Pyongyang dispara centenas de projéteis em zona neutra perto de ilhas sul-coreanas. Seul ordena população a se refugiar em abrigos. Tensões atingem pior patamar em décadas, em meio à escalada da retórica militarista.
Deutsch Welle
A Coreia no Norte disparou centenas de mísseis próximo a duas ilhas sul-coreanas nesta sexta-feira (05/01), no incidente considerado o mais grave da Península da Coreia desde 2010.
Coreia do Norte dispara centenas de mísseis próximo a duas ilhas sul-coreanas, no incidente mais grave na Península da Coreia desde 2010 © Jung Yeon-je/AFP |
Moradores das ilhas receberam ordens para se dirigir a abrigos. O fluxo das balsas que fazem a ligação com o continente teve de ser suspenso. O incidente levou as Forças Armadas sul-coreanas a realizarem exercícios de ataque militar na região disputada pelos dois países.
O Ministério da Defesa da Coreia do Sul relatou que foram disparadas mais de 200 rodadas de artilharia nas proximidades das ilhas densamente povoadas de Yeonpyeong e Baengnyeong, situadas ao sul da fronteira marítima.
Segundo a pasta, os projéteis caíram em uma zona neutra criada por um acordo firmado entre as duas partes em 2018 para reduzir as tensões na região. Esse pacto caiu por terra em novembro do ano passado, com o lançamento de um satélite espião pela Coreia do Norte.
O ministro sul-coreano da Defesa, Shin Won-sik, afirmou que o lançamento de mísseis na zona neutra é um "ato de provocação que ameaça a paz na Península da Coreia e agrava as tensões". Ele afirmou que, em resposta, Seul iria adotar medidas de retaliação "imediatas e fortes". "Temos que apoiar a paz com uma força arrebatadora", advertiu.
Pyongyang alerta contra retaliações
A Coreia do Norte, por sua vez, afirmou ter conduzido um exercício militar naval que seria uma "contramedida natural" a supostas ameaças dos "gângsteres militares" sul-coreanos, segundo uma declaração divulgada pela agência estatal de notícias KCNA.
O regime norte-coreano alertou que Seul deve se abster de cometer "provocações" sob o pretexto de uma suposta retaliação, e advertiu que, se isso ocorrer, o Norte iria lançar uma "rígida ação contrária em um nível sem precedentes."
Os militares norte-coreanos disseram que o exercício militar na zona neutra não teve sequer "efeitos indiretos" sobre as ilhas de Baengnyeong e Yeonpyeong.
Baengnyeong, com população de 4,9 mil, está a cerca de 210 quilômetros de Seul, enquanto Yeonpyeong, com cerca de 2 mil habitantes, se localiza a 115 quilômetros da capital.
Os moradores das duas ilhas foram orientados a se retirarem para abrigos como "medida preventiva", antes do início dos exercícios militares sul-coreanos. A ordem foi revogada após algumas horas.
Momento difícil nas relações
Em 2010, a Coreia do Norte reagiu a um exercício militar sul-coreano próximo à fronteira com um bombardeio a Yeonpyeong que matou dois soldados e dois civis na ilha de apenas 8 quilômetros quadrados de extensão. Foi o primeiro ataque em uma área civil desde a Guerra da Coreia (1950-1953), que dividiu a Península.
A reação da Coreia do Sul ao ataque gerou uma troca de disparos de artilharia que durou mais de uma hora, com mais de 200 projéteis sendo lançados. O episódio elevou os temores quanto a uma nova guerra entre os dois países.
As ilhas estão próximas ao território continental da Coreia do Norte, mas pertencem à Coreia do Sul, em razão da chamada Linha Limite do Norte (NLL) estabelecida pela ONU após o fim da Guerra da Coreia.
As relações entre as duas Coreias atingiu um de seus patamares mais baixos em décadas após o líder norte-coreano, Kim Jong-un, resguardar a condição do país como potência nuclear na Constituição norte-coreana, ao mesmo tempo em que promovia uma série de testes de mísseis balísticos intercontinentais.
Reforço da retórica militarista
Em sua mensagem de final de ano, o ditador Kim alertou para um ataque nuclear ao Sul e pediu o reforço do arsenal militar do país, afirmando que um conflito poderia surgir "a qualquer momento".
Em contrapartida, os Estados Unidos enviaram um submarino nuclear ao porto da cidade sul-coreana de Busan e realizou voos de bombardeios de longo alcance durante exercícios militares com a Coreia do Sul e o Japão. Pyongyang considerou as manobras como "provocações intencionais de uma guerra nuclear".
Nesta sexta feira, a KCNA informou que Kim ordenou a intensificação da produção de lançadores de mísseis "devido à grave situação predominante que exige que o país esteja mais firmemente preparado para um conflito militar com o inimigo".
Seus comentários vieram após a Casa Branca acusar o regime norte-coreano de fornecer mísseis balísticos e lançadores de mísseis à Rússia que estariam sendo utilizados na guerra na Ucrânia, o que Washington considera um novo patamar no apoio de Pyongyang a Moscou.
Exército obsoleto, porém numeroso
Não há informações detalhadas sobre o poderio militar norte-coreano, pelo fato de ser um país isolado internacionalmente. Entretanto pesquisadores do Centro Internacional de Estudos de Conflitos (BICC) em Bonn, na Alemanha, estimam que, em 2022, a Coreia do Norte era o país mais militarizado do mundo.
O regime norte-coreano encabeçou o ranking de gastos militares e com pessoal, e ficou em segundo lugar na relação de países com mais armamentos pesados, atrás apenas de Israel.
Segundo o BICC, os equipamentos militares do Exército, Marinha e Força Aérea da Coreia do Norte estão obsoletos. Muitos dos tanques, aviões e sistemas de artilharia ainda são da era soviética ou de produção chinesa.
Pyongyang, porém, possui uma presença militar desproporcional para um país dessas dimensões. Em 2020, eram quase 50 membros ativos das Forças Armadas para cada mil habitantes. A quantidade de mais de 1 milhão de soldados somente no Exército em um país com população de 26 milhões de habitantes é, de fato, bastante grande.
A Coreia do Norte possui mísseis capazes de atingir alvos a até 13 mil quilômetros de distância. Até o final de 2022, estimava-se que o país possuiria até 50 ogivas nucleares.