Parlamento russo vota orçamento de 2024, privilegiando gastos militares e de segurança. Cortes nas áreas de saúde, educação e economia popular acendem alerta sobre retorno aos anos 1990.
Deutsch Welle
A Duma (Parlamento russo) debate nesta sexta-feira (17/11) em terceira leitura a proposta de orçamento de Estado para 2024. Os gastos devem chegar 36,6 trilhões de rublos (cerca de R$ 2 trilhões), com arrecadação de 35 bilhões.
Cerca de 6% do PIB russo será destinado aos militares © Donat Sorokin/dpa/TASS/picture alliance |
O governo da Rússia quer cobrir o déficit de 1,6 trilhão de rublos (que corresponde a 0,9% do Produto Interno Bruto do país) com empréstimos e recursos do Fundo Nacional de Bem-Estar Social. Esses recursos vem da renda gerada com o petróleo e o gás natural e do gerenciamento de outros recursos.
Segundo analistas, o orçamento de 2024 será voltado para os gastos militares: 30% das despesas compartilhadas – 10,8 trilhões de rublos ou 6% do PIB – será destinado aos militares. Outros 3,4 bilhões de rublos irão para a segurança nacional e para as instituições de segurança.
Os gastos com benefícios sociais devem aumentar de 6,5 trilhões de rublos para 7,7 trilhões (21% das despesas) em 2024 – mesmo assim ficando abaixo dos gastos militares.
O ministro russo das Finanças, Anton Siluanov, disse durante uma reunião com o Comitê Orçamentário da Duma que "vitória" e "frente de batalha" estão entre os objetivos da proposta orçamentária. Mais tarde, porém, assegurou que o orçamento não deve ser considerado como sendo voltado para os gastos militares, uma vez que "as questões sociais têm preferência nas nossas despesas".
Os números, porém, mostram que isso é uma meia verdade. Em termos absolutos, os gastos na área social devem aumentar em 1,4 trilhão de rublos se forem acrescentados diversos setores como educação, serviços de saúde, políticas sociais e esportes. Ainda assim, a fatia desses gastos no orçamento como um todo cairá de 31,7% este ano para 29,9% em 2024.
De volta aos anos 1990?
O aumento dos gastos militares no orçamento não chega a ser surpreendente se levada em conta a atual guerra na Ucrânia. No entanto, as proporções do aumento em 2024 em relação a 2023 foi inesperada para muitos economistas.
Essa opinião é reforçada por Andrei Yakovlev, um dos fundadores da Escola de Economia de Moscou e pesquisador do Centro Davis de Estudos da Rússia e Eurásia da Universidade de Harvard.
O especialista avalia que é bastante provável que uma desvalorização do rublo se torne necessária para preencher o orçamento. Isso pode gerar graves riscos macroeconômicos associados a uma alta da inflação já em 2025.
Para Yakovlev, a situação traz lembranças dos anos 1990, quando o Estado imprimia dinheiro para pagar os salários, o que levou a uma clássica espiral inflacionária. "O Kremlin nos faz temer os terríveis anos 1990, mas é para onde estão levando a economia nesse momento", afirmou à DW.
Também é esperado que as autoridades russas tentem substituir a perda de rendimentos com as exportações de petróleo e gás em declínio em razão das sanções internacionais, entre outras formas, com recursos internos.
"As autoridades falam abertamente sobre coletar taxas adicionais. Isso se aplica tanto às empresas quanto à população", diz Yakovlev.
O economista destaca ainda que cortes orçamentários estão planejados nas áreas da saúde, educação e economia popular. "Projetos de construção de novas estradas e o desenvolvimento de programas de financiamento habitacional serão muito provavelmente reduzidos", afirmou.
Escassez de mão de obra
A proposta orçamentária para 2024 pode ser descrita como voltada ao setor militar, avalia Natalya Subarevich, da Universidade Pública de Moscou, em entrevista à DW. Segundo a especialista em desenvolvimento socioeconômico, só seria possível falar em economia de guerra se houvesse uma nacionalização em massa e a adaptação de todos os setores à demanda armamentista, o que ainda não é o caso.
Este ano, segundo Subarevich, o declínio da renda da população deve superar o do ano passado. O aumento acentuado dos benefícios estatais mensais para famílias pobres com crianças com menos de 17 anos deverá contribuir para isso, assim como a indexação das aposentadorias e os aumentos nos salários no setor da defesa.
"Centenas de milhares de soldados mercenários e recrutados recebem benefícios bastante vultuosos para os padrões russos. Em geral, a renda da população cresce, mas não para todos", observa.
Para Subarevich, um problema grave na Rússia é o crescimento da escassez de mão de obra, também devido aos esforços de guerra.
Perda de "capital humano"
"Quase um milhão de homens desapareceram da economia real. Alguns fugiram, outros estão em combate. Segundo estimativas demográficas, entre 400 mil e 600 mil pessoas de classe média com os melhores níveis educacionais deixaram o país. Somente alguns poucos retornaram. A Rússia está perdendo 'capital humano', que é o que mais rege o desenvolvimento", disse Subarevich.
De acordo com a economista Alexandra Osmolovskaya-Suslina, apesar das somas recordes destinadas aos militares e às forças de segurança, as políticas sociais se mantém como uma alta prioridade na estrutura geral dos gastos do governo.
"Além disso, essa proposta orçamentária não pode ser descrita como sendo orientada para o desenvolvimento", afirmou à DW.
A injeção de dinheiro para o complexo militar-industrial levará ao crescimento do PIB, mas permanecerá somente como um indicador formal. Não pode ser vista como uma evidência confiável do aumento da prosperidade dos cidadãos.