Numa nota publicada nesta quarta-feira, o governo brasileiro manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de denunciar Israel na Corte Internacional de Justiça, em Haia, por genocídio em Gaza.
Jamil Chade | UOL
A partir de amanhã, a corte irá iniciar seu processo, com depoimentos tanto daqueles que acusam Israel de crimes como do próprio governo de Benjamin Netanyahu, que rejeita a denúncia.
Palestinos inspecionam casas destruídas em ataques israelenses em Khan Younis, na Faixa de Gaza | Imagem: 27.nov.2023-Mohammed Salem/Reuters |
"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu hoje o embaixador da Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben, para discutir a situação dos palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, depois de decorridos mais de três meses da presente crise", diz o comunicado do governo.
"À luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário, o presidente manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio", afirma.
A percepção no governo brasileiro é de que o cessar-fogo deve ser a prioridade de todo o esforço diplomático na região. Mas nem resoluções no Conselho de Segurança conseguiram frear a violência e ficar de braços cruzados não era a opção do Brasil.
No encontro com o embaixador palestino, diz a nota, Lula "recordou a condenação imediata pelo Brasil dos ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023". "Reiterou, contudo, que tais atos não justificam o uso indiscriminado, recorrente e desproporcional de força por Israel contra civis", disse.
Segundo o governo, "já são mais de 23 mil mortos, dos quais 70% são mulheres e crianças, e há 7 mil pessoas desaparecidas".
"Mais de 80% da população foi objeto de transferência forçada e os sistemas de saúde, de fornecimento de água, energia e alimentos estão colapsados, o que caracteriza punição coletiva", disse.
"O presidente ressaltou os esforços que fez pessoalmente junto a vários chefes de Estado e de Governo em prol do cessar fogo, da libertação dos reféns em poder do Hamas e da criação de corredores humanitários para a proteção dos civis. Destacou, ainda, a atuação incansável do Brasil no exercício da presidência do Conselho de Segurança em prol de saída diplomática para o conflito", insistiu.
Segundo a nota, o governo brasileiro "reitera a defesa da solução de dois Estados, com um Estado Palestino economicamente viável convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluem a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital".
O que diz a denúncia
No final de 2023, o principal órgão judicial das Nações Unidas foi acionado diante das "supostas violações por parte de Israel de suas obrigações segundo a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio em relação aos palestinos na Faixa de Gaza".
Há um mal-estar entre uma parcela da comunidade internacional que lembra que, semanas depois a invasão russa sobre a Ucrânia, o mesmo tribunal agiu, abriu um processo e determinou medidas provisórias contra Moscou.
O Tribunal Penal Internacional (ICC), que também fica em Haia, já está investigando possíveis crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos tanto pelo Hamas quanto por Israel. Mas sem qualquer ação, até o momento. O silêncio das cortes internacionais diante da morte de milhares de pessoas em Gaza, portanto, tem sido alvo de críticas.
Agora, de acordo com o requerimento sul-africano, "os atos e omissões de Israel têm caráter genocida, pois foram cometidos com a intenção específica necessária para destruir os palestinos em Gaza como parte do grupo nacional, racial e étnico palestino mais amplo".
O documento ainda afirma que "a conduta de Israel - por meio de seus órgãos estatais, agentes estatais e outras pessoas e entidades que agem sob suas instruções ou sob sua direção, controle ou influência - em relação aos palestinos em Gaza, viola suas obrigações nos termos da Convenção sobre Genocídio".
Os sul-africanos ainda afirmam que "Israel, desde 7 de outubro de 2023 em particular, não conseguiu evitar o genocídio e não processou o incitamento direto e público ao genocídio" e que "Israel se envolveu, está se envolvendo e corre o risco de se envolver ainda mais em atos genocidas contra o povo palestino em Gaza".
A África do Sul busca fundamentar a jurisdição da Corte no Artigo 36, parágrafo 1, do Estatuto da Corte e no Artigo IX da Convenção sobre Genocídio, da qual tanto a África do Sul quanto Israel são partes.
Se um processo pode levar anos para ser concluído, o governo da África do Sul quer ainda que Haia estabeleça medidas provisórias para frear a guerra.
Essas medidas iriam "proteger contra danos adicionais, graves e irreparáveis aos direitos do povo palestino nos termos da Convenção sobre Genocídio" e "para garantir o cumprimento por Israel de suas obrigações nos termos da Convenção sobre Genocídio de não se envolver em genocídio e de prevenir e punir o genocídio".
Israel rejeita acusação
Parte do tribunal de Haia, o governo de Israel criticou a decisão do presidente Cyril Ramaphosa e pediu que a corte rejeite o pedido. "Israel rejeita com repulsa a libelo de sangue espalhada pela África do Sul em seu pedido à corte internacional de justiça", disse Lior Haiat, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel.
"A alegação da África do Sul carece de base factual e legal e constitui uma exploração desprezível e desdenhosa do tribunal", denunciou. Para ele, "a África do Sul está cooperando com uma organização terrorista que pede a destruição do Estado de Israel".
A Convenção sobre Genocídio permite que qualquer governo que faça parte do pacto acione a corte em Haia contra outro governo, mesmo que não tenha nenhuma ligação direta com o conflito em questão.