Enquanto a maior parte dos países da América Latina demonstra apoio e solidariedade ao povo palestino e se distancia do Estado ocupante de Israel, em meio ao genocídio em Gaza, o presidente da Argentina, Javier Milei, decidiu clamar pela demolição da Mesquita de Al-Aqsa — o terceiro local mais sagrado para o islamismo. De acordo com o incumbente de extrema-direita, se trata de “trazer o Messias de volta e construir o terceiro templo”.
Eman Abusidu | Monitor do Oriente Médio
Milei foi recebido pelo premiê israelense, Benjamin Netanyahu, ao viajar ao Estado de apartheid para sua primeira viagem ao exterior, no início de fevereiro. “Do mesmo modo que o rabino Akiva aspirava à profecia de reconstrução, Israel superou a destruição para erguer uma sociedade próspera e livre”, declarou Milei logo em sua chegada.
Presidente da Argentina, Javier Milei, cumprimenta o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em Jerusalém ocupada, em 7 de fevereiro de 2024 [Divulgação/Agência Anadolu] |
O presidente argentino alegou sonhar em viajar a Jerusalém há muito tempo, para concluir seus estudos do Torá, do Talmude e de outras escrituras judaicas. Milei visitou o Muro das Lamentações cercado por colonos, rabinos e guias religiosos.
Desde o início de seu mandato em dezembro, Israel viu em Milei um novo aliado e catalisador de um novo capítulo do relacionamento com a Argentina. O país condenou a agressão israelense contra fieis palestinos na Mesquita de Al-Aqsa, durante o Ramadã do ano passado, ao reiterar a necessidade de evitar uma nova escalada de violência. Hoje, no entanto, seu presidente pede abertamente por demolir o santuário.
Não deveria haver surpresa. Milei é um entusiasta do Estado cujo exército matou 30 mil palestinos desde outubro, feriu outros 70 mil e destruiu mais de 60% da infraestrutura civil da Faixa de Gaza, incluindo ao menos mil mesquitas. O autodeclarado “sionista de verdade” descreve Israel como “um dos países mais incríveis do mundo”.
Ao ministro de Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, Milei afirmou que sua viagem tinha como intuito “mostrar apoio ao povo de Israel e a seu direito à autodefesa [sic]”.
Alguns observadores apontam que toda sua retórica é parte de uma estratégia para radicalizar e angariar apoio da comunidade judaica na Argentina, uma das maiores do mundo, e desviar atenção do desastre político e econômico que assola o país. Outros sugerem que suas ameaças a Al-Aqsa é uma bravata para mostrar ao Hamas que não tem medo de suas ações, em particular, considerando que a operação transfronteiriça de 7 de outubro teve como estopim precisamente as invasões coloniais contra o santuário em Jerusalém ocupada.
“Não sou judeu, mas sou fã de Israel”, disse Milei ao jornal La Nación em 2021. “Sou católico e todo dia me ajoelho diante de um judeu [sic]”.
“Penso em me converter ao judaísmo e aspiro ser o primeiro presidente judeu da história argentina”, acrescentou mais tarde em seu último comício à presidência.
Em entrevista ao The Wall Street Journal, Milei retornou ao assunto ao alegar: “Há uma possibilidade de eu me converter ao judaísmo. Não posso fazê-lo agora porque cumprir seus preceitos poderia entrar em conflito com minhas atividades como presidente, incluindo respeitar o Shabat. É um plano mais complexo, de longo prazo”.
Um de seus primeiros anúncios como chefe de Estado foi dizer que a embaixada argentina em Tel Aviv seria transferida a Jerusalém ocupada. Seu personagem trumpesco repetiu sua promessa ao pousar em Israel.
“Quando Deus ordenou Moisés a quebrar a primeira das tábuas dos mandamentos, a primeira palavra que disse foi Jerusalém, e foi aqui que o rei Davi estabeleceu sua capital”, insistiu o presidente. “Portanto, devemos levar a embaixada de Tel Aviv a Jerusalém”.
Caso o faço, romper a tradição de neutralidade argentina sobre o conflito israelo-palestino. Buenos Aires mantém uma posição de equidistância, ao manter-se comprometido com resoluções das Nações Unidas e o direito internacional. Entretanto, dado o desprezo absoluto de Israel pela lei internacional, parece que Milei dificilmente manterá a tradição.
Segundo a ex-deputada argentina Julia Perié, a decisão de transferir a embaixada reflete uma “recente inclinação espiritual [de Milei] que o vincula à comunidade ultraortodoxa e ultraconservadora do judaísmo e que identifica o povo palestino como um inimigo de Israel”. Perié observou ainda: “É fundamental reafirmarmos que a maior parte das comunidades [nacionais ou religiosas] na Argentina, mesmo a comunidade judaica, desaprova o desenvolvimento do massacre contra o povo palestino de Gaza”.
A comunidade palestina na Argentina — relativamente pequena, mas eloquente — trabalha dia e noite para angariar apoio a sua causa, por meio de organizações de direitos humanos e instituições políticas que tenham impacto considerável na sociedade civil. As críticas à declaração de Javier Milei sobre a Mesquita de Al-Aqsa ou a embaixada argentina no Estado de Israel são notórias e abundantes.
A solidariedade com o povo palestino se torna rapidamente um ponto de encontro entre as dores diárias da população de ambos os países, à medida que a Argentina de Milei mergulha em um colapso sem precedentes. Muitos ativistas palestinos e argentinos realizam esforços cotidianos de conscientização junto ao público, para apresentar um panorama real do povo e da terra palestina, assim como de sua opressão sob o regime israelense. De fato, afinal, compartilham séculos de história, patrimônio cultural e tradições anticoloniais.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.