Diplomatas e mediadores de todo o mundo voltarão a se reunir em Davos (Suíça) para lidar com a guerra na Ucrânia. Mas com um processo que não consegue estabelecer o diálogo entre as partes, dominado apenas por Kiev e que fracassa em dar resultados, o governo brasileiro soa um alerta.
Jamil Chade | UOL, de Genebra (Suíça)
No dia 14 de janeiro, um dia antes do Fórum Econômico Mundial de Davos, os governos da Suíça e da Ucrânia sediarão a quarta reunião de um trabalho iniciado há meses em Copenhague e que era visto como uma esperança de trazer para a mesa de negociações o conflito.
Lula publica foto ao lado do presidente da Ucrânia, Volodymyr ZelenskyImagem: Reprodução/Ricardo Stuckert |
Mas, uma vez mais, a pauta do encontro se limita ao "plano de paz" de Volodymyr Zelensky. Trata-se de um projeto de dez pontos, estabelecendo as condições nas quais Kiev acredita que a guerra poderia ser encerrada.
O plano, porém, exige a retirada de todas as tropas russas dos territórios ucranianos antes de aceitar qualquer mediação. Em conversa com o governo brasileiro, ainda em 2023, o presidente Vladimir Putin deixou claro que não aceitará a condição e que ela representa uma capitulação.
O presidente Lula já alertou Zelensky que um processo de paz não pode ser unilateral, enquanto outros países emergentes têm insistido que não há como endossar o plano do ucraniano, sem envolver os russos nos debates.
Desde que assumiu o governo, há um ano, Lula vem insistindo na necessidade de se criar um grupo para propor saídas à crise. Sem o apoio do dos Estados Unidos, seu plano não decolou.
A existência desse fórum foi considerada em Brasília, inicialmente, como uma oportunidade para o diálogo. O convite para que o governo Lula estivesse presente também foi a chancela que o Planalto buscava.
Durante a última reunião do grupo, em dezembro, em Riad, na Arábia Saudita, o governo brasileiro se limitou a enviar uma carta. Havia, de fato, uma incompatibilidade de agendas, com o assessor da presidência, Celso Amorim, impossibilitado de fazer a viagem.
Mas, em sua carta de 16 de dezembro, o embaixador deixou claro a decepção do Brasil na condução do processo.
"Inicialmente, fomos encorajados pelo potencial inexplorado do formato restrito desse grupo, que poderia eventualmente servir como um facilitador entre os dois lados em conflito", escreveu Amorim.
"Nossa contribuição teve como objetivo promover o diálogo, direto ou indireto, entre as duas partes", explicou.
"Em nossa interação com a Rússia e a Ucrânia, enfatizamos constantemente nossa crença de que o diálogo é essencial para que esse processo produza resultados. Nós os convidamos a criar novas oportunidades diplomáticas", disse.
O ex-chanceler lamentou a falta de resultados. "À medida que o conflito se prepara para entrar em seu terceiro ano, ainda não há abertura para o diálogo ou uma perspectiva confiável para o fim das hostilidades", escreveu.
"A disposição das partes de se envolverem em conversas é fundamental para o sucesso de nossos esforços diplomáticos", constatou, apontando como foi justamente essa disposição que permitiu que a tensão entre Venezuela e a Guiana fosse impedida de ganhar novas proporções.
"O Brasil continua comprometido em renovar seu engajamento no processo de Copenhague, assim que houver disposição das partes em iniciar um diálogo autêntico", completou Amorim.
Para Davos, Zelensky retorna com seu plano maximalista e que não encontra apoio nem entre emergentes e nem com russos. Além de exigir a retirada das tropas de Moscou, a proposta prevê a criação de um tribunal especial para investigar Moscou por crimes de guerra.
Procurado, Amorim explicou ainda que "considera" se irá até Davos.
No Conselho de Segurança, Brasil pede diálogo entre russos e ucranianos
Na última reunião de 2023 no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil não citou textualmente o governo de Vladimir Putin, mas criticou os ataques contra as populações civis nas cidades ucranianas, parte da ofensiva do Kremlin ao longo dos últimos dias.
"Como reiteramos muitas vezes durante os quase dois anos de conflito, os ataques a áreas povoadas podem representar uma violação do direito internacional humanitário", disse a delegação do Itamaraty.
"Também reiteramos a necessidade imperiosa de proteger a infraestrutura civil essencial, especialmente as instalações de energia nuclear. Qualquer dano, seja ele acidental ou não, pode ter consequências graves e sem precedentes", disse.
O apelo, porém, era por uma saída negociada.
"A continuação indefinida das hostilidades só trará mais sofrimento aos civis de ambos os lados da linha de frente. Renovamos nosso apelo a todas as partes para que se engajem em conversações pragmáticas com o objetivo de alcançar uma paz justa e duradoura", afirmou o Itamaraty.
"As negociações diplomáticas e o cumprimento do direito internacional são a única maneira de alcançá-la", completou.