entidade que tem autoridade criminal nesta matéria, que é a Polícia Judiciária.
E de imediato a Polícia Judiciária fica informada que está a decorrer e a partir daí dá-nos as indicações do que é que temos de fazer. Muitas das vezes, obviamente, contactamos de imediato a Polícia Marítima, que é também a autoridade para efetuar as apreensões no local e, obviamente, damos indicações de onde é que está essa atividade a decorrer e guiamos os meios da Polícia Marítima para o local para serem efetuadas as apreensões.
E boleias, como a que aconteceu na Madeira recentemente, podem acontecer mais vezes? Ficou surpreendido com esse pedido por parte da Polícia Judiciária?
Não, não fiquei porque não é a primeira vez. Repare, nós transportamos e fazemos o translado dos prisioneiros entre os estabelecimentos prisionais do continente e dos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Ninguém sabe, mas fazemos regularmente.
Portanto, faz parte de um movimento que ninguém sabe. Alguém sabe que transportamos os fundos do Banco de Portugal, portanto, o dinheiro que sai da Casa da Moeda para os Açores ou para a Madeira e que trazemos as notas inutilizadas e dinheiros dessas transferências de fundos entre os arquipélagos? Ninguém sabe.
Alguém sabe que somos nós os transportadores? Portanto, transportamos os boletins de voto para as pessoas poderem votar para os arquipélagos? Também ninguém sabe.
Mas esta operação foi invulgar.
Mas surge com naturalidade. Nem sei para que é que era necessário, não sei quando comunicam, nem tenho de saber, porque temos ligações regulares quer à Madeira, quer aos Açores. Temos três voos regulares militares para apoio à nossa Base das Lajes, portanto, aos Açores.
E temos também ao arquipélago da Madeira. E quando o senhor diretor da Polícia Judiciária me informa, teve a delicadeza de ir ter comigo, tivemos uma reunião os dois, e ele disse que necessitava do apoio da Força Aérea para levar alguns equipamentos e pessoas para a Madeira.
Naturalmente, nos voos que já estão previstos, obviamente podemos encaixar, como fazemos nos outros casos que referi anteriormente.
Esses voos estavam previstos já?
Uns estavam, mas o que é que tivemos de fazer? Alterar o transporte. Redimensionar. Obviamente, não me interessa saber o que é que eles vão fazer, não tenho autoridade nessa matéria do que é que eles lá vão fazer ou não. Nem nos interessa.
Nós garantimos, porque é uma entidade que é do Estado, garantimos obviamente esse transporte da forma que o tivemos de fazer. E, com certeza que o faremos para o outro lado, seja, por exemplo, para a Polícia Judiciária ou para outras entidades do Estado, nomeadamente, as embaixadas também, que nos pedem muitas vezes, quando vamos para outros países, nomeadamente os de Língua Oficial Portuguesa, para levar equipamentos e outras coisas. Portanto, é uma atividade perfeitamente normal entre as atividades do Estado.
Não houve despesa acrescida e não pôs em causa outras operações?
Não, nada. Temos o caso da Proteção Civil também, em que se insere também na perspectiva do duplo uso.
Há um novo ministro da Defesa. Já lhe apresentou um caderno de encargos? Já agora, apresenta-lhe diretamente ou com a nova orgânica apresenta ao chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e é ele que apresenta?
Começando pela primeira pergunta, não tenho nenhum caderno de encargos para apresentar ao Sr. ministro, obviamente. A Força Aérea, de uma perspetiva construtiva, leal e transparente, vai cooperar com o Sr. Ministro da forma como cooperámos com todos os ministros anteriores e, obviamente, os dossiês não serão dossiês novos, porque alguns que já transitam do passado e teremos outros, obviamente, que iremos também apresentar nas alturas certas.
E, portanto, será uma relação de trabalho perfeitamente normal como sempre existiu. É evidente, até pela nova orgânica das Forças Armadas, que todos estes assuntos, muitas das vezes, são discutidos pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.
Mas convém aqui referir que há assuntos que são específicos dos chefes dos ramos, nomeadamente a busca e salvamento é um dossiê que eu trato diretamente com o Sr. Ministro, o policiamento aéreo é outro que eu trato também diretamente com o Sr. ministro.
Portanto, há aqui algumas responsabilidades próprias à Autoridade Aeronáutica Nacional. Agora, outras atividades militares, obviamente que faço toda a coordenação que tenho de fazer com o CEGMFA e que a articulação funciona na perfeição.
Quem é que convida quem para apresentação de cumprimentos agora? Não há uma cerimónia prevista?
Haverá. Normalmente há sempre uma reunião entre os chefes e o Sr. ministro, individuais também, e depois haverá sempre lugar a uma apresentação da Força Aérea ao Sr. ministro no ramo, em que aí é feita uma apresentação global das atividades e das situações que se passam no ramo.
Obviamente, estamos ainda nesta fase inicial, está a ser constituído o Gabinete do Sr. ministro e todas estas questões têm o seu tempo para acontecer, e, portanto, estão a decorrer com toda a naturalidade de uma forma muito tranquila.
