Multidões de homens corriam pelas ruas da Cidade de Gaza, repletas de escombros, passando por incêndios e carros destruídos por balas, na esperança de chegar a um raro comboio de ajuda, arriscando suas vidas para conseguir alimentos para as famílias, enquanto a fome segue à espreita após cinco meses de campanha militar de Israel.
Por Gabrielle Tétrault-Farber e Emily Rose | Reuters
A entrega de auxílio no enclave palestino entrou em colapso. Apenas uma fração dos alimentos necessários entram no território e menos ainda nas áreas do norte, onde hospitais relatam que crianças começaram a morrer de desnutrição.
Palestinos carregam sacos de farinha coletados de caminhão de ajuda perto de posto de controle israelense na Cidade de Gaza 19/02/2024 REUTERS/Kosay Al Nemer |
Na semana passada, o Ministério da Saúde palestino em Gaza, administrado pelo Hamas, disse que as forças israelenses mataram 118 pessoas que tentavam conseguir ajuda de um comboio perto da Cidade de Gaza. Sobreviventes afirmam que foram alvejados por tiros. Israel alega que a maioria das pessoas morreu pisoteada ou atropelada durante o pânico.
As mortes atraíram um novo foco sobre as falhas da ajuda em Gaza, onde a ONU reclama de "obstáculos esmagadores", enquanto Israel diz fazer tudo o que pode e que a ONU é a principal responsável pela entrega.
"Existe um pai no mundo que pode ver seus filhos se contorcendo de fome na frente dele e permanecer em silêncio, mesmo que o preço seja arriscar a própria vida?", disse Ahmed al-Talbani, procurando por ajuda na Cidade de Gaza, gritando e gesticulando enquanto falava em um vídeo obtido pela Reuters.
"Caminhões esmagaram pessoas, tanques esmagaram pessoas, granadas caíram sobre as pessoas, metralhadoras foram disparadas sobre as cabeças das pessoas. Isso satisfaz alguém?", disse ele.
Apesar de a fome estar próxima de níveis catastróficos em algumas áreas de Gaza e da grande quantidade de ajuda nos armazéns à espera para ser entregue, o fluxo de suprimentos diminuiu.
Antes do conflito, Gaza contava com a entrada de 500 caminhões por dia. A agência de refugiados palestinos UNRWA disse na sexta-feira que, em fevereiro, uma média de cerca de 97 caminhões conseguiu entrar em Gaza por dia, em comparação com os aproximadamente 150 por dia em janeiro.
A insegurança dentro de Gaza configura um grande problema, já que cinco meses de guerra destruíram muitas das instituições que sustentavam a ordem social no enclave.
Alguns caminhões foram apreendidos por pessoas em busca de alimentos, e todos os comboios que se deslocam para o norte de Gaza precisam de coordenação israelense para passar com segurança por postos de controle e áreas de conflito.
A ONU tem se queixado repetidamente da falta de acesso e diz que Israel é responsável por facilitar a entrega da ajuda.
"Tudo o que estamos pedindo é uma passagem segura para que possamos entregar a ajuda", disse Jenny Baez, oficial de resposta a emergências da UNRWA, principal agência da ONU que trabalha em Gaza. Israel acusou a UNRWA de cumplicidade no ataque de 7 de outubro que desencadeou a guerra, o que a UNRWA nega.
A polícia palestina, que anteriormente ajudava a proteger as rotas, parou de fazê-lo após ataques israelenses matarem pelo menos oito policiais, disse a UNRWA.
LANÇAMENTOS AÉREOS
Shimon Freedman, porta-voz do COGAT, braço militar israelense que lida com as transferências de ajuda, disse que o COGAT coordena os comboios, facilitando os corredores táticos, e incorpora oficiais aos caminhões para garantir a passagem.
Mas a distribuição e a segurança dependem, em última instância, das agências de ajuda e das Nações Unidas, segundo ele.
"A segurança dos comboios em si é de responsabilidade das agências da ONU que operam no local", afirmou.
Como as rotas terrestres para Gaza são de difícil acesso, países como os Estados Unidos iniciaram operações de lançamentos aéreos, algo apoiado por Israel, segundo Freedman.
Agências de ajuda humanitária, no entanto, afirmam que os lançamentos aéreos são uma forma ineficiente de levar suprimentos, pois entregam menos do que os caminhões e podem não proporcionar alívio para os mais atingidos.
Na semana passada, Israel também começou a trabalhar com o setor privado para entregar ajuda aos abrigos no norte de Gaza.
"As organizações locais não têm a infraestrutura ou a infraestrutura suficiente no momento para manter ou ter a mesma capacidade de distribuição que nós temos para inspecionar e levar a ajuda para Gaza", disse Freedman.
Como forma de contornar isso, disse ele, "temos facilitado e coordenado as conexões entre empresas privadas".
Foi um desses comboios que se tornou o foco do desastre da semana passada, que o Ministério da Saúde palestino descreveu como um massacre e Israel chamou de tragédia.
A Organização Mundial da Saúde disse que a taxa de desnutrição de crianças com menos de 2 anos de idade em Gaza, em comparação com três meses antes, não tem precedentes, sugerindo "um declínio sério e rápido".
O chefe da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fez um apelo a Israel "para garantir que a ajuda humanitária possa ser entregue com segurança e regularidade".
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, também pediu a Israel que maximize "todos os meios possíveis" para levar assistência humanitária a Gaza, descrevendo a situação como inaceitável.
Na Cidade de Gaza, homens que esperam por comida dizem que têm sido alvejados repetidamente pelas forças israelenses, mas têm pouca escolha a não ser continuar se aproximando dos caminhões de ajuda.
"Viemos por causa da fome, não para lutar. Não somos terroristas ou sabotadores... nossas casas não têm comida. Não há pão", disse Wafi al-Batran, enquanto homens se reuniam atrás dele ao redor de uma fogueira.
"Ficaremos aqui até que possamos voltar para nossos filhos com comida", acrescentou.
(Reportagem de Mahmoud Issa na Cidade de Gaza, Emily Rose em Jerusalém e Gabrielle Tetrault-Farber em Genebra)