Diante de incerteza quanto à continuidade do apoio americano a Kiev e ofensiva russa iminente, país no Leste Europeu lidera ação para entregar munição à Ucrânia – comprada, principalmente, de países do Sul Global.
Lubos Palata | Deutsch Welle
Depois de a União Europeia (UE) falhar no cumprimento da promessa de entregar um milhão de projéteis à Ucrânia até o final do ano passado, Kiev receberá agora até 800 mil projéteis adquiridos graças a uma iniciativa da República Tcheca.
Munições de calibre 155 mm, o tipo de que a Ucrânia mais precisa, em um depósito em Scranton, no estado americano da Pensilvânia | Foto: Matt Rourke/AP Photo/picture alliance |
Com isso, a Ucrânia ganhará tempo até que a capacidade da indústria bélica nacional e europeia seja elevada ao ponto de poder suprir o país adequadamente com as munições de que necessita.
A ação tcheca foi lançada oficialmente em 20 de fevereiro deste ano, durante a Conferência de Segurança de Munique, espécie de Davos do setor de defesa. Ela vem em um momento de incertezas sobre a ajuda americana, com a paralisação no Congresso de um pacote bilionário de ajuda militar à Ucrânia.
Segundo especialistas, a Rússia teria quase cinco vezes mais munição de armamento pesado do que a Ucrânia. A título de exemplo: alguns analistas atribuem a tomada pelos russos de Avdiivka, cidade próxima a Donetsk, no início de fevereiro, à falta de munição ucraniana.
Há um temor que a Rússia lance uma nova ofensiva antes do verão no Hemisfério Norte e tente avançar de forma mais significativa sobre a atual linha do front do conflito – daí a esperança de que a remessa da República Tcheca possa ajudar a deter esse movimento.
Boas relações da indústria bélica tcheca
Ex-presidente do comitê militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Petr Pavel justificou a ação à época perante a necessidade urgente da Ucrânia por artilharia e outros tipos de munição – material que a República Tcheca sabia onde conseguir e poderia comprar.
"Conseguimos localizar meio milhão de munições de calibre 155 mm e 300 mil munições de calibre 122 mm", disse Pavel no evento, pedindo ainda a líderes de outros países que ajudassem a arcar com os custos da ação.
Durante a era socialista, a antiga Tchecoslováquia (desde 1993 República Tcheca e Eslováquia) estava entre as dez maiores exportadoras de armas do mundo. E embora as exportações no setor tenham caído drasticamente nos anos 1990, uma parte da indústria de defesa continua de pé, de modo que a República Tcheca continua a produzir diversos tipos de armamentos, desde caças até tanques blindados e armas menores, cuja exportação em 2023 lhe rendeu 1,2 bilhão de euros em receitas.
Empresas do setor bélico têm bons contatos nos países em desenvolvimento. É esta rede que a República Tcheca acionou para comprar a munição que a Ucrânia necessita.
Ação ainda é envolta em segredos
Ainda no fim de fevereiro, a ação liderada por Pavel teve a adesão de Dinamarca, Holanda e Canadá. Passado um mês, a rede de apoiadores incluía 20 países-membros da UE e/ou da Otan, com Alemanha e França entre eles.
O governo tcheco não forneceu detalhes sobre a aquisição – principalmente para impedir que a Rússia tente atrapalhar a compra de munição em países sobre os quais o Kremlin também exerce alguma influência e dispõe de contatos.
O portal de notícias Aktualne.cz, porém, alega que ao menos dez empresas tchecas do setor bélico estão envolvidas no negócio e usam suas redes de contatos em países do Sul Global para viabilizar as aquisições.
No início de março, poucas semanas depois do anúncio na Conferência de Munique, Pavel anunciou ter reunido a soma necessária para a aquisição de "toda a munição – diga-se, 800 mil itens". "O lado tcheco informará todos os Estados que estão contribuindo com a ação sobre o cronograma e os próximos passos", declarou a jornalistas.
Não é a primeira vez que a República Tcheca apoia Kiev com uma ação do gênero. "Entregamos munição à Ucrânia há dois anos e, em cooperação com diversos parceiros, já enviamos mais de 1,2 milhão de munições de grosso calibre", afirma o conselheiro para segurança nacional do governo tcheco, Tomar Pojar.
Segundo ele, as primeiras entregas de munição desta nova leva devem ser feitas em junho.
Marcando pontos na diplomacia
O ministro do Exterior tcheco, Jan Lipavsky, está satisfeito com os avanços atuais e diz ter recebido a gratidão tanto do chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, quanto de seu colega ucraniano, Dmytro Kuleba, que o teriam procurado pessoalmente para expressá-la. "A ressonância é muito positiva, porque viemos com uma boa ideia no momento certo, no local certo", disse à DW.
Também o Conselho Europeu manifestou sua aprovação à iniciativa tcheca. "O Conselho Europeu saúda todas as iniciativas recentes nesse sentido, inclusive a da República Tcheca para a compra imediata de munição para a Ucrânia, que permitem à UE cumprir sem mais delongas seu dever de entregar um milhão de munições", consta de declaração final expedida na semana passada por ocasião de uma cúpula do órgão.