Iniciámos também um programa que acho muito interessante, muito a pedido do efetivo feminino - a Força Aérea tem aproximadamente 23,8% de efetivo feminino neste momento - criámos salas de extração de leite materno, para que elas possam vir mais cedo para o serviço, continuar a cuidar da sua família e obviamente em termos de condição mental, também é bom para elas.
Fez um balanço do trabalho feito, mas houve baixos?
É evidente que há sempre altos e baixos para fazer tudo isto. Muitas das vezes é necessário orçamento, não é? E tivemos de tomar opções para resolver todas estas questões. Houve aqui também alturas em que tivemos de fazer opções em termos claros de colocação de pessoal para fazer face a situações mais críticas de exigência operacional.
Houve coisas que não foram feitas, certo?
Sim.
Causa mais incómodo à Força Aérea portuguesa perder a base do Montijo ou o campo de tiro de Alcochete?
As duas.
Notei que nessa lista de prioridades das coisas que estão em curso, por acaso não falou no Montijo, falou em Ovar, falou em Beja e em Monte Real, que calculo que nesta altura sejam as grandes prioridades.
Sim, mas no Montijo elas também estão a decorrer. Falei em Monte Real, falei em Beja, porque foi uma base que cresceu imenso. Vamos voltar atrás um pouco na história.
Nos anos 90 houve uma grande necessidade que se falou na reorganização das Forças Armadas, como todos se lembram, e a Força Aérea nessa altura foi um dos ramos que efetuou uma racionalização dos seus meios ao encontro à política do Governo da altura.
E então, fechou-se a base de São Jacinto e a base de Tancos, que passaram para o Exército. Entretanto, mais tarde, e as questões do novo aeroporto de Lisboa, como todos sabemos vêm desde 1964, veio a questão da Ota. O novo aeroporto de Lisboa ia ser na Ota, dizia-se.
Tínhamos uma base aérea na Ota também, já tínhamos transferido os meios de São Jacinto e os de Tancos para a base de Sintra, para a base do Montijo e para a base da Ota. Muito bem, mas tivemos de transferir os meios que tínhamos na base aérea da Ota para onde? Para Sintra, para o Montijo também e alguns para Beja.
Bom, assim continuámos, até que foi decidido que já não era para a Ota. Ora bem, a Ota foi-se degradando durante todo este processo. Neste momento não temos atividade operacional aérea na Ota, temos o Centro de Formação Militar e Técnica da Ota, que transferimos todas as valências que havia em tanques de formação e de recrutas, transferimos de lá.
Bom, mas a seguir era importante também aumentar a capacidade de fluxo e de tráfego aéreo no aeroporto de Humberto Delgado e então na área terminal de Lisboa. Então, a base de Sintra estava a causar ali, digamos, um obstáculo à flexibilização do tráfego aéreo para o aeroporto de Lisboa para chegarmos aos tais 72 movimentos na área terminal.
E então foi reduzido o espaço aéreo da base de Sintra somente para três mil pés para permitir o tráfego passar por cima. Ora bem, três mil pés é incompatível com a atividade aérea e, portanto, os meios que estavam em Sintra passaram para Beja.
Paulo Spranger / Global Imagens |
Apresentámos, na altura algumas soluções mitigadoras para este problema. De outubro a dezembro, a situação evoluiu um pouco ao nível da estabilização, mas não da recuperação. Tivemos saídas do quadro permanente, programadas por carreira , de militares que cumpriram toda a sua carreira militar e saíram para a reserva no final do ano. São as tais saídas planeadas.
Mas também tivemos muitas saídas não planeadas que desequilibraram um pouco as contas. Trataram-se de saídas de pessoal do quadro permanente antes da carreira completa, mas logo a seguir ao tempo mínimo permitido para se poderem desvincular do quadro permanente. Essa foi uma situação que tem vindo a aumentar desde 2021 e a sua causa está perfeitamente identificada: a alteração das condições de reforma que ocorreu.
Os militares que entraram a partir de 2006 passaram todos para a Segurança Social e deixaram a Caixa Geral de Aposentações. Tem-se vindo a notar este aumento. Em 2021 perdemos 17 militares, em 2022 perdemos 34 e o ano passado, lá está, as tais contas que desequilibraram um pouco, tivemos 81 militares que pediram o abate ao quadro permanente.
De que áreas é que são os militares?
De todas. Pilotos, engenheiros, médicos, técnicos de manutenção, oficiais e sargentos, portanto, todas áreas fundamentais. Pessoal extraordinariamente qualificado e formado na Força Aérea. Tivemos, no entanto, um bom índice ao nível do recrutamento, porque a Força Aérea ainda é muito atrativa para os jovens, mas houve uma perda de pessoal do quadro permanente muito experiente.
O pessoal a contrato manteve-se estável, mas houve uma transferência de experiência para pessoal em formação. Terminámos o ano com cerca de 1550 efetivos a menos , mas o trade-off entre a experiência desse pessoal que saiu e o valor intangível do investimento que a organização fez nesses militares é diferente. Os números por si só não transmitem toda essa realidade.
A carreira desses profissionais seria de quanto tempo?
É permitido que após a sua formação - na maioria dos casos oscila entre os cinco e os seis anos - possam ao fim de oito anos pedir o abate aos quadros permanentes. No caso dos médicos são 12 e no caso dos pilotos são 14 anos após a sua formação. (Antes disso têm de pagar indemnização que varia para mais ou menos consoante o tempo que falta).
