Médicos canadenses que trabalham como voluntários em Gaza relataram que mulheres foram humilhadas sexualmente pelas forças de ocupação israelenses na frente de suas famílias. Uma mulher foi estuprada por dois dias até ficar incapaz de falar, mas nada está sendo feito a respeito, disse ao MEMO a professora Medicina Dra. Aliya Khan
Anjuman Rahman | Monitor do Oriente Médio
De certa forma, o horror de Gaza é exemplificado por suas estatísticas surpreendentes. De acordo com o Ministério da Saúde, o número de mortos desde 7 de outubro ultrapassa 32.000, metade dos quais são bebês e crianças. As Nações Unidas informam que 1,9 milhão de civis em Gaza foram deslocados à força. Setenta e cinco por cento da população está enfrentando a fome e não tem acesso à água potável. Além disso, a Unicef relatou que crianças estão morrendo de fome e sofrendo de desnutrição.
Essas estatísticas são reforçadas por imagens assustadoras que expõem os massacres bárbaros e implacáveis de Israel sobre uma população civil com destruição completa e o colapso da infraestrutura de saúde. Dois terços dos hospitais e mais de 80% de todas as clínicas de saúde foram destruídos. Mais de 400 profissionais de saúde foram mortos, além de mais de 100 jornalistas. A destruição é enorme e está além de qualquer grau de proporcionalidade.
“O que realmente me impressiona é que, quando vimos as injustiças na Ucrânia, a comunidade global estava unida e se manifestou em alto e bom som contra essas injustiças, como era necessário. Contudo, quando vemos as atrocidades, os crimes de guerra, o genocídio que se desenrola na Palestina, o mundo fica em silêncio”, diz a Dra. Aliya Khan, professora de Medicina e membro da diretoria da Union of Medical Care and Relief Organisations (UOSSM), que oferece assistência médica em zonas de guerra.
“Há claramente um padrão duplo, e isso é errado. Precisamos nos manifestar para salvar todas as vidas, independentemente da etnia, da religião, da origem e da estrutura política em que essas vidas estão sendo perdidas”, acrescenta.
Khan destaca as respostas contrastantes da comunidade global aos conflitos na Ucrânia e na Palestina, apontando a hipocrisia dos governos ocidentais e os padrões duplos predominantes. Condenando a paralisia das Nações Unidas, que não conseguiu tomar medidas significativas para lidar com o sofrimento e a destruição contínuos na Palestina, ela enfatizou os bombardeios diários em Gaza e a brutalidade dos massacres constantes na Faixa de Gaza, em que mais de 70% das vítimas são mulheres e crianças. As crianças estão tendo mortes horríveis – sendo queimadas até a morte, desmembradas pelas bombas ou esmagadas sob os prédios. Além disso, a terrível situação humanitária é exacerbada pelo bloqueio de Israel aos suprimentos de alimentos, água e medicamentos que salvam vidas, e as crianças estão morrendo de desidratação, fome e doenças.
Israel matou mais de 14.000 crianças em Gaza desde 7 de outubro, enquanto outras estão sofrendo de desnutrição grave e “não têm energia nem para chorar”, afirmou o Fundo das Nações Unidas para a Infância. Gaza se tornou um cemitério não apenas para as crianças, conforme descrito por James Elder, porta-voz chefe do Unicef, mas também um cemitério para o direito humanitário internacional. Todos os princípios do direito internacional foram e continuam sendo repetidamente violados por Israel.
“Toda criança é preciosa”, diz a Dra. Aliya. “Seja uma criança que está sendo ferida ou morta na Ucrânia seja uma criança que está sendo ferida ou morta na Palestina e, nos últimos cinco meses, vimos mais crianças e civis palestinos serem mortos do que em qualquer outro conflito neste período. Mas o mundo e a resposta da comunidade global à guerra na Ucrânia foram muito diferentes da resposta à guerra em Gaza.”
