Os principais jornais franceses analisam nesta quinta-feira (19) a tentativa de mediação do presidente americano, Joe Biden, no Oriente Médio, na segunda semana de uma das piores escaladas de violências entre Israel e o grupo Hamas. Após uma visita a Tel Aviv, o líder democrata anunciou, junto com o presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sissi, a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza pela passagem de Rafah, na fronteira do enclave palestino com o Egito.
RFI
O jornal Le Monde classifica a visita de Biden como "truncada", sem encontros com dirigentes árabes. A reunião prevista em Amã, na Jordânia, com o rei Abdallah II, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, e Al-Sissi foi cancelada antes mesmo da chegada do chefe de Estado americano. No entanto, o diário lembra que o líder democrata não poupou palavras de apoio a Israel, tradicional aliado dos Estados Unidos, e atribuiu ao "campo adversário" a responsabilidade do ataque contra o hospital Ahli Arab, na Faixa de Gaza, que deixou 471 mortos na terça-feira (17), segundo números divulgados pelo Hamas.
O presidente americano, Joe Biden, durante reunião com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na quarta-feira (19), em Tel Aviv. via REUTERS - POOL |
“Não tenho acesso, obviamente, às informações secretas de que dispõe o presidente americano, mas atribuir a responsabilidade do ataque para um para outro foi meio rápido. O que é certo é que os Estados árabes não vão aceitar essa explicação, que não lhes parece razoável, e podemos esperar que essa declaração tenha um impacto real na opinião pública dos países árabes”, apontou Philip Golub, cientista político e professor de Relações Internacionais da Universidade Americana de Paris, à RFI.
Para o jornal Le Figaro, a visita de Biden ao Oriente Médio foi "um fracasso". Em editorial, o diário avalia que "a falha na mediação faz recuar a causa que ele queria defender". "Na guerra de imagens, hoje dominada pelas cenas ensanguentadas do hospital de Gaza, os Estados Unidos aparecem menos neutros do que nunca, preocupados apenas com o destino dos israelenses", afirma Le Figaro.
O objetivo da visita era, inicialmente, obter decisões humanitárias e políticas em favor do povo palestino. Mas, segundo o editorialista do Figaro, a viagem serviu para atiçar ainda mais a revolta no mundo árabe contra o apoio inveterado dos Estados Unidos e os países europeus a Israel.
Diplomacia americana 'empacada' e objetivo da paz deixado de lado
Mesmo tom do jornal La Croix, que fala de uma "diplomacia empacada" que deixa Israel e seus aliados "irreconciliáveis" com os países árabes. Ao se apressar a apoiar a tese da responsabilidade da Jihad Islâmica na tragédia no hospital de Gaza, Biden "rompeu a confiança" e atiçou ainda mais o sentimento de revolta, levando milhares de pessoas a protestarem no Egito, Líbano, Tunísia, Irã e Cisjordânia.
Philip Golub ressalta que, nos últimos 15 anos, os americanos deixaram de lado a questão palestina: a ultima vez que o país se envolveu no conflito foi no fim do governo de Barack Obama, quando tentou limitar o avanço das colonizações judaicas na Cisjordânia.
“Não tem mais um verdadeiro processo de paz há mais de uma década. Os Estados Unidos, ao deixarem de lado esse assunto e acreditando que os envolvidos estariam gerenciando a questão regional, com acordos bilaterais entre países árabes e Israel, acreditaram que poderiam se livrar, de certa forma, desse tema que hoje explode e causa um drama terrível para as populações a para o mundo”, afirma o cientista político.
La Croix entrevistou Leila Shahid, ex-embaixadora palestina na União Europeia, para quem não há uma saída política para essa revolta. "Precisamos de vozes fortes para obrigar Israel a aplicar o direito internacional, para garantir que o lado palestino possa contar com regras básicas ao se sentar na mesa de discussões", diz. "Tenho medo que estejamos indo em direção de uma nova Intifada", afirma a ex-negociadora de paz ao diário.
Poder de pressão dos EUA
À RFI, Golub lembra que dois poderosos grupos navais americanos, com “um imenso poder de fogo e de dissuasão”, foram enviados à região. Mas o professor não vê, agora, Washington tentando impor limites à operação terrestre que Israel prepara à Faixa de Gaza – ao contrário do que já fez no passado, como em 1973, quando declarou que se Tel Aviv avançasse sobre um batalhão egípcio, a ajuda americana a Israel seria imediatamente cortada.
“Há ações muito fortes dos EUA para inibir ações de Israel num contexto de guerra. Mas não tenho certeza de que, hoje, os Estados Unidos estejam em condições de impor o ponto de vista deles, inclusive porque o direcionamento político de Israel hoje é caracterizado por uma adesão muito forte ideológica aos objetivos de colonização e de vingança contra o que aconteceu há 10 dias”, salienta o cientista político.