E está a ser quanto a menos no caso desses profissionais? É logo que acaba a formação?
Não, não é quando acaba a formação, mas é muito perto das datas desses oito, 12 ou 14 anos. Temos militares que quando cumprem o prazo mínimo saem logo.
Porque se entrarem aos 18 anos, estão na academia e fazem a sua formação até aos 22, mas para chegar aos 14 anos (estamos a falar de militares que atingem normalmente os 38, 39 anos ) dizem assim “bom, as condições de reforma são as que são, vou agora melhorar o meu vencimento e melhorar as minhas condições de reforma no mercado civil”.
Isso tem acontecido. Inclusive temos tido militares que antes desse tempo e sabendo que têm de pagar uma indemnização ao Estado face à sua formação, saem mais cedo.
Tenho militares que chegaram a pagar 150 mil euros para se desvincularem. Porque têm um emprego que lhes permite dar essas melhores condições para a sua reforma e para a sua família. Aliás, há empresas que até pagam essas indemnizações como bónus de entrada de militares muito qualificados nos seus quadros.
Estamos a falar essencialmente de pilotos, não é?
Engenheiros também, não é só pilotos. Muitos engenheiros, médicos, técnicos de manutenção, controladores aéreos.
Isso quer dizer o quê? Que a formação na Força Aérea é mais barata do que se a formação fosse feita no exterior? Ou seja, a Força Aérea tem noção se havia uma atitude premeditada quando essa pessoa entrou de fazer a formação e depois sair logo quando pudesse?
Não, não acredito. Aliás, não é que a formação seja mais barata. A formação é de grande qualidade. Aliás, neste momento, a Força Aérea portuguesa é uma força moderna, tecnologicamente evoluída, em que a especialização dos seus militares é fundamental.
Detêm qualificações, certificações e trabalham com sistemas que, em alguns casos, ainda não estão disponíveis na aviação civil . Tudo isso torna estes militares muito atrativos para estas companhias e o mercado é voraz. Neste aspeto, nós não somos competitivos, ponto, não somos competitivos.
Os vencimentos nas Forças Armadas não se comparam, nem se podem comparar, com os do mundo empresarial , mas antigamente tinham uma grande garantia. No final da sua carreira os militares, tinham uma reforma digna e que podiam ter um bem-estar para si e para a sua família. Neste momento, as condições de reforma serão muito diferentes.
Acho que é isso, esse medo no futuro, esse medo do que possa ser o seu bem-estar, o dos seus filhos, as suas famílias no futuro, que leva muitas das vezes estes jovens a sair. Porque reparem, na Academia este ano incorporámos 76 alunos para os mais diversos cursos: pilotos aviadores, engenheiros, médicos, economistas, a média mais baixa que tivemos foi 16,5 e tivemos vários alunos com média de 20 a matemática.
Portanto, isto é uma opção muito clara - são alunos que têm entrada em qualquer universidade no país - pela garantia de que a formação é de grande qualidade.
Isso combate-se como? Com os tais incentivos que estava a dizer agora ou com regras mais explícitas e duras para a retenção?
Acho que a retenção tem de ser feita com o Estatuto Militar - e o Sr. Presidente da República tem vindo a dizer isto várias vezes ao longo do tempo. O Estatuto numas Forças Armadas profissionais, um modelo decidido em 2004 pela sociedade portuguesa, é a pedra basilar da condição militar, é a pedra basilar da valorização profissional dos militares.
E quais são os dois grandes pilares dessa valorização profissional? Primeiro, trabalhar com equipamentos atualizados e de ponta, como é no caso da Força Aérea. Boas condições de trabalho. Condições de remuneração compatíveis com as funções que desempenham.
E depois, obviamente, no final de uma longa carreira ao serviço do Estado e com muitas privações, uma reforma condigna para si e para a sua família. O segundo é precisamente a saúde e a saúde operacional, porque os militares para estarem em condições físicas e psíquicas, não só para cumprir as suas missões normalmente, mas também, no caso das Forças Nacionais Destacadas, para estarem presentes em diversos teatros de operações no âmbito da política externa do Estado, têm de estar em boas condições de saúde operacional e assistencial também.
Porque estando na frente, gostam de ter o respaldo com as suas famílias na saúde da família militar. O que é extraordinariamente importante. Estes são os dois grandes pilares que criam a valorização dessa carreira militar.
E isso facilita a retenção.
Claro.
Satisfeitas essas condições já não seria preciso um Serviço Militar Obrigatório (SMO)?
Muito se tem discutido agora o SMO, os estrangeiros nas Forças Armadas, etc. Acho que são discussões úteis, mas são um pouco estéreis e redutoras daquilo que é a análise do verdadeiro e efetivo problema, que é muito complexo: a falta de efetivos, que tem a ver com a atratividade das Forças Armadas.
E essa atratividade tem a ver com a valorização da condição militar, com a valorização desta carreira militar, naqueles tais três pilares que acabámos de falar. Condições de trabalho, boas condições de remuneração e uma reforma dentro dos parâmetros que lhes permitam ter condições de bem-estar futuramente no final da sua carreira.
