Exército e Marinha no momento empreendem uma batalha silenciosa para negar o acesso à lista de generais punidos pelas forças nos últimos anos. A situação se configura como um verdadeiro cabo de guerra entre as Forças Armadas e a Revista Sociedade Militar,com mediação da Controladoria Geral da União. Apesar de há pouco tempo o Exército ter sido obrigado a fornecer os dados sobre a punição do general Pazuello, as Forças Armadas lutam para que outras punições permaneçam em sigilo, contrariando a Lei nº 12.527/2011.
Robson Augusto | Sociedade Militar
Nos últimos anos, as Forças Armadas têm recebido cada vez mais visibilidade como instituições públicas, submetidas à fiscalização da sociedade. E aos poucos a sociedade tem compreendido que estar atento ao que acontece dentro dos muros dos quartéis é importantíssimo para a manutenção de uma democracia sadia e duradoura. A legislação atual enfatiza que a norma é a transparência dos atos administrativos. Além disso, os regulamentos militares especificam que as punições administrativas, também conhecidas como disciplinares, podem ser impostas a qualquer militar, sendo compreendidas por todos como tendo um caráter educativo.
O Caso Pazuello é um exemplo notório, onde o Exército Brasileiro foi obrigado a divulgar informações sobre um processo administrativo. Ao decidir sobre o tema, a Controladoria-Geral da União (CGU) declarou que os processos administrativos disciplinares militares podem ser acessados pela sociedade.
Extrato de decisão da CGU datada de 14 de março de 2023
” … um dos resultados apresentados pela comissão de revisão, encontra-se o Enunciado CGU n. 3/2023 – Procedimentos disciplinares de militares[1], segundo o qual: “Aplicam-se aos pedidos de acesso a processos administrativos disciplinares conduzidos no âmbito das Forças Armadas as mesmas regras referentes aos servidores civis, cabendo restrição a terceiros somente até o seu julgamento, nos termos do art. 7º, parágrafo 3º, da Lei nº 12.527/2011, regulamentado pelo art. 20, caput, do Decreto nº 7.724/2012. Assim, os processos administrativos disciplinares de militares são passíveis de acesso público uma vez concluídos, sem prejuízo da proteção das informações pessoais sensíveis e legalmente sigilosas”, disse a CGU.Com base nessa decisão, a Revista Sociedade Militar argumentou que a sociedade, o povo, superior hierárquico de todas as instituições públicas, tem o direito de conhecer os detalhes, motivações e resultados dos processos administrativos realizados nos últimos 10 anos para investigar as condutas de todos os oficiais generais. Afinal, os outros generais não possuem prerrogativas diferentes das do general de Divisão Pazuello ou de outros funcionários públicos, como ministros, delegados, policiais federais, médicos etc., que devem – em um país democrático – estar sempre sujeitos ao escrutínio público.
“Parágrafo único. Todo o poder emana do povo…” (Cf 1988)
Solicitação feita pela Revista Sociedade Militar:
“Solicito …planilha listando todos os processos administrativos instaurados e já finalizados contra oficiais generais na ativa ou na reserva dessa força armada nos últimos 10 anos, ano a ano. Por gentileza, indique o nome do servidor, o número do processo e o resultado do mesmo. Destaco ainda que há precedentes e que pedidos semelhantes foram concedidos nos últimos meses após mediação da CGU.”
A negativa inicial das Forças Armadas já era esperada. O que surpreendeu foi, na fase recursal, a mudança de posição da CGU, mesmo tendo a revista justificado sua demanda citando decisões anteriores da instituição, que já determinou a entrega da lista de oficiais punidos pelo Exército a outro solicitante.
A CGU confirmou a existência dessa decisão, mas informou que o Exército obteve um documento de última hora que concede “sobrestamento e efeito suspensivo” em relação à solicitação, impedindo assim o envio das informações.
Na última comunicação sobre a demanda da Revista Sociedade Militar a CGU, possivelmente aproveitando alegações do Exército e Marinha, disse que decidiu postergar a decisão alegando: “informações cuja divulgação pode comprometer a disciplina e hierarquia do corpo militar“.
“Tendo em vista o reconhecimento do pedido de reconsideração no âmbito do cumprimento de decisão do recurso número 60143.001350/2023-95 e a suspensão de seu cumprimento enquanto esta CGU não o avalia, processo que se encontra em andamento, e considerando a mesma matéria que envolve os recursos de números 60143.006461/2023-98 e 60000.003527/2023-12, por se tratar de informações cuja divulgação pode comprometer a disciplina e hierarquia do corpo militar, sugiro a suspensão da instrução dos referidos processos por 30 (trinta) dias, dada a necessidade de aprofundar o estudo sobre precedentes e jurisprudência relacionados ao tema (…)”
Em todas as instituições existe Hierarquia e Disciplina
Advogados ouvidos pela Revista ao comentar o assunto informam que em todas as instituições públicas há hierarquia e disciplina e que isso não impede que seja dada a devida publicidade aos atos administrativos. Ouvidos pela revista, advogados via de regra opinam que os oficiais generais são funcionários públicos nomeados por critérios meritocráticos e políticos dentro das instituições e como tais, devem ter seus atos fiscalizados pelo povo, e que é sadio demonstrar que os regulamentos disciplinares e processos administrativos podem alcançar a todos, sem qualquer tipo de privilégio ou apadrinhamento.
Cláudio Lino, advogado especialista em direito militar, com escritório em Campinas, mencionou que há um precedente (Caso Pazuello) e que mesmo assim as Forças Armadas ainda tentam dificultar o acesso à informações que deveriam ser públicas. Para o jurista há uma equivocada cultura de sigilo e a resolução desse conflito pode abrir ou fechar portas para o acesso à informações muito importantes para a sociedade.
“O embate entre a Revista Sociedade Militar e as Forças Armadas do Brasil, em torno da divulgação de uma lista de oficiais generais punidos… Apesar da Lei de Acesso à Informação e de um precedente estabelecido pelo caso Pazuello, que reforçam a norma da transparência dos atos administrativos, a resistência das Forças Armadas e a posterior decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) de suspender temporariamente a divulgação das informações solicitadas, refletem os desafios de aplicar princípios de transparência em instituições marcadas por uma cultura de sigilo… este impasse … evidencia um momento crítico na relação entre instituições militares e a sociedade civil no Brasil, desafiando os limites da legislação de acesso à informação frente à tradição de confidencialidade militar. A resolução deste conflito não apenas determinará o futuro do acesso público a informações sobre disciplina militar, mas também servirá como um termômetro para a maturidade democrática do país, testando sua capacidade de equilibrar a necessidade de segurança nacional com o imperativo de transparência e responsabilidade perante a população.”, diz o jurista.