Na primeira participação do Brasil como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU no governo Lula, o Itamaraty irá reverter o posicionamento que havia sido adotado por Jair Bolsonaro em resoluções propostas sobre a situação palestina e até aderir a um novo texto condenando Israel.
Jamil Chade | UOL
Genebra - A informação sobre a mudança de postura do Brasil foi confirmada ao UOL por duas fontes diplomáticas brasileiras, em Brasília, e por negociadores do Oriente Médio envolvidos na elaboração dos textos.
Lula encontra o presidente palestino Mahmud Abbas em evento paralelo durante a 78º reunião da Assembleia Geral da ONU em Nova York | Imagem: Thaer Ghanaim / PPO / AFP |
O voto de quatro resoluções sobre o tema ocorre nesta sexta-feira, em Genebra. Três textos são anualmente apresentados e se referem à ocupação israelense, ao direito à autodeterminação dos palestinos e ao cenário de Golã.
Mas a novidade é uma nova resolução que pede que governos estrangeiros deixem de fornecer armas para Israel.
O texto condena "o uso de armas explosivas com efeitos de área ampla por Israel", o uso da fome como arma de guerra e exige que Israel "cumpra sua responsabilidade legal de evitar o genocídio".
O projeto de resolução foi apresentado pelo Paquistão em nome de 55 países da Organização de Cooperação Islâmica.
No texto, obtido pelo UOL, os governos pedem que todos os estados:
“Cessarem a venda, a transferência e o desvio de armas, munições e outros equipamentos militares para Israel, a potência ocupante, a fim de evitar novas violações do direito humanitário internacional e violações e abusos dos direitos humanos, e a se absterem, de acordo com as normas e padrões internacionais, da exportação venda ou transferência de bens e tecnologias de vigilância e armas menos letais, incluindo itens de "uso duplo", quando avaliarem que há motivos razoáveis para suspeitar que tais bens, tecnologias ou armas possam ser usados para violar ou abusar dos direitos humanos, e recorda a ordem da Corte Internacional de Justiça de 26 de janeiro de 2024, determinando que há um risco plausível de genocídio em Gaza.”
Se aprovadas, as resoluções colocarão uma pressão ainda maior sobre o governo de Benjamin Netanyahu, já sob ataque depois das mortes de sete funcionários de uma ONG que fornecia alimentos em Gaza.
Brasil volta a adotar postura tradicional de apoio às resoluções palestinas
Se ao longo de anos o Brasil sempre apoiou essas resoluções, a situação mudou radicalmente em 2019, quando o governo de Jair Bolsonaro rompeu com a postura tradicional do país e passou a votar contra as propostas ou a se abster. A atitude chamou a atenção internacional.
Agora, segundo fontes do Itamaraty, o Brasil voltará a votar pela aprovação dos textos, fortemente apoiado por países em desenvolvimento. A medida deve ampliar ainda a distância entre o governo brasileiro e israelense, que já vivem um mal-estar por conta dos comentários do presidente Lula.
Além do texto que cita o apelo para que a comunidade internacional não forneça armas, um dos documentos colocado ao voto se refere à ocupação de terras palestinas, principalmente por parte de colonos israelenses. O texto solicita à Comissão Internacional Independente de Inquérito que prepare um relatório sobre as "identidades dos colonos, bem como dos grupos de colonos e seus membros, que se envolveram ou continuam a se envolver em atos de terror, violência ou intimidação contra civis palestinos e as ações tomadas por Israel".
Isso seria feito para "garantir a responsabilização por violações ou abusos do direito internacional a esse respeito".
A resolução ainda pede que que Israel coloque fim à ocupação dos territórios ocupados desde 1967, que reverta a política de assentamentos nos territórios ocupados, inclusive em Jerusalém Oriental e no Golã sírio, que desmantele o empreendimento de assentamentos.
O texto exige que sejam tomadas "medidas imediatas para proibir e erradicar todas as políticas e práticas que discriminam e afetam desproporcionalmente a população palestina no Território Palestino Ocupado".
Isso incluiria "o fim do sistema de estradas segregadas para uso exclusivo dos colonos israelenses, que residem ilegalmente no referido território, a complexa combinação de restrições de movimento que consiste no muro, bloqueios de estradas e um regime de permissão que afeta apenas a população palestina, a aplicação de um sistema jurídico de dois níveis que facilitou o estabelecimento e a consolidação dos assentamentos e outras violações e formas de discriminação institucionalizada com base na raça".
Também fica determinado o fim da requisição e todas as outras formas de apropriação ilegal de terras palestinas, e sua alocação para o estabelecimento e a expansão de assentamentos.
A resolução ainda pede que Israel coloque fim a "todas as práticas e políticas que resultem na fragmentação territorial do Território Palestino Ocupado".
Autodeterminação palestina
Numa segunda resolução, o governo brasileiro deve apoiar o texto que:
- Reafirma o direito inalienável, permanente e irrestrito do povo palestino à autodeterminação, incluindo seu direito de viver em liberdade, justiça e dignidade e o direito ao seu Estado independente da Palestina;
- Reafirma também a necessidade de alcançar uma solução pacífica justa, abrangente e duradoura para o conflito israelense-palestino, em conformidade com o direito internacional
- Pede que Israel, a potência ocupante, encerre imediatamente sua ocupação do Território Palestino Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e a reverter e corrigir quaisquer impedimentos à independência política, à soberania e à integridade territorial da Palestina, e reafirma seu apoio à solução de dois Estados, Palestina e Israel, vivendo lado a lado em paz e segurança;
- Expressa também grande preocupação com a fragmentação e as mudanças na composição demográfica do Território Palestino Ocupado, resultantes da contínua construção e expansão dos assentamentos, da transferência forçada de palestinos e da construção do muro por Israel, e enfatiza que essa fragmentação, que mina a possibilidade de o povo palestino realizar seu direito à autodeterminação, é incompatível com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.
- Confirma que o direito do povo palestino à soberania permanente sobre suas riquezas e recursos naturais deve ser usado no interesse de seu desenvolvimento nacional, do bem-estar do povo palestino e como parte da realização de seu direito à autodeterminação;
- Solicita a todos os Estados que garantam suas obrigações de não reconhecimento, não ajuda ou assistência com relação às graves violações das normas peremptórias do direito internacional por Israel, em particular da proibição da aquisição de território pela força, a fim de garantir o exercício do direito à autodeterminação.