Refletindo sobre sua visita à Palestina antes de 7 de outubro, Khan diz que sua jornada pela Cisjordânia ocupada revelou uma dura realidade: os palestinos são forçados a navegar por um sistema opressivo que lembra a vida em uma prisão. Ela relata a visão do Muro de Separação, os inúmeros pontos de controle e as violações diárias dos direitos humanos e os desafios enfrentados pelos palestinos apenas para ter acesso às necessidades básicas, como educação e emprego.
Além disso, ela testemunhou em primeira mão a falta de proteção aos palestinos por parte das autoridades policiais, enfatizando que as forças de ocupação israelenses são frequentemente mobilizadas para proteger os colonos ilegais e não a população nativa, expondo as injustiças sistêmicas impostas contra a sociedade palestina, incluindo prisões arbitrárias e detenções prolongadas sem julgamento, inclusive de menores.
“A violência é muito significativa. As crianças podem ser alvos ao irem para a escola e podem ser presas e mantidas sem acusação nas prisões israelenses por anos. Seus pais podem ser baleados na frente delas. Suas casas podem ser invadidas à noite, por forças israelenses que aterrorizam crianças pequenas”, explica Khan. “A polícia está lá para proteger os colonos ilegais, não os palestinos, que vivem sob uma ocupação militar brutal há 56 anos. E desde 7 de outubro, vimos mais de 1.000 palestinos serem expulsos de suas terras e centenas foram mortos na Cisjordânia.”
As tensões estão em alta na Cisjordânia ocupada desde que Israel lançou uma ofensiva militar mortal contra a Faixa de Gaza em outubro.
A guerra em curso contra Gaza não só levou à perda de mais de 32.000 vidas palestinas, mas também resultou em uma terrível escassez de suprimentos essenciais, com dezenas de milhares de caminhões de ajuda impedidos de entrar em Gaza.
Pouquíssimos caminhões de ajuda humanitária chegaram às cidades do norte de Gaza desde novembro, causando uma fome artificial. Condenando esse bloqueio, Khan destaca as consequências devastadoras que ele tem sobre a população, principalmente sobre as crianças e os vulneráveis.
E, apesar das circunstâncias desesperadoras, os colegas de Khan em Gaza continuam seu trabalho com dedicação inabalável, mesmo quando os hospitais enfrentam repetidos ataques militares das forças de ocupação israelenses. Tragicamente, os próprios profissionais de saúde se tornaram alvos, com relatos de médicos, enfermeiros e outros profissionais da área médica que foram sequestrados, torturados e mortos, em clara violação da lei internacional.
“As mulheres em Gaza estão sendo estupradas e isso não está sendo denunciado ou investigado”, observa Khan. “Ninguém está falando sobre isso na mídia ocidental. Acabo de receber um relatório de nosso colega médico canadense que está em Gaza informando que o hospital Al-Khayr, que fica ao lado do Hospital Nasser, foi atacado.”
O paramédico informou ao médico que uma mulher foi estuprada por dois dias até perder a capacidade de falar. Outra mulher no Hospital Nasr foi despida por soldados israelenses na frente do marido e do irmão e, quando um deles tirou a roupa para cobri-la, os soldados israelenses mataram o irmão e o marido dela.
“Esses são relatos confiáveis de médicos canadenses que trabalham em Gaza”.
“Pedimos aos nossos líderes e à ONU que investiguem esses crimes de guerra”, acrescenta ela. “A Corte Internacional de Justiça confirmou que o genocídio é plausível e pediu a Israel e aos Estados Unidos que interrompessem esses ataques imediatamente. No entanto, eles não apenas continuaram o ataque à população civil em Gaza, como também o intensificaram, ignorando completamente o Tribunal Internacional de Justiça.”
Em janeiro, o TIJ ordenou que Israel se abstivesse de qualquer ato que pudesse se enquadrar na Convenção de Genocídio e garantisse que suas tropas não cometessem atos genocidas contra os palestinos em Gaza. Israel, no entanto, descreveu as alegações como infundadas, mantendo seu mantra de que tem o “exército mais moral do mundo”.
Destacando a necessidade urgente de suspender o bloqueio de recursos vitais, como alimentos e água que entram em Gaza, Khan conclui: “falhamos com o povo da Palestina”.