O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, classificou nesta terça-feira como "inaceitáveis na forma e mentirosas no conteúdo" as manifestações do governo israelense sobre declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da atuação israelense na Faixa de Gaza, e disse serem uma "cortina de fumaça" para mascarar o isolamento crescente de Israel.
Por Lisandra Paraguassu | Reuters
RIO DE JANEIRO - "Uma chancelaria dirigir-se dessa forma a um chefe de Estado, de um país amigo, é algo insólito e revoltante. Uma chancelaria recorrer sistematicamente à distorção de declarações e a mentiras é ofensivo e grave. É uma vergonhosa página da história da diplomacia de Israel, com recurso a linguagem chula e irresponsável", afirmou Vieira em entrevista à Reuters e uma outra agência de notícias.
Chanceler brasileiro, Mauro Vieira 17/04/2023 REUTERS/Ueslei Marcelino |
O governo brasileiro havia decidido ignorar as críticas contundentes de membros do governo israelense e manter apenas a resposta diplomática ao chamar de volta ao Brasil o embaixador em Israel, Frederico Meyer, em reação à fala do ministro das Relações Exteriores israelense, Israel Katz, que, ao lado de Meyer, falando em hebraico, disse que Lula era persona non grata em Israel até que se desculpasse.
As crescentes acusações de Katz e do governo israelense, no entanto, levaram o Itamaraty, apoiado por Lula, a aumentar o tom.
"O ministro Israel Katz distorce posições do Brasil para tentar tirar proveito em política doméstica. Enquanto atacou o nosso país em público, no mesmo dia, na conversa privada com nosso embaixador em Tel Aviv, afirmou ter grande respeito pelos brasileiros e pelo Brasil, que definiu como a mais importante nação da América do Sul. Esse respeito não foi demonstrado nas suas manifestações públicas, pelo contrário", afirmou Vieira na entrevista desta terça-feira.
O chanceler brasileiro disse que Israel tenta semear divisões e "lançar uma cortina de fumaça" para encobrir os ataques a Gaza, onde mais de 30 mil pessoas já morreram, a maioria formada por civis.
"É este isolamento que o titular da chancelaria israelense tenta esconder. Não entraremos nesse jogo. E não deixaremos de lutar pela proteção das vidas inocentes em risco. É disso que se trata", afirmou.
A crise diplomática com Israel começou no domingo, quando Lula comparou a ação das forças de Israel na Faixa de Gaza com a atuação do governo nazista de Adolf Hitler contra os judeus, o que gerou forte reação do governo israelense e da comunidade israelita no Brasil.
"O que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler decidiu matar os judeus", disse Lula no domingo, em uma entrevista coletiva após s 37ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo da União Africana, em Adis Abeba, na Etiópia.
Mais cedo nesta terça, em uma publicação em português em sua conta na rede social X, Katz afirmou que "milhões de judeus em todo o mundo estão à espera do seu pedido de desculpas", criticando Lula por "ousar" comparar Israel a Adolf Hitler.
"Ainda não é tarde para aprender História e pedir desculpas. Até então -- continuará sendo persona non grata em Israel!", postou o ministro israelense, acrescentando que a afirmação de Lula foi "promíscua, delirante" e configurou uma "vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros".
Na sequência, o perfil oficial do governo israelense também atacou o presidente brasileiro, acusando Lula de negar o Holocausto, o que nunca aconteceu.
Vieira afirmou que Lula não irá se retratar da sua fala.
"O presidente não pode se retratar ou negar um massacre que está acontecendo em Gaza. É inaceitável esse massacre"", disse.
Na tarde de segunda-feira, Vieira já havia convocado o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, para uma reunião de uma hora e meia. Na conversa, o chanceler deixou claro o desagrado com a escalada de Israel nas acusações ao Brasil. Nesta terça, Vieira deixou claro que o governo continuará respondendo.
"O embaixador de Israel em Brasília e o governo Netanyahu foram informados de que o Brasil reagirá com diplomacia, mas com toda a firmeza, a qualquer ataque que receber, agora e sempre", disse.
De acordo com uma fonte, havia uma decisão inicial do governo brasileiro de suavizar a fala de Lula, fosse em contato com Israel ou com a comunidade judaica no Brasil. O tom dos ataques de Katz, no entanto, e a maneira como o embaixador brasileiro foi tratado por ele, levaram o governo a decidir por responder duramente a Israel.