Oito pessoas eram investigadas por furto, peculato, receptação e extravio das armas em 2023. Investigação pediu prisões à Justiça Militar. Procurado, Exército confirmou conclusão do IPM, mas não informou número de indiciados nem se alguém foi preso. Dezenove armas foram recuperadas.
Por Kleber Tomaz e Bruno Tavares | g1 SP e TV Globo — São Paulo
O Exército concluiu na semana passada a investigação sobre o furto das 21 metralhadoras de um quartel, ocorrido em setembro do ano passado, em Barueri, na Grande São Paulo, e indiciou militares e civis acusados pelo sumiço das armas.
Além do furto, eles foram responsabilizados por crimes como peculato, receptação e extravio das armas. Dezenove metralhadoras foram recuperadas, outras duas ainda são procuradas. As informações foram apuradas pela TV Globo e pelo g1.
Oito pessoas, sendo seis militares e dois civis, chegaram a ser investigadas por causa das armas que desapareceram do Arsenal de Guerra São Paulo (AGSP) em 2023. A investigação pediu prisões de algumas delas à Justiça Militar.
Procurado para comentar o assunto, o Comando Militar do Sudeste (CMSE) confirmou a conclusão do Inquérito Policial Militar (IPM) sobre o furto das armas, mas não informou o número de indiciados, nem quantos são militares e civis. Tampouco deu detalhes do inquérito, por exemplo, se as prisões foram decretadas, sob a alegação de que o caso ainda está sob sigilo judicial.
"O Comando Militar do Sudeste informa que o Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado para apurar as circunstâncias do furto de 21 metralhadoras do Arsenal de Guerra de São Paulo, em Barueri (SP), foi finalizado no dia 16 de fevereiro. Na mesma data, foi remetido à Justiça Militar da União, que determinou a manutenção do sigilo das investigações", informa a nota do Exército.
O IPM foi encaminhado primeiro ao Ministério Público Militar, que decidirá se há elementos para denunciar os investigados. Depois, o seu posicionamento seguirá para a Justiça Militar, que avaliará se há ou não indícios para incriminar as pessoas acusadas e torná-las rés no processo.
Se forem punidos, os militares poderão receber penas de até 50 anos de prisão, cada um, e depois serem expulsos do Exército. O CMSE também não confirmou se os militares indiciados foram afastados ou se continuam trabalhando. Os civis também podem ser responsabilizados criminalmente.
Em fevereiro deste ano, o CMSE cumpriu outro mandado de busca e apreensão na casa de um dos suspeitos, que ajudou, no entendimento dos investigadores, no esclarecimento do furto das armas. Segundo os investigadores, criminosos haviam encomendado as metralhadoras a militares que trabalhavam no Arsenal de Guerra. Eles retiraram o armamento, que foi levado para os bandidos, de acordo com a apuração.
Ao todo, 13 metralhadoras antiaéreas calibre .50 e oito metralhadoras calibre 7,62 sumiram. O desvio só foi descoberto mais de um mês depois, em outubro, durante recontagem das armas.
As câmeras de segurança do local haviam sido desligadas no dia do crime. Por esse motivo, não há imagens do momento do furto.
De acordo com a investigação do Exército, militares furtaram as metralhadoras para negociar com traficantes de drogas ligados a facções criminosas, como o Comando Vermelho (CV), no Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.
Com a ajuda do Exército, as polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo recuperaram 19 dessas armas. Outras duas continuam sendo procuradas.
10 armas encontradas no Rio
Dez metralhadoras foram abandonadas por criminosos dentro de veículos no Rio, sendo oito em 19 de outubro e duas em 1º de novembro. No documento da força de segurança fluminense, um policial contou que a Polícia Civil do estado negociou com integrantes do CV, por meio de interlocutores, a devolução das dez armas.
Segundo o documento, os traficantes, um de apelido Dedei, e outro, conhecido por Capixaba, estariam de posse das metralhadoras. Segundo o policial, ele suspeita que as metralhadoras foram adquiridas por eles para atacar aeronaves e veículos blindados das forças de segurança.
O agente não informa o que teria sido oferecido em troca. Mas fontes da reportagem disseram que o acordo previa que militares e policiais não entrariam na comunidade onde a facção criminosa atua se, em troca, as armas fossem devolvidas. Procurados pela TV Globo e pelo g1, Exército e Polícia do Rio negaram esse acordo.
9 metralhadoras achadas em São Paulo
Outras nove metralhadoras foram encontradas em 20 de outubro em São Roque, interior paulista. Segundo a Polícia Civil de São Paulo, bandidos que estavam com as armas furtadas trocaram tiros com policiais e fugiram, deixando-as num lamaçal. Nenhum suspeito foi preso e ninguém se feriu.
Segundo o Exército, todas elas são "inservíveis" e não teriam condições de uso. As metralhadoras seriam inutilizadas ou destruídas, de acordo com o Comando Militar do Sudeste.
Seis militares e dois civis eram investigados
No ano passado, o Exército apreendeu, com autorização judicial, celulares, computadores e máquina de pagamentos de cartões bancários nas casas de seis militares suspeitos. A Justiça Militar também determinou as quebras dos sigilos dos investigados.
Ainda em 2023, o Comando Militar do Sudeste chegou a pedir as prisões preventivas deles, mas elas foram negadas. O Ministério Público militar e a Justiça militar não concordaram com as detenções por entender que os argumentos e indícios apresentados de que eles cometeram o furto eram insuficientes.
De acordo com os investigadores, o furto das metralhadoras no quartel teria ocorrido durante o feriado de 7 de Setembro, mas a descoberta dele só ocorreu no dia 10 de outubro. Um militar notou que o cadeado da sala de armas havia sido trocado e decidiu recontar o arsenal. As câmeras do local haviam sido desligadas junto com a rede elétrica.
Um cabo que era motorista pessoal do então diretor do Arsenal de Guerra teria usado o carro oficial do tenente-coronel que comandava o AGSP para transportar o armamento furtado. O comandante não teve participação no crime, mas foi substituído por outro diretor após o sumiço do armamento.
Dois traficantes foram apontados na investigação por terem recebido as armas furtadas.
Segundo o Instituto Sou da Paz, este é o maior desvio de armas do Exército desde 2009, quando sete fuzis foram roubados de um batalhão em Caçapava, interior paulista.
MPM investiga 'aquartelamento'
O Ministério Público militar investiga também se houve irregularidades durante o "aquartelamento" da tropa após a descoberta do desvio das armas em 10 de outubro de 2023. Militares foram impedidos de sair do quartel até 24 de outubro. A medida é prevista pelo Exército em casos excepcionais, mas a Procuradoria apura se ele foi aplicada de forma legal no caso do furto das armas.
Militares chegaram a ter os celulares recolhidos e foram ouvidos no inquérito para passar informações que poderiam levar aos culpados pelo desaparecimento das metralhadoras.
Um cabo, que estava sendo investigado com um dos seis suspeitos de participar diretamente do furto, denunciou que todos eles foram agredidos durante o "aquartelamento" no Arsenal de Guerra, segundo sua defesa relatou à época ao g1.