No caso da Força Aérea, o SMO não é uma solução para o problema. A Força Aérea ainda é muito atrativa para o recrutamento, como acabei de dizer. Admito que, efetivamente, noutros ramos, o recrutamento é fundamental e realmente é necessário. Mas é uma discussão que tem de ser feita ao nível dos cidadãos, quer militares, quer civis.
E os estrangeiros? Devem ou não fazer parte deste debate?
Depende da sua utilização, mas penso que não estamos nessa fase. A estrutura da sociedade está a mudar e a percentagem de cidadãos estrangeiros que vivem em Portugal é cada vez maior...
Tenho na Força Aérea, neste momento, filhos de imigrantes que vivem em Portugal.
Estamos num mundo multicultural, cada vez mais globalizado, e é muito natural que tenhamos cidadãos de outras nacionalidades, mas que também têm a portuguesa. Uns nasceram cá, outros que a adquiriram. Essa questão não me choca. Acho que é uma questão que está neste momento já a decorrer e que naturalmente vai acontecer.
No quadro da falta de efetivos e dessa falta de capacidade de retenção, como é que pode a Força Aérea participar no esforço de guerra em que a Europa está atualmente envolvida?
Neste momento temos quatro F-16 a garantir a integridade do espaço aéreo dos Estados Bálticos, a partir da Lituânia. Estamos mesmo junto à fronteira da Rússia. E vamos estar nessa operação até agosto. Em julho vamos reforçar esta nossa participação também com um P-3 adicional também na Lituânia e que mais tarde, em novembro, irá regressar para o Mediterrâneo.
Quantos militares envolvidos?
Com os quatro F-16, temos 93 militares. E irá ser estendida depois com mais 34 militares no destacamento do P-3. Portanto, iremos ter perto de 100 militares durante esse período. Agora, a Força Aérea normalmente tem uma grande máxima.
Nós treinamos como combatemos. Isto é a nossa máxima do dia-a-dia. Não temos pausas de descanso. Todo o seu treino é orientado para o combate. A Força Aérea não faz aprontamento para as suas missões.
Garantimos diariamente esse tipo de treino e anualmente vamos aos exercícios de certificação da componente aérea da NATO. Temos as forças qualificadas e certificadas pelos comandos de NATO para entrarem em operações.
Algum avanço no processo de ajuda à formação dos pilotos ucranianos para os F-16?
Sim. Foi um processo que se iniciou em julho do ano passado. Disponibilizámos de imediato um piloto-instrutor, vários técnicos de manutenção e alguns instrutores ao nível do mission planning.
Mas a situação foi evoluindo em novembro do ano passado foram criados dois centros de formação para os pilotos ucranianos. Um na Dinamarca e outro na Holanda. Isto baseados em dois países que iriam dar os seus F-16 para a Ucrânia. E aqui houve uma questão que tinha a ver com a legalidade e a questão jurídica.
Temos instrutores em aviões de outro país a treinar um terceiro país. E então ficou um pouco aqui acordado entre os países que os belgas iriam dar aviões e que também fariam o seu treino nos aviões deles.
Os noruegueses, os dinamarqueses, portanto, todos os seus instrutores nos aviões que esses próprios países iriam fornecer. E, portanto, esse treino dos pilotos passou a ser feito por estes países que eram dadores de aeronaves.
Porque nós não somos dadores de aeronaves.
Nós não somos dadores de aeronaves F-16. Porque estes países transitaram do F-16 para o F-35. Nós ainda não. Nós tínhamos 40 F-16 e capacitámos a Roménia, a quem vendemos 12 aeronaves nossas. As 28 que temos são as que necessitamos para cumprir os compromissos que temos. E não as podemos ceder enquanto não fizermos essa transição para os F35.
Portanto estamos dispensados do processo dos F-16?
Da parte dos pilotos sim, mas não estamos dispensados de car formação. Vamos formar noutras áreas que também são importantes para essa capacidade. Vamos receber já agora em maio controladores aéreos para o F-16. Vamos formá-los em Monte Real e na base da OTA.
Vamos receber observadores ucranianos nos nossos exercícios que têm a participação de muitas nações da NATO. Vamos formar técnicos de infraestruturas, nomeadamente na capacidade específica das barreiras de retenção e travagem dos F-16, para eles depois fazerem a operação.
E vamos receber também, continuamente, num processo que vai começar em maio deste ano até março de 2025, técnicos de manutenção de F-16 que iremos formar nas nossas escolas de formação de técnicos militares.
Se for necessário e num cenário de guerra, há hipótese de fazer o tal upgrade que o Sr. General diz que não é preciso fazer porque já é a condição atual da Força Aérea para operar em cenário de guerra?
As nossas aeronaves e os nossos pilotos estão obviamente preparados para operar nesses cenários, daí que a configuração das aeronaves, cada vez mais, não é uma coisa que se faça de vez em quando. O upgrade das próprias aeronaves é um processo que se quer cada vez mais contínuo.
Neste momento os nossos F-16 estão iguais àqueles que tinham a Holanda, a Dinamarca, a Bélgica e a Holanda. O que é que se está a passar? Estamos a chegar, obviamente, a uma altura que estão a operar há 30 anos na Força Aérea, não é? Vamos fazer e seguir o mesmo caminho que os outros países?
