A lista de países que decidiram interromper sua ajuda à Agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA), como os Estados Unidos e a França, aumenta desde o final da semana passada. Na manhã desta segunda-feira (29), a Áustria decidiu participar da iniciativa. Em entrevista à RFI, Johan Soufi, ex-diretor do escritório jurídico da organização na Faixa de Gaza, denuncia uma mobilização das nações diante de uma pressão crescente de Israel.
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As reações ocorrem após acusações feitas por Israel, na última sexta-feira (27) de que alguns funcionários da agência estavam envolvidos no ataque do Hamas de 7 de outubro, que deixou cerca de 1.140 mortes em território israelense e deu início à guerra na Faixa de Gaza. A UNRWA demitiu as 12 pessoas acusadas e prometeu uma investigação "exaustiva", com consequências aos supostos envolvidos, em caso de comprovação.
Crianças palestinas retiram alimentos de caixas distribuídas pela Agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA), em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Foto de arquivo. AFP - SAID KHATIB |
Soufi desconfia das acusações que resultaram nos anúncios de cancelamento da ajuda à agência, apontando que elas ocorreram no mesmo dia em que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) pediu que Israel impedisse qualquer ato de genocídio em Gaza. "Esse incêndio é iniciado, tenho a impressão, de uma certa maneira, para desviar a atenção e distrair o debate público a um outro assunto que não sejam os crimes cometidos na Faixa de Gaza", aponta o ex-diretor do escritório jurídico da UNRWA à RFI.
Ele lembra que a agência da ONU para os Refugiados Palestinos é frequentemente alvo de críticas de Israel, uma atitude que se intensificou desde 7 de outubro de 2023. Segundo Soufi, Tel Aviv não esconde ter "uma campanha política" de esvaziar a Faixa de Gaza de palestinos. "Esse projeto passa necessariamente pela neutralização ou o desaparecimento da UNRWA", defende.
Soufi também ressalta que o anúncio do Tribunal Penal Internacional sobre o risco de um genocídio no enclave foi baseado em provas e declarações fornecidas pela UNRWA e seu comissário-geral, Philippe Lazzarini. "Não tenho nenhuma dúvida sobre o fato que essa campanha deve também ser compreendida como uma forma de punição coletiva da agência e de uma tentativa de dissuasão dela", reiterou.
Suspensão da ajuda
Após as acusações de Israel, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Itália, Reino Unido, Finlândia, Países Baixos, Alemanha, França e Japão anunciaram neste fim de semana a suspensão temporária do financiamento à UNRWA. A Áustria foi o último país a anunciar sua participação na iniciativa, nesta manhã.
A União Europeia (UE) pediu nesta segunda-feira uma auditoria sobre o funcionamento da instituição. Segundo o porta-voz da UE, Eric Mamer, o trabalho deve ser realizado por especialistas independentes, "escolhidos pela Comissão Europeia".
Já a Noruega, um dos principais doadores à instituição, anunciou no domingo (28) que manterá a ajuda, "embora compartilhe a preocupação suscitada pelas acusações muito graves relacionadas a alguns membros do pessoal da agência". Oslo também fez um apelo para que as nações "reflitam sobre as consequências mais amplas de uma redução do financiamento neste período de situação humanitária extrema".
Para o ex-diretor do escritório jurídico da organização na Faixa de Gaza, a decisão dos países de cortar a ajuda infringe o direito internacional. "Considero que hoje a responsabilidade desses Estados é engajada além mesmo de uma responsabilidade simbólica, moral ou política", afirma Soufi. "Quando olhamos os termos da ordem da Corte Internacional de Justiça, que identifica esse risco de genocídio em condições humanitárias desastrosas na Faixa de Gaza, com uma ameaça à integridade física da população, neste contexto, o fato de suspender o financiamento me parece uma violação potencial das obrigações dos Estados em relação à Convenção de 1948", diz.
As afirmações de Soufi reforçam os apelos do secretário-geral da ONU, António Guterres, que ressaltou no fim de semana que "dois milhões de civis em Gaza dependem da ajuda essencial da UNRWA para sobreviver". "Todos os empregados da ONU implicados em atos de terrorismo serão responsabilizados, principalmente por meio de processos penais", disse, lembrando que a instituição anunciou em meados de janeiro uma avaliação completa e independente da agência.
Mesmo assim, Israel anunciou sua decisão de proibir a UNRWA de continuar operando em Gaza depois da guerra. O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, também acusou Guterres de ignorar "as evidências" do envolvimento da UNRWA na "incitação do terrorismo".
Quase 6 milhões de palestinos dependem da UNRWA
A UNRWA foi criada em dezembro de 1949 pela Assembleia Geral da ONU, após o primeiro conflito árabe-israelense, que eclodiu depois da criação do Estado de Israel em maio de 1948. A agência tem mandato para fornecer assistência humanitária e proteção aos refugiados palestinos registrados em sua área de operação, "à espera de uma solução justa e duradoura para sua situação".
Mais de 700 mil palestinos foram expulsos ou fugiram de suas terras entre abril e agosto de 1948 após a criação de Israel, segundo a ONU. Estas pessoas e seus descendentes têm o status de refugiados.
A UNRWA atua não apenas nos territórios palestinos, mas também no Líbano, na Jordânia e na Síria. No total são cerca de 60 campos de refugiados, incluindo 19 na Cisjordânia ocupada.
A agência oferece suporte a quase 6 milhões de pessoas, com serviços como educação, saúde, infraestruturas dos campos, financiamento e ajuda de emergência, inclusive em períodos de conflito armado. Mais de 540 mil crianças estudam nas escolas da UNRWA.