Líderes da Otan alertam para risco de ataque da Rússia a um país-membro e pressionam governos a rever estratégia para conflito na Ucrânia e a expandir produção armamentista.
Frank Hofmann | Deutsch Welle
Vários militares do primeiro escalão da Otan alertaram, em janeiro, que a aliança militar deve se preparar para um conflito com a Rússia. "Temos de estar cientes de que viver em tempos de paz não é uma obviedade", advertiu o almirante holandês Rob Bauer, que preside o Comitê Militar da Otan.
"Proporção atual é de uma granada de artilharia disparada pelos ucranianos para cada cinco do lado russo" | Foto: Diego Herrera Carcedo/AA/Picture Alliance |
O comandante das Forças Armadas norueguesas, general Eirik Kristoffersen, alertou que há uma janela de "talvez um, dois ou três anos" para que os países-membros da aliança elevem os seus investimentos em defesa. E o comandante militar sueco, Micael Bydén, apelou à sociedade e ao governo para que passem da "compreensão para a ação".
Especialistas veem essas declarações como apelos dos militares aos governos da Europa para que mudem sua estratégia de como lidar com o perigo representado pela Rússia. A esperança de que, com a combinação de armamentos ocidentais e sanções econômicas, a guerra na Ucrânia fosse ser curta já se mostrou infundada.
O que inquieta tanto os líderes militares como os especialistas em defesa é sobretudo a carência de munição e de novos equipamentos militares e a capacidade de produção militar na Europa.
No caso da Rússia, o poder de dissuasão da Otan está estreitamente ligado ao fornecimento de armas à Ucrânia. No ano passado, a União Europeia (UE) havia prometido fornecer 1 milhão de granadas à Ucrânia até março de 2024. O plano falhou.
Um motivo foi a demora do governo alemão em dar garantias de compra aos fabricantes de armamentos, afirma o especialista em defesa Nico Lange. "Estão fazendo isso agora, depois de dois anos" de guerra, comenta.E a necessidade de munição não existe só na Ucrânia, mas também nos depósitos da Otan, acrescenta Lange.
Apenas cinco anos
Outros especialistas alertam que a Otan tem, na mais otimista das hipóteses, apenas cinco anos para recompor seu arsenal a um ponto em que ele sirva para dissuadir a Rússia de um ataque contra um país da aliança.
Esse cálculo foi feito no fim de 2023 pelo especialista Christian Mölling, diretor do Centro de Segurança e Defesa do Conselho Alemão de Relações Exteriores, numa análise de grande repercussão nos meios militares e políticos alemães.
E o especialista Gustav Gressel, do Centro Europeu de Relações Exteriores, afirmou recentemente que "o Ocidente, em especial os europeus, precisa revisar suas disposições financeiras e criar economias de escala para incentivar de forma radical a produção de drones, munições, veículos de combate blindados e muito mais."
Gressel considera esgotada a estratégia de fornecer à Ucrânia sobretudo velhas armas de produção soviética já conhecidas dos ucranianos e oriundas de depósitos dos países do Leste Europeu. Não há mais nada disponível, afirma. A solução seria elevar a capacidade de produção de armas – tanto para a Ucrânia como para os países europeus da Otan.
Desvantagem ucraniana
Neste segundo inverno da guerra, tanto líderes militares como especialistas se mostram preocupados com a inferioridade das forças militares ucranianas em batalhas de artilharia com a Rússia – que aparentemente consegue preencher algumas lacunas com fornecimentos da Coreia do Norte, enquanto a Ucrânia precisa economizar disparos.
A proporção atual é de uma granada de artilharia disparada pelos ucranianos para cada cinco do lado russo, afirmou recentemente o analista Michael Kofman, do centro de estudos militares americano CNA, no podcast War on the Rocks. Analistas mais pessimistas falam de uma relação de um para dez.
Kofman considera plausível que a Ucrânia se veja obrigada a abandonar a cidade de Avdiivka, no front oriental, e hoje muito disputada. E também sobre a cidade de Kupiansk, mais ao norte, paira a ameaça de um grande ataque russo.
Isso evidencia que a demora do Ocidente em fornecer munição e armamentos obriga hoje a Ucrânia a se retirar de território que ela havia conseguido reconquistar, observa o especialista Mölling.
Mudança de estratégia
Hoje parece haver o início de uma mudança europeia de estratégia, impulsionada pela situação no front e pelas análises de especialistas e líderes militares, cientes da falta de munição em suas próprias forças, observa Lange.
Importante é o "desenvolvimento estruturado e de longo prazo das capacidades das Forças Armadas ucranianas, o que estamos abordando agora", disse recentemente o major-general alemão Christian Freuding, numa entrevista a jornais alemães.
"Decisivo", para o comandante-em-chefe das Forças Armadas ucranianas, Valery Zaluzhni, é "que sistemas não tripulados – como drones – junto com outras armas avançadas oferecem a melhor possibilidade para a Ucrânia de não se deixar levar para uma guerra de trincheiras na qual não estaremos em vantagem", como declarou à emissora CNN.
Para os cerca de 50 aliados da Ucrânia, liderados pelos Estados Unidos, isso significa o fornecimento de mais armas de alta tecnologia. Desde o início de fevereiro, os EUA estão fornecendo às tropas de Zaluzhni bombas de precisão GLSDB, fabricadas pela empresa Boeing-Saab, com um alcance de 150 quilômetros.
Com isso, a principal via de abastecimento dos militares russos na faixa costeira entre a Crimeia e a cidade ucraniana de Mariupol, no sul do país, está ao alcance dos ucranianos. Kiev solicitava essa arma de precisão há mais de um ano.
Para a Ucrânia, "estão acontecendo algumas coisas que estão indo na direção certa", afirma Lange. Ele diz que ainda não está claro, porém, se a mudança de estratégia defendida pelos estrategistas militares ocidentais e ucranianos será realmente adotada pelos políticos da Europa, que, em última análise, são aqueles que terão de garantir o dinheiro para os fornecimentos de armas à Ucrânia, bem como para o aumento da capacidade europeia de produção de armas, nos próximos anos.