Temos de o substituir, porque mesmo que essa decisão seja tomada agora, a primeira aeronave só chegará daqui a sete anos. Eles vão atingir 40 anos a voar. Claro que podemos dizer que temos condições e estamos em condições para participar também nesse esforço, caso ele venha a ser necessário.
Agora, é evidente que há componentes e equipamentos do F-16 que vão ter de continuar a ser melhorados ao longo do tempo. É normal, porque o obsoletismo é contínuo também, assim como a modernização dos equipamentos é contínua.
Mas a defesa do território existe. É viável neste momento?
É. Podem estar tranquilos.
Fez a 25 de Fevereiro dois anos que está nesse posto. Pode, em resumo, dizer-nos os altos e baixos deste período de liderança na Força Aérea?
Nestes dois anos, tentámos principalmente iniciar um processo de transformação. A formação da Força Aérea e transformação nos vários níveis, ao nível operacional, ao nível organizacional e que contempla, obviamente, uma filosofia centrada nas pessoas.
Principalmente nos militares. Se tiver militares motivados e qualificados, é uma garantia do sucesso das missões. E também, obviamente, a transformação a nível dos domínios de operação. Neste momento, estamos a entrar na quinta dimensão.
No espaço que nos dá também a consolidação dos processos de cibersegurança necessários aos protocolos de comunicações que necessitamos de ter, acompanhando um processo de transformação como todos os nossos parceiros europeus, de uma Força Aérea e do espaço da sua transformação para uma Força Aérea espacial.
Obviamente, com tecnologia diferente e que, cada vez mais, nos vai obrigar a caminhar para a quinta dimensão e para a substituição de aeronaves de quinta geração. E aí tem lugar toda esta introdução das plataformas.
O novo KPC-390, que é uma aeronave de última geração, a modernização da frota dos P-3 que estamos a fazer no Canadá com a General Dynamics e o aumento dessa frota com os aviões da Marinha Alemã.
E, obviamente, o processo fundamental de transição para o F-35. É algo que está a decorrer, mas não é num dia que se faz. Esse processo já começou. Tivemos aqui um workshop com a Lockheed e com a Força Aérea Americana para nos capacitarmos também do que é que é esse salto para a quinta geração.
É um programa que orçará 5,5 mil milhões, eventualmente. E não é um programa que é pago num ano, estamos a falar de um programa a 20 anos. É um valor que, à primeira vista dizemos que é um valor altíssimo, mas se depois fizermos a decomposição ao longo do período dos 20 anos que é necessário, e que só recebemos o avião a partir do sétimo ano, vemos que, obviamente, é um programa adequado e em que o esforço logístico deste programa é praticamente dividido por toda a Europa futuramente.
Agora,para termos os melhores militares qualificados e motivados, este tipo de equipamentos que estamos a introduzir nas frotas é fundamental .Mas também temos vindo a construir aqueles tais três pilares de que falei. Internamente, para garantir as condições aos nossos militares, temos vindo a fazer um processo de reabilitação de todo o parque habitacional destinado às famílias que tínhamos na base Aérea 5, em Monte Real.
Na base de Beja, os blocos habitacionais que tínhamos dentro da cidade, estão todos a ser renovados. E vamos lançar, dentro de pouco tempo, blocos habitacionais na base de Ovar, porque face às novas responsabilidades que nos foram atribuídas no combate aos incêndios florestais, os primeiros meios vão para a base de Ovar e então temos de colocar as pessoas, temos de lhes dar condições de mudança da sua vida.
Estamos ainda a remodelar os centros de saúde destas bases principais para termos não só médicos militares, mas médicos civis que estamos a contratar. Isto para termos uma saúde assistencial que as famílias que moram nesses blocos habitacionais possam utilizar e que, em vez de irem ao centro de saúde local, possam ir à base com os seus filhos, com as suas famílias ou até mesmo os reformados da Força Aérea que vivem nessa área de residência. Implementámos também um programa de apoio à família nas pausas escolares.
Em todas as bases criámos condições para que tenham ATL para os militares levarem os seus filhos. Estamos a recrutar licenciados em assistência social, precisamente para dar esta garantia aos militares na base .
Iniciámos também um programa que acho muito interessante, muito a pedido do efetivo feminino - a Força Aérea tem aproximadamente 23,8% de efetivo feminino neste momento - criámos salas de extração de leite materno, para que elas possam vir mais cedo para o serviço, continuar a cuidar da sua família e obviamente em termos de condição mental, também é bom para elas.
Fez um balanço do trabalho feito, mas houve baixos?
É evidente que há sempre altos e baixos para fazer tudo isto. Muitas das vezes é necessário orçamento, não é? E tivemos de tomar opções para resolver todas estas questões. Houve aqui também alturas em que tivemos de fazer opções em termos claros de colocação de pessoal para fazer face a situações mais críticas de exigência operacional.
Houve coisas que não foram feitas, certo?
Sim.
Causa mais incómodo à Força Aérea portuguesa perder a base do Montijo ou o campo de tiro de Alcochete?
As duas.
Notei que nessa lista de prioridades das coisas que estão em curso, por acaso não falou no Montijo, falou em Ovar, falou em Beja e em Monte Real, que calculo que nesta altura sejam as grandes prioridades.
