Numa manobra apoiada pelo Brasil, China, Rússia e os países árabes, diplomatas tentam chancelar o reconhecimento internacional do Estado palestino. O caminho escolhido é a ONU e a aprovação de uma resolução que permita que os palestinos sejam considerados como membro pleno da entidade.
Jamil Chade | UOL
Na prática, isso significaria a consolidação pela comunidade internacional da existência de um país chamado Palestina, soberano e independente.
Lula encontra o presidente palestino Mahmud Abbas na ONU, em Nova York | Imagem: Thaer Ghanaim - 19.set.23/ PPO/AFP |
O objetivo dos árabes é de que uma resolução proposta pela Argélia seja votada nesta quinta-feira pelo Conselho de Segurança. O texto de seu rascunho, obtido pelo UOL, é um dos mais curtos já submetidos ao voto, mas uma das decisões de maior impacto em décadas. Diz o projeto:
O Conselho de Segurança,
Tendo examinado a demanda do Estado da Palestina para sua admissão às Nações Unidas,
Recomenda à Assembleia Geral que o Estado da Palestina seja admitido como membro da ONU.
Num comunicado, o grupo dos países árabes pedem que "todos os membros do Conselho de Segurança votem a favor do projeto de resolução apresentado pela Argélia em nome do Grupo Árabe e com o apoio de Estados de todas as regiões do mundo". "No mínimo, imploramos aos membros do Conselho que não obstruam essa iniciativa fundamental", afirmam.
"A adesão às Nações Unidas é um passo crucial na direção certa para uma resolução justa e duradoura da questão palestina, de acordo com o direito internacional e as resoluções relevantes da ONU. Já é hora de o povo palestino ter plenos poderes para exercer todos os seus direitos legítimos no cenário global como uma etapa importante para promover os direitos do povo palestino e a realização do consenso internacional sobre a solução de dois Estados nas linhas de 4 de junho de 1967", diz o comunicado.
"A negação do lugar legítimo da Palestina na comunidade das nações já dura há muito tempo. Chegou a hora de corrigir esse erro histórico e cumprir os direitos inalienáveis do povo palestino à autodeterminação, à soberania e à condição de Estado", completam.
Para o governo da China, chegou o momento do voto. Para os russos, o Conselho de Segurança vive seu "momento da verdade".
Neste contexto, o governo Lula assumiu o papel de cabo eleitoral na campanha para conseguir que a Palestina seja admitida como membro pleno das Nações Unidas. Nos últimos dias, o Itamaraty disparou ligações para diversos governos, no esforço de convencer a comunidade internacional a reconhecer a Palestina como um Estado.
Na visão do governo brasileiro, esse reconhecimento é uma condição fundamental para um acordo de paz na região e que estabeleça fronteiras claras para evitar que o território palestino continue sendo alvo de um avanço.
EUA rejeitam o reconhecimento
Mas o governo dos EUA já indicou que vetará a proposta. A Casa Branca considera que o reconhecimento palestino como Estado e sua adesão às Nações Unidas precisam ser resultados de uma negociação bilateral com Israel. E não num debate na ONU.
No comitê da ONU dedicado a examinar candidaturas, o caso palestino se transformou em um impasse. As reuniões desta semana foram inconclusivas, em especial diante da recusa dos americanos em aceitar o status aos palestinos neste momento.
De acordo com um documento do órgão, o comitê foi "incapaz de fazer uma recomendação unânime" sobre a questão palestina.
Para deixar a situação ainda mais complexa, o Congresso americano aprovou uma lei na qual se estabelece que, se a Palestina for admitida como membro pleno da ONU, todos os repasses dos EUA para as agências internacionais que atuam na região seriam suspensas.
Mesmo assim, e quebrando o protocolo. os governos árabes decidiram que iriam adiante com o processo. Um dos cálculos é de forçar um voto no Conselho de Segurança e criar um constrangimento internacional para o governo dos EUA. Diplomatas em Nova Iorque indicaram ao UOL que a avaliação feita é que os americanos seriam os únicos, hoje, a vetar a candidatura palestina.
"O custo político pode ser elevado", admitiu um negociador latino-americano no Conselho.
A adesão palestina ainda depende de um apoio de dois terços dos 193 países da Assembleia Geral da ONU. Pelos cálculos dos palestinos, esse número poderia ser obtido. Mas, antes, o apoio americano é fundamental para destravar o processo.
Brasil assume papel de protagonista
O Brasil deixou o órgão máximo da ONU no final do ano passado, ao final de dois anos de mandato. Ainda assim, manteve e até ampliou a campanha pelos palestinos. O Itamaraty confirmou que existe a possibilidade de que o chanceler Mauro Vieira faça uma viagem até Nova York para discursar na reunião desta semana, antes de uma votação.
Nos últimos dias, o chefe da diplomacia brasileira e embaixadores estiveram em contato com governos europeus, árabes, sul-americanos e de outras regiões para particular a campanha palestina.
O papel do Brasil, conforme o UOL revelou no mês passado, foi fechado num entendimento entre Mauro Vieira e o chanceler palestino, Riyad Al Maliki. O brasileiro esteve na Cisjordânia para conversas, para defender a necessidade de um cessar-fogo e a criação e reconhecimento de um Estado palestino.
Em 2012, a Assembleia Geral da ONU votou para dar aos palestinos o status de membro observador na organização, o que permite que seus diplomatas participem dos debates, mas sem direito a voto. Naquele momento, apenas nove países votaram contra, entre eles, EUA e Israel.
A decisão de retomar o processo mais amplo ocorre diante do risco de que a guerra em Gaza abra caminho para novas invasões de terras por parte de israelenses. Só na Cisjordânia, existem mais de 700 checkpoints hoje, ampliando a tensão e o controle sobre as cidades palestinas.
Os palestinos admitem que o veto americano no Conselho de Segurança pode ser o maior obstáculo. Para fazer parte da campanha, agora contam com a adesão do Brasil.
Para o Itamaraty, a adesão como membro pleno é um passo importante para a garantia de que um acordo de paz estabeleça de forma explícita a criação de dois Estados — palestino e israelense —, com suas fronteiras reconhecidas internacionalmente.
O papel brasileiro vem causando uma insatisfação ainda maior por parte de alguns diplomatas israelenses que, segundo o UOL apurou, não têm hesitado em criticar o comportamento do governo Lula.
Nos últimos meses, a relação entre Israel e Brasil vive uma turbulência. Lula passou a ser considerado como persona non grata em Israel por fazer alusão ao regime nazista.
Criação do Estado de Israel e campanha pelos palestinos
Embaixadores aposentados do Itamaraty destacam como o gesto brasileiro atende tanto a objetivos políticos imediatos como uma espécie de equilíbrio histórico. A criação do Estado de Israel passou, na época, pelo papel do diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, na época sediado na ONU em Nova Iorque.
"Agora, o Brasil quer ser lembrado também como tendo sido relevante no reconhecimento internacional do Estado da Palestina", avaliou um experiente embaixador, na condição de anonimato.
Mas a campanha brasileira também cumpre objetivos políticos imediatos, como o fortalecimento da posição do país como uma espécie de porta-voz do Sul Global e de uma redefinição do equilíbrio de forças dentro dos organismos internacionais.