Depoimento de Freire Gomes em Brasília ocorre sob tensão entre bolsonaristas e militares
Cézar Feitoza | Folha de S.Paulo
Brasília - O general Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército no fim do governo Jair Bolsonaro (PL), prestou depoimento por mais de sete horas à Polícia Federal nesta sexta-feira (1º).
Freire Gomes começou a ser ouvido por volta de 15h na sede da PF, em Brasília. O militar foi intimado a prestar esclarecimentos como testemunha no inquérito que investiga a participação de Bolsonaro, ex-ministros, ex-assessores e militares no planejamento de um golpe de Estado após a vitória de Lula (PT) nas eleições de 2022.
Fontes militares ouvidas pela Folha afirmam que a Polícia Federal informou o Comando do Exército, como cortesia, que Freire Gomes havia sido chamado a depor. A data foi confirmada após conversas entre o general e os investigadores, já que o militar se encontrava na Espanha em visita a familiares.
Freire Gomes conversou com generais antes do depoimento e afirmou que daria sua versão dos fatos aos agentes da PF.
Segundo pessoas próximas, isso envolveria contar que a manutenção dos acampamentos golpistas em frente aos quarteis era uma ordem do ex-presidente e que agiu silenciosamente contra os planos antidemocráticos aventados no Palácio da Alvorada.
Generais afirmaram à Folha, sob reserva, que apesar de confiarem na versão de Freire Gomes, já que eles presenciaram a tensão no fim de 2022, restam dúvidas sobre qual será o entendimento da Polícia Federal a respeito da atuação do militar.
Eles destacam que Freire Gomes assinou, na época, com os ex-comandantes da Marinha e Aeronáutica nota em tom crítico ao Judiciário e amistosa com os bolsonaristas que pediam um golpe militar — fato citado em relatório da Polícia Federal que pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) buscas contra Bolsonaro e outros investigados.
O ex-comandante foi citado nas investigações por ter participado de uma reunião no Palácio da Alvorada, em 7 de dezembro de 2022, na qual Bolsonaro teria apresentado uma minuta de decreto para promover um golpe de Estado.
Um dos elementos colhidos pela PF foi um áudio enviado pelo tenente-coronel Mauro Cid ao ex-comandante, dois dias após a reunião.
"O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais, mais pesada, onde ele vai, obviamente, utilizando as Forças, né? Mas ele sabe, ele ainda continua com aquela ideia que ele saiu da última reunião, mas a pressão que ele recebe é de todo mundo. Ele está… É cara do agro. São alguns deputados, né? É né… Então é a pressão que ele tem recebido é muito grande. E hoje o que que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto né? Aqueles 'considerandos' que o senhor viu e enxugou o decreto, fez um decreto muito mais é resumido, né?", disse Cid em trecho da mensagem de áudio.
Como mostrou a Folha, Freire Gomes vivia no fim de 2022 entre as pressões golpistas de Bolsonaro e militares e o luto pela morte de sua mãe, Maria Freire Gomes.
Em dezembro daquele ano, o general chegou a se afastar do cargo por uma semana para acompanhar os últimos momentos com Maria.
Militares aliados de Bolsonaro usaram o afastamento de Freire Gomes para criticá-lo e acusá-lo de falta de firmeza — já que, no momento em que ele deixou Brasília, era discutido o um plano para um golpe de Estado.
A crise militar e o luto fizeram Freire Gomes submergir, segundo generais ouvidos pela Folha. As conturbações foram apresentadas pelo ex-comandante como justificativa para entregar o cargo antes da posse de Lula.
A posição da maioria do Alto Comando do Exército contra o golpe, porém, já estava consolidada — e foi repassada por Freire Gomes para Bolsonaro e aliados que queriam reverter o resultado da eleição de Lula, ainda segundo fontes militares.
"A culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e [sic] do Gen FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente", escreveu o general Walter Braga Netto em mensagem encontrada pela Polícia Federal. Braga Netto, ex-ministro e ex-candidato a vice de Bolsonaro, ainda chamou o chefe militar de "cagão".
Freire Gomes assumiu o Comando do Exército em 31 de março de 2022 — aniversário do golpe militar de 1964. Para ocupar o principal posto da Força, ele decidiu recusar um acordo preestabelecido para que fosse nomeado ministro do STM (Superior Tribunal Militar).
No comando, teve momentos de aproximação e distanciamento de Bolsonaro.
Em agosto de 2022, Dia do Soldado, por exemplo, o general afirmou em evento com o então presidente que "notícias infundadas e tendenciosas" não poderiam manchar a imagem da Força. O discurso foi lido como um aceno à pauta crítica à imprensa promovida por Bolsonaro.