Sim, mas no Montijo elas também estão a decorrer. Falei em Monte Real, falei em Beja, porque foi uma base que cresceu imenso. Vamos voltar atrás um pouco na história.
Nos anos 90 houve uma grande necessidade que se falou na reorganização das Forças Armadas, como todos se lembram, e a Força Aérea nessa altura foi um dos ramos que efetuou uma racionalização dos seus meios ao encontro à política do Governo da altura.
E então, fechou-se a base de São Jacinto e a base de Tancos, que passaram para o Exército. Entretanto, mais tarde, e as questões do novo aeroporto de Lisboa, como todos sabemos vêm desde 1964, veio a questão da Ota. O novo aeroporto de Lisboa ia ser na Ota, dizia-se.
Tínhamos uma base aérea na Ota também, já tínhamos transferido os meios de São Jacinto e os de Tancos para a base de Sintra, para a base do Montijo e para a base da Ota. Muito bem, mas tivemos de transferir os meios que tínhamos na base aérea da Ota para onde? Para Sintra, para o Montijo também e alguns para Beja.
Bom, assim continuámos, até que foi decidido que já não era para a Ota. Ora bem, a Ota foi-se degradando durante todo este processo. Neste momento não temos atividade operacional aérea na Ota, temos o Centro de Formação Militar e Técnica da Ota, que transferimos todas as valências que havia em tanques de formação e de recrutas, transferimos de lá.
Bom, mas a seguir era importante também aumentar a capacidade de fluxo e de tráfego aéreo no aeroporto de Humberto Delgado e então na área terminal de Lisboa. Então, a base de Sintra estava a causar ali, digamos, um obstáculo à flexibilização do tráfego aéreo para o aeroporto de Lisboa para chegarmos aos tais 72 movimentos na área terminal.
E então foi reduzido o espaço aéreo da base de Sintra somente para três mil pés para permitir o tráfego passar por cima. Ora bem, três mil pés é incompatível com a atividade aérea e, portanto, os meios que estavam em Sintra passaram para Beja.
Mas em Sintra ainda há aviões?
Os aviões da Academia e da formação da Academia. Temos neste momento em Sintra o Museu do Ar, a Academia da Força Aérea e uma esquadra de formação de base aérea, de pilotos dos cadetes que estão na Academia.
Portanto, são atividades que podem ser coordenadas e podem executar-se a baixa altitude, abaixo dos três mil pés. Então, a Força Aérea continua a ter a base de Monte Real, a base de Beja, que começou a crescer com a quantidade de esquadras, e a base do Montijo, obviamente, que continua em operação da forma que todos sabemos.
Entretanto, Beja abriu um terminal civil. Não há um aeroporto internacional em Beja, conforme muitas vezes se tem a tendência a dizer, há um terminal civil em Beja que recebe tráfego civil e que, com todas as garantias dadas pela Força Aérea, portanto, todos os serviços aeroportuários de controlo são nossos.
Mas ficamos, então, com a base do Montijo, que neste momento ainda tem três das esquadras fundamentais para a operação da Força Aérea, que são, diria, basilares, dedicadas principalmente à preservação dos bens e da vida humana.
A esquadra DH-101, que é dedicada à busca e salvamento, a esquadra do C-295, que também tem a ver com evacuações aeromédicas, busca e salvamento, e a esquadra do C-130, que continua a operar a partir do Montijo, que é, digamos, a que leva a nossa bandeira aos quatro cantos do mundo no âmbito de muitas missões das Forças Armadas destacadas, ou de apoio, ou de resgate de cidadãos nacionais, ou apoio a catástrofes como foram os terremotos recentemente.
Portanto, é uma base importante para a Força Aérea e temos vindo, obviamente, a manter essa unidade. Quando se pergunta agora o que é mais importante, Montijo ou Campo de Tiro de Alcochete, ambas são importantes. O Montijo pelas razões que acabei de dizer e o Campo de Tiro de Alcochete porque é onde fazemos o treino real de largada de armamento dos nossos F-16.
Para ter os tais pilotos qualificados e, como disse, treinar como combatemos, tenho que regularmente fazer este tipo de treino para manter os meus pilotos qualificados, ou seja, os pilotos que tenho hoje a defender o espaço aéreo da Lituânia e dos países bálticos. Portanto, ambas são importantes.
Mas já percebeu que vai ter de abdicar pelo menos de uma.
Mas a questão é que a Força Aérea tem mantido uma postura como sempre tomou. Nós fazemos parte da solução. Agora, não podemos estar encurralados. E, portanto, neste momento, isto cada vez mais, por esta pequena resenha histórica, o cerco cada vez está a apertar mais e, portanto, há que decidir. Já não temos muitos sítios para onde ir.
Mas é mais fácil prescindir do Campo de Tiro de Alcochete?
Não é uma questão de ser fácil prescindir do Campo de Tiro de Alcochete. Tanto uma como outra, houve soluções que já foram estudadas, quer para o Montijo, quando em 2017, se estava a falar de a possibilidade do aeroporto ir para o Montijo, criaram-se situações alternativas, até reativar uma das bases que já tinha sido cedida, por exemplo.
Mas isso estava estudado e esteve em cima da mesa e andou em discussão. No Campo de Tiro de Alcochete também há estudos para isso feito. Na altura até o gabinete do NAL (Novo Aeroporto de Lisboa) efetuou um estudo de outro local para o Campo de Tiro.
