Diante de um primeiro-ministro israelense surdo aos apelos por uma trégua em Gaza, os Estados Unidos reorientam a sua estratégia para lidar com o conflito. Benjamin Netanyahu disse nesta sexta-feira (22) ao secretário de Estado americano, Antony Blinken, que Israel pretende realizar uma ofensiva em Rafah, no sul do território palestino, mesmo que os Estados Unidos não apoiem a decisão.
RFI
“Eu disse que não tínhamos a possibilidade de derrotar o Hamas sem entrar em Rafah e sem eliminar os batalhões que lá permaneciam. Disse-lhe que esperava fazê-lo com o apoio dos Estados Unidos, mas se for necessário, faremos sozinhos", disse o premiê em um comunicado, divulgado depois do encontro com Blinken em Tel Aviv.
Presidente americano, Joe Biden, durante um encontro com o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, em Tel Aviv. (18/10/2024) AP - Evan Vucci |
Ao mesmo tempo, uma resolução americana propondo um cessar-fogo imediato no território palestino era submetida ao Conselho de Segurança da ONU – uma iniciativa inédita da diplomacia dos Estados Unidos neste conflito. Resoluções anteriores do mesmo tipo haviam todas sido rejeitadas pelo veto americano.
Desta vez, o texto é proposto pelos Estados Unidos – e acabou vetado nesta manhã pela Rússia e a China. O embaixador russo no conselho, Vassily Nebenzia, classificou a proposta como “hipócrita”, ao não pedir diretamente o fim do conflito. Já o diplomata chinês, Zhang Jun, afirmou que o documento era "ambíguo" e "desequilibrado", uma vez que "impõe condições para o cessar-fogo".
O projeto de resolução, que sublinha a "necessidade de um cessar-fogo imediato e duradouro" vinculado à libertação dos reféns detidos pelo grupo Hamas, recebeu 11 votos a favor, três contra (Rússia, China e Argélia) e uma abstenção (Guiana).
"Com isso em mente, [os Estados Unidos] apoiam inequivocamente os esforços diplomáticos internacionais para alcançar esse cessar-fogo, juntamente com a libertação de quaisquer reféns ainda detidos", detalha a proposta de resolução.
De olho nas eleições americanas
A mudança de postura americana visa mostrar que Washington tem consideração pelo mundo árabe e, acima de tudo, recuperar o voto dos árabes-muçulmanos que vivem nos Estados Unidos, em especial no estado indeciso do Michigan. Nas eleições presidenciais de novembro no país, este estado poderá optar por Donald Trump, devido ao descontentamento da grande comunidade árabe-muçulmana com a política do presidente Joe Biden em Gaza.
Há semanas, o governo democrata tem demonstrado desconforto e até frustração com a condução de Israel na guerra em Gaza. O discurso público mudou. A menção ao direito de Israel de se defender contra o Hamas é agora sistematicamente acompanhada pelo seu dever de proteger as populações civis palestinas.
Vazamentos na imprensa revelaram que, ao abrigo das câmeras, Joe Biden insulta Benjamin Netanyahu. O líder da base democrata no Senado, Chuck Schumer, também fez críticas virulentas ao primeiro-ministro israelense, descrito como um obstáculo à paz.
Mensagem tripla
Este texto americano apresentado ao Conselho de Segurança é mais um passo. Trata-se de uma iniciativa sem precedentes com uma mensagem tripla. Primeiro, a Israel, para dizer que o apoio americano perante os organismos internacionais talvez não seja eterno.
Depois, é uma mensagem à comunidade internacional para demonstrar a consciência dos Estados Unidos sobre a situação em Gaza, uma vez que o país se encontrava isolado nas votações de resoluções anteriores.
Por fim, é uma mensagem dirigida a parte do eleitorado democrata, em especial aos jovens e às minorias, e não apenas aos muçulmanos – chocados com as consequências em Gaza do apoio americano a Israel.
"Já faz algumas semanas que o governo Biden sinaliza, em privado ao governo Netanyahu, uma forma de insatisfação, um desconforto com a maneira como as operações militares estão ocorrendo em Gaza. Agora, este mal-estar, expresso reservadamente, tem vindo a público”, nota Julien Toureille, pesquisador residente do Observatório dos Estados Unidos da Universidade de Quebec, no Canadá.
“Vimos isso especialmente na semana passada, com as observações relativamente duras do senador Chuck Schumer. Talvez possamos dizer que esta resolução faz parte da comunicação pública da disputa entre Washington e Tel Aviv, mas é também uma forma de Washington tentar assumir o controle, de mostrar a Israel e à comunidade internacional que está tentando intervir neste conflito de uma forma mais determinada”, salienta o pesquisador.
Com informações da AFP