Negócio se arrastava e é boa notícia para fabricante do avião usado pela FAB
Igor Gielow | Folha de S.Paulo
São Paulo - A Hungria selou a entrada da Suécia na Otan nesta sexta (23) ao fechar um acordo para a compra de quatro caças Gripen do país nórdico. O Parlamento em Budapeste deve aprovar o ingresso sueco na aliança militar ocidental na segunda (26).
Caças Gripen da Forças Aérea Húngara fazem voo de demonstração em Budapeste - Attila Kiksbenedek - 20.ago.2019/AFP |
O aperto de mãos encerra quase dois anos de animosidade entre os países. A Suécia havia requisitado o ingresso em maio de 2022, na esteira da invasão da Ucrânia pelas forças de Vladimir Putin. Para ser membro do clube liderado por Washington, todos seus 31 membros precisam aprovar a entrada. Só faltava o OK do país do premiê Viktor Orbán, próximo do russo.
Os húngaros vendiam dificuldades para auferir facilidades. No caso, Budapeste quer ver desbloqueados fundos que a UE (União Europeia) congelou em punição por suas infrações contra o padrão de democracia exigido pelo bloco — Orbán promoveu, entre outras coisas, um cerco ao Judiciário.
Não se sabe como essa equação fica, mas a boa vontade está expressa. O premiê já havia sido driblado pela UE na negociação de um pacote de ajuda financeira multianual para a Ucrânia, de R$ 267 bilhões, ao qual ele se opunha.
No caso dos Gripen, a negociação se arrastava havia alguns anos. Não se sabe se os suecos ofereceram algum tipo de condição especial, como um desconto, para a oferta do caça, mas o fato é que a manutenção daquele pequeno mercado europeu era importante para a imagem da aeronave e da estabelecida indústria aeroespacial do país.
Após um sucesso inicial, com cinco clientes além da Suécia, o Gripen conseguiu seu maior negócio externo ao vender 36 aviões para o Brasil — a Força Aérea Brasileira agora negocia elevar essa frota a 50. Mas a fabricante Saab viu o chão se estreitar no mercado da Otan e da Europa.
Perdeu licitações no Canadá, Finlândia e Suíça para o F-35, o avião-padrão dos EUA para as próximas décadas. Na República Tcheca, onde voam Gripen, viu o governo em praga também decidir pela troca das aeronaves pelo modelo norte-americano.
Restava, na Europa, a Hungria. Desde 2001, Budapeste aluga 12 Gripen monopostos e 2, com dois lugares para treinamento. É uma força modesta, compatível com o pequeno tamanho das Forças Armadas magiares.
Agora, irá vender mais quatro unidades do Gripen da mesma série já usada pelos húngaros, a família C/D, que é anterior à versão avançada comprada pelo Brasil e pela Suécia. Com a manutenção, ainda que em números pequenos, manterá um pé no Leste Europeu.
Os suecos também têm negociado a hipótese de enviar Gripen usados para a Ucrânia, embora seja incerto como fariam isso sem degradar suas próprias defesas. Até aqui, Kiev conta com a promessa da Dinamarca e da Holanda de começar a enviar caças americanos antigos F-16 para, pela primeira vez, ter meios para tentar enfrentar o domínio russo no campo.
A esperança da Saab hoje está numa saga para a aquisição de 114 caças do governo indiano e, em bem menor escala, uma compra pontual de talvez 12 aeronaves pela Colômbia. Ambos os negócios podem implicar o Brasil, já que uma linha de produção do modelo E, de um lugar, está operando na Embraer em Gavião Peixoto (SP).
Orbán sinalizou, após meses de rebeldia, alinhamento à Otan. "Nós não apenas manteremos nossa capacidade de defesa aérea, mas a aumentaremos. O que significa que nosso comprometimento com a Otan e nossa vai ser reforçado, assim como nossa participação nas operações conjuntas da aliança", disse, ao lado do premiê sueco, Ulf Kirsterssonn.
O colega disse candidamente que "como você e eu sabemos, nós não concordamos em tudo, mas concordamos que devemos cooperar onde for possível".
Antes da Hungria, a Turquia era a grande trava à entrada sueca, que havia sido requisitada ao mesmo tempo pela também nórdica e neutra Finlândia — mas Helsinque foi admitida rapidamente, no começo do ano passado.
No caso turco, havia queixas de que Estocolmo dava guarida a adversários do governo e extradições foram negociadas. Mas o fator militar foi o que pesou: logo após o presidente Recep Tayyip Erdogan sinalizar que iria aprovar a ação, em julho, o Congresso americano autorizou a venda de novos caças F-16 para Ancara.
Ela estava travada após Erdogan brigar com o governo de Donald Trump, acusando o americano de não extraditar o clérigo a quem ele acusava de ter tramado a tentativa de golpe contra si em 2016. O turco voltou-se para Putin, de quem comprou baterias sofisticadas antiaéreas S-400.
Isso fez com que os EUA tirasse a Turquia do programa do F-35 e travasse a renovação da frota dos antigos F-16, mesmo sendo membro da Otan. Agora, há rumores de que mesmo o caça de nova geração poderá ter sua entrega e produção conjunta retomada, mas isso vai contra o acelerado desenvolvimento de seus próprios caças — o primeiro voo de seu novo modelo ocorreu nesta semana.
A entrada dos dois países nórdicos na aliança é uma das maiores derrotas estratégicas de Putin na guerra, iniciada justamente sob a justificativa de evitar a expansão da Otan a leste, sobre a Ucrânia.