Na altura, seria junto à fronteira, perto de Mértola. Não foi um estudo feito pela Força Aérea, demos os requisitos. Não um espaço com as dimensões do atual que existe, porque o campo de tiro tem uma dimensão enorme: são mais de 17 campos de futebol só para se perceber a dimensão daquela área.
Não é necessário uma área tão grande para fazermos a manutenção do nosso tiro dos F-16, mas isso foi estudado e foi calculado financeiramente, na altura, pelo gabinete do novo aeroporto de Lisboa. Portanto, há soluções.
Elas têm de ser implementadas em antecedência às decisões, porque senão depois podemos ficar encurralados e não há tempo, obviamente, de reagir de uma forma coerente a estas mudanças de dispositivo.
Mas não nos vai revelar essas alternativas?
Elas estão estudadas, o campo de tiro está evidente, acabei de o dizer, não é? Portanto, será lá ou no outro lado que o Estado entenda que possamos ir.
Hoje é frequente ver as Forças Armadas em missões de combate ao tráfico de droga, mais recentemente até num processo relacionado com criminalidade económica. Esta relação das Forças Armadas com a Segurança Interna é, nesta altura, pacífica ou levanta algum tipo de problemas com a operacionalidade?
Não, não levanta. É extraordinariamente pacífica a coexistência, não levanta qualquer problema. Aliás, insere-se na política de duplo uso dos meios da Força Aérea.
Além do apoio à Proteção civil, não é?
Exatamente. Essa cooperação sempre existiu. Para se ver o estado da articulação, diariamente temos aviões na nossa área exclusiva do mar, precisamente a cumprir a missão que está acometida à Força Aérea de vigilância marítima, a fiscalização das pescas, controlo do narcotráfico, da poluição.
Temos P3, C295 que estão em permanência. Eles descolam, não há qualquer contacto com a Polícia Judiciária nesse momento, mas se durante o decorrer da operação e da nossa ação de fiscalização que fazemos detetarmos alguma atividade ilegal que tenha a ver, por exemplo, com o narcotráfico, de imediato - e porque temos essa capacidade tecnológica de comunicação de voz e de dados real-time com o nosso centro de operações aéreas -, contactamos a entidade que tem autoridade criminal nesta matéria, que é a Polícia Judiciária.
E de imediato a Polícia Judiciária fica informada que está a decorrer e a partir daí dá-nos as indicações do que é que temos de fazer. Muitas das vezes, obviamente, contactamos de imediato a Polícia Marítima, que é também a autoridade para efetuar as apreensões no local e, obviamente, damos indicações de onde é que está essa atividade a decorrer e guiamos os meios da Polícia Marítima para o local para serem efetuadas as apreensões.
E boleias, como a que aconteceu na Madeira recentemente, podem acontecer mais vezes? Ficou surpreendido com esse pedido por parte da Polícia Judiciária?
Não, não fiquei porque não é a primeira vez. Repare, nós transportamos e fazemos o translado dos prisioneiros entre os estabelecimentos prisionais do continente e dos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Ninguém sabe, mas fazemos regularmente.
Portanto, faz parte de um movimento que ninguém sabe. Alguém sabe que transportamos os fundos do Banco de Portugal, portanto, o dinheiro que sai da Casa da Moeda para os Açores ou para a Madeira e que trazemos as notas inutilizadas e dinheiros dessas transferências de fundos entre os arquipélagos? Ninguém sabe.
Alguém sabe que somos nós os transportadores? Portanto, transportamos os boletins de voto para as pessoas poderem votar para os arquipélagos? Também ninguém sabe.
Mas esta operação foi invulgar.
Mas surge com naturalidade. Nem sei para que é que era necessário, não sei quando comunicam, nem tenho de saber, porque temos ligações regulares quer à Madeira, quer aos Açores. Temos três voos regulares militares para apoio à nossa Base das Lajes, portanto, aos Açores.
E temos também ao arquipélago da Madeira. E quando o senhor diretor da Polícia Judiciária me informa, teve a delicadeza de ir ter comigo, tivemos uma reunião os dois, e ele disse que necessitava do apoio da Força Aérea para levar alguns equipamentos e pessoas para a Madeira.
Naturalmente, nos voos que já estão previstos, obviamente podemos encaixar, como fazemos nos outros casos que referi anteriormente.
Esses voos estavam previstos já?
Uns estavam, mas o que é que tivemos de fazer? Alterar o transporte. Redimensionar. Obviamente, não me interessa saber o que é que eles vão fazer, não tenho autoridade nessa matéria do que é que eles lá vão fazer ou não. Nem nos interessa.
Nós garantimos, porque é uma entidade que é do Estado, garantimos obviamente esse transporte da forma que o tivemos de fazer. E, com certeza que o faremos para o outro lado, seja, por exemplo, para a Polícia Judiciária ou para outras entidades do Estado, nomeadamente, as embaixadas também, que nos pedem muitas vezes, quando vamos para outros países, nomeadamente os de Língua Oficial Portuguesa, para levar equipamentos e outras coisas. Portanto, é uma atividade perfeitamente normal entre as atividades do Estado.
Não houve despesa acrescida e não pôs em causa outras operações?
