Enquanto a Ucrânia fica sem munição, os líderes alemão e francês estão em desacordo sobre a ajuda militar.
Por James Angelos e Joshua Posaner | Politico
BERLIM — Desde o início da invasão em larga escala da Rússia à Ucrânia, a política alemã tem sido ditada por um princípio orientador: evitar um confronto direto com a Rússia a todo custo.
O atrito entre Scholz e Macron sobre a ajuda militar à Ucrânia está se transformando em uma espécie de disputa aberta | Ludovic Marin/AFP via Getty Images |
Mas após uma cúpula de líderes europeus em Paris na segunda-feira, o presidente francês, Emmanuel Macron, jogou a cautela ao estilo alemão ao vento.
"Faremos o que for preciso para garantir que a Rússia não possa vencer esta guerra", disse Macron a repórteres. "Tudo é possível", disse, incluindo o envio de tropas ocidentais para a Ucrânia.
Esses comentários contrastaram fortemente com o chanceler Olaf Scholz, que pouco antes de partir para a cúpula em Paris fez o argumento oposto, alertando para os perigos da reação da Rússia caso seu governo envie mísseis de longo alcance Taurus de fabricação alemã para a Ucrânia.
"Não podemos estar ligados em nenhum ponto ou lugar às metas que esse sistema pode alcançar", disse Scholz a repórteres em Berlim. "Essa clareza também é necessária. Fico surpreso que algumas pessoas nem se emocionem com isso, que nem pensem se o que estamos fazendo pode levar a um tipo de envolvimento na guerra."
A Alemanha não está sozinha em sua relutância em ser excessivamente provocativa em relação a Moscou. Desde o início da guerra, o governo do presidente dos EUA, Joe Biden, também tentou caminhar uma linha tênue, dando à Ucrânia as armas de que precisa para se defender sem fornecer tanto que atraia os EUA para uma guerra com a Rússia.
Na terça-feira, líderes de vários países da Otan se distanciaram dos comentários de Macron, insistindo que não têm planos de enviar tropas para a Ucrânia.
Mas os temores alemães de um conflito com a Rússia estão particularmente enraizados. Isso é, em grande parte, uma consequência da história. A ameaça russa há muito paira no imaginário alemão. Há também um elemento de culpa histórica.
No início da guerra, Scholz adiou uma decisão sobre o envio de tanques Leopard de fabricação alemã para a Ucrânia, em parte por causa de uma forte onda pacifista no país.
Os franceses têm menos essas reservas, e é provável que por isso Macron se sinta mais confortável em falar da possibilidade de o Ocidente botar botas no chão - mesmo que tal medida pareça exagerada.
Na terça-feira, Scholz rejeitou qualquer consideração de que os países ocidentais enviassem tropas para ajudar a defender a Ucrânia. "Não haverá tropas terrestres de países europeus ou da Otan", tuitou.
Confronto franco-alemão
O atrito entre Scholz e Macron sobre a ajuda militar à Ucrânia está se transformando em uma espécie de disputa aberta.
Autoridades alemãs reclamam que, embora Macron esteja disposto a falar duro com a Ucrânia, ele não seguiu com ação suficiente em comparação com o que Berlim está fazendo.
O Instituto Kiel da Alemanha, que compila contribuições nacionais para o esforço de guerra da Ucrânia, classifica a França como um claro retardatário com 640 milhões de euros em ajuda militar em comparação com a Alemanha, que forneceu ou prometeu 17,7 mil milhões de euros.
É por isso que Scholz tem usado todas as chances que tem para pressionar os países da UE - e particularmente a França - a enviar mais armas e munições para a Ucrânia.
As autoridades francesas contrapõem que fornecem armas que realmente importam - e o fazem com menos hesitação do que os alemães.
É o caso, dizem, da relutância de Scholz em enviar mísseis Taurus. A França se comprometeu a enviar seus mísseis de cruzeiro SCALP em julho, após um movimento britânico para enviar seus Storm Shadows em maio. Esses mísseis são comparáveis ao Taurus, embora o míssil de cruzeiro alemão ofereça um alcance maior e tenha uma ogiva que o torna útil contra alvos como a ponte Kerch, que liga a Rússia e a Crimeia ocupada.
Os líderes ucranianos têm implorado por esses mísseis, especialmente quando seus militares enfrentam uma crescente escassez de munição e os republicanos no Congresso dos EUA bloqueiam um pacote de ajuda militar de US$ 60 bilhões ao país. No início deste mês, as tropas ucranianas foram forçadas a se retirar da cidade de Avdiivka em parte devido à falta de projéteis de artilharia, dando a Moscou seu maior sucesso no campo de batalha em vários meses.
Os ucranianos querem mísseis como o Taurus para atingir posições russas e linhas de abastecimento atrás da linha de frente.
Mas autoridades alemãs dizem que as entregas do Taurus exigiriam o envolvimento direto das tropas alemãs no terreno para programar os mísseis.
No entanto, Gustav C. Gressel, membro sênior de política do Conselho Europeu de Relações Exteriores, disse que os ucranianos poderiam ser treinados para usar o Taurus sem a necessidade de enviar soldados alemães para a Ucrânia.
Após a cúpula em Paris na segunda-feira, Macron pareceu ir atrás de Scholz pela hesitação histórica da Alemanha quando se trata de enviar armas para a Ucrânia.
"Muitas das pessoas que dizem 'nunca, nunca' hoje eram as mesmas pessoas que disseram 'nunca, nunca tanques, nunca, nunca aviões, nunca, nunca mísseis de longo alcance, nunca, nunca isso' há dois anos", disse Macron. Em uma clara referência à oferta amplamente ridicularizada da Alemanha, pouco antes do início da invasão da Ucrânia pela Rússia, de enviar 5.000 capacetes, Macron acrescentou: "Lembro que, há dois anos, muitos ao redor desta mesa disseram: 'Vamos oferecer sacos de dormir e capacetes'".
Mas em relação aos mísseis Taurus, Scholz foi categórico em dizer que uma descida seria difícil. Uma possível abertura seria se os EUA enviassem mais mísseis balísticos ATACMS para Kiev, já que Berlim tende a ficar um passo atrás de Washington quando se trata de armar a Ucrânia.
Berlim também se recusou a ceder no envio de tanques Leopard para a Ucrânia até receber a notícia de que os EUA enviariam seus tanques M1 Abrams.