Não, nada. Temos o caso da Proteção Civil também, em que se insere também na perspectiva do duplo uso.
Há um novo ministro da Defesa. Já lhe apresentou um caderno de encargos? Já agora, apresenta-lhe diretamente ou com a nova orgânica apresenta ao chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e é ele que apresenta?
Começando pela primeira pergunta, não tenho nenhum caderno de encargos para apresentar ao Sr. ministro, obviamente. A Força Aérea, de uma perspetiva construtiva, leal e transparente, vai cooperar com o Sr. Ministro da forma como cooperámos com todos os ministros anteriores e, obviamente, os dossiês não serão dossiês novos, porque alguns que já transitam do passado e teremos outros, obviamente, que iremos também apresentar nas alturas certas.
E, portanto, será uma relação de trabalho perfeitamente normal como sempre existiu. É evidente, até pela nova orgânica das Forças Armadas, que todos estes assuntos, muitas das vezes, são discutidos pelo chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.
Mas convém aqui referir que há assuntos que são específicos dos chefes dos ramos, nomeadamente a busca e salvamento é um dossiê que eu trato diretamente com o Sr. Ministro, o policiamento aéreo é outro que eu trato também diretamente com o Sr. ministro.
Portanto, há aqui algumas responsabilidades próprias à Autoridade Aeronáutica Nacional. Agora, outras atividades militares, obviamente que faço toda a coordenação que tenho de fazer com o CEGMFA e que a articulação funciona na perfeição.
Quem é que convida quem para apresentação de cumprimentos agora? Não há uma cerimónia prevista?
Haverá. Normalmente há sempre uma reunião entre os chefes e o Sr. ministro, individuais também, e depois haverá sempre lugar a uma apresentação da Força Aérea ao Sr. ministro no ramo, em que aí é feita uma apresentação global das atividades e das situações que se passam no ramo.
Obviamente, estamos ainda nesta fase inicial, está a ser constituído o Gabinete do Sr. ministro e todas estas questões têm o seu tempo para acontecer, e, portanto, estão a decorrer com toda a naturalidade de uma forma muito tranquila.
Iniciámos também um programa que acho muito interessante, muito a pedido do efetivo feminino - a Força Aérea tem aproximadamente 23,8% de efetivo feminino neste momento - criámos salas de extração de leite materno, para que elas possam vir mais cedo para o serviço, continuar a cuidar da sua família e obviamente em termos de condição mental, também é bom para elas.
Fez um balanço do trabalho feito, mas houve baixos?
É evidente que há sempre altos e baixos para fazer tudo isto. Muitas das vezes é necessário orçamento, não é? E tivemos de tomar opções para resolver todas estas questões. Houve aqui também alturas em que tivemos de fazer opções em termos claros de colocação de pessoal para fazer face a situações mais críticas de exigência operacional.
Houve coisas que não foram feitas, certo?
Sim.
Causa mais incómodo à Força Aérea portuguesa perder a base do Montijo ou o campo de tiro de Alcochete?
As duas.
Notei que nessa lista de prioridades das coisas que estão em curso, por acaso não falou no Montijo, falou em Ovar, falou em Beja e em Monte Real, que calculo que nesta altura sejam as grandes prioridades.
Sim, mas no Montijo elas também estão a decorrer. Falei em Monte Real, falei em Beja, porque foi uma base que cresceu imenso. Vamos voltar atrás um pouco na história.
Nos anos 90 houve uma grande necessidade que se falou na reorganização das Forças Armadas, como todos se lembram, e a Força Aérea nessa altura foi um dos ramos que efetuou uma racionalização dos seus meios ao encontro à política do Governo da altura.
E então, fechou-se a base de São Jacinto e a base de Tancos, que passaram para o Exército. Entretanto, mais tarde, e as questões do novo aeroporto de Lisboa, como todos sabemos vêm desde 1964, veio a questão da Ota. O novo aeroporto de Lisboa ia ser na Ota, dizia-se.
Tínhamos uma base aérea na Ota também, já tínhamos transferido os meios de São Jacinto e os de Tancos para a base de Sintra, para a base do Montijo e para a base da Ota. Muito bem, mas tivemos de transferir os meios que tínhamos na base aérea da Ota para onde? Para Sintra, para o Montijo também e alguns para Beja.
Bom, assim continuámos, até que foi decidido que já não era para a Ota. Ora bem, a Ota foi-se degradando durante todo este processo. Neste momento não temos atividade operacional aérea na Ota, temos o Centro de Formação Militar e Técnica da Ota, que transferimos todas as valências que havia em tanques de formação e de recrutas, transferimos de lá.
Bom, mas a seguir era importante também aumentar a capacidade de fluxo e de tráfego aéreo no aeroporto de Humberto Delgado e então na área terminal de Lisboa. Então, a base de Sintra estava a causar ali, digamos, um obstáculo à flexibilização do tráfego aéreo para o aeroporto de Lisboa para chegarmos aos tais 72 movimentos na área terminal.
E então foi reduzido o espaço aéreo da base de Sintra somente para três mil pés para permitir o tráfego passar por cima. Ora bem, três mil pés é incompatível com a atividade aérea e, portanto, os meios que estavam em Sintra passaram para Beja.