Analista internacional diz que uma das táticas da reação israelense é empurrar uma multidão de pessoas para a região sul de Gaza para pressionar o Egito a abrir a fronteira e aumentar a diáspora palestina.
Raquel Miura | RFI
Brasília - O choro de uma bebê com o rosto todo ensaguentado ao lado da jovem mãe ferida e deitada no chão evidencia o trauma que tantas crianças vão carregar pela vida toda tamanha violência presenciaram. Mesmo numa guerra, há cenas tão cruéis, como o ataque a um hospital, que ninguém tem coragem de assumir a autoria. Situações que comovem o mundo, mas que não param os bombardeios.
Crianças em um prédio destruído por um bombardeio israelense na Faixa de Gaza, em 14 de outubro de 2023. AP - Hatem Ali |
Muitos brasileiros viajam à região por motivos religiosos, para visitar lugares por onde Jesus passou. Há também uma ligação com o Oriente Médio por causa da imigração de comunidades de vários países para o Brasil ao longo da história. Tudo isso num mundo de celulares e redes sociais faz com que este conflito seja acompanhado de perto pelos brasileiros. São relatos em português de quem esteve ou ainda está ali no meio do caos, como a jovem Shaherd Albanna, que descreveu momentos tensos na busca por um local seguro até poder cruzar a fronteira com o Egito.
“Parece que vamos demorar muito ainda para sair desse país. Estou cansada. Perdi muito peso porque estou muito ansiosa, com muito medo. Não quero perder a esperança, mas está difícil”, falou a jovem de 18 anos em um dos vídeos compartilhados.
No primeiro momento o conflito foi marcado pela surpreendente e brutal incursão do Hamas em Israel, que atacou pessoas nas ruas, nas casas, em prédios e eventos. Jovens que estavam numa festa de música eletrônica mandaram vídeos e mensagens relatando como tentavam fugir. Foi perturbador saber que muitas daqueles pessoas foram mortas logo depois.
Então vieram as vítimas do contra-ataque de Israel, que sitiou a Faixa de Gaza, ocupada principalmente por palestinos. São vários dias sem luz, sem combustível, sem água. Os primeiros caminhões com mantimentos devem começar a entrar na região neste fim de semana.
Enquanto isso, médicos chegaram a realizar cirurgias usando a luz de celulares. O conflito já deixou mais de cinco mil mortos.
Táticas israelenses
O brasileiro Hasan Rabee, que também espera chegar no lado egípcio para entrar no avião presidencial enviado pelo Brasil, narrou momentos de alívio quando recebeu água, remédio e mantimentos enviados pelo Itamaraty. Mas a intensificação dos bombardeios o deixou novamente preocupado.
“Soltaram bombas aqui do lado de onde estamos. Vim para tentar carregar o celular e pegar pão, mas não consegui pão ainda. Atingiram uma casa de civis aqui do lado, muitos civis feridos, mortos. Está muito difícil, gente”, relatou Rabee, que chegou à Palestina com a mulher e duas filhas para visitar parentes dias antes do início do conflito e não conseguiu mais sair.
“Uma das táticas de Israel é a punição coletiva. Se eles suspeitam que ali naquele prédio há um ou outro integrante do Hamas, eles derrubam o prédio inteiro. Há vários relatos e reportagens mostrando que nos últimos anos muitas vezes o exército israelense chega de madrugada, evacua o local rapidamente e derruba, as pessoas não conseguem levar nada. Então eles destroem a infraestrutura, ruas, pontos de embarque, locais de atendimento ao público”, afirmou à RFI o analista internacional Roberto Goulart Menezes, da Universidade de Brasília.
“Joe Biden, que enfrenta eleições internas e não é de hoje que os Estados Unidos buscam afastar crises internas apoiando conflitos fora, foi até lá e praticamente nem mencionou os palestinos. Assim os Estados Unidos vão continuar financiando essa reação e esse avanço israelense que tenta expulsar palestinos. Em 1993 eram 150 mil colonos, hoje são 750 mil”, completou Menezes.
O professor de Relações Internacionais também ressalta a multidão que tem se aglomerado próximo ao Egito, inclusive brasileiros, antevendo ali outra tática israelense. “Quando Israel fecha a Faixa de Gaza, por terra e por mar, e ordena que um milhão de palestinos deixem a parte norte, ele empurra essas pessoas para o sul, mas não é lá o destino que se pretende para eles. No momento que a pressão na fronteira com o Egito se tornar desumanamente insustentável, o Egito abrirá as portas, um milhão de pessoas vão entrar porque foram expropriados de suas posses, e aí Israel fechará a fronteira de vez. Isso aumenta a diáspora palestina mundo afora”, analisa.
Mundo mais perigoso
Outro analista internacional, Jose Luiz Niemeyer, do IBMEC, disse à RFI que “o mundo fica mais perigoso quando, além da guerra entre Estados, como temos na guerra Rússia/Ucrânia, um grupo político com tendência radical usa práticas terroristas contra alvos civis em Israel, que é um Estado independente e soberano e, portanto, deve ser respeitado”.
“O mundo volta a viver algo que lembra a tensão que vivemos após o 11 de setembro de 2001, quando se atingiu interesses americanos em solo americano. Então o ambiente em geral fica mais tenso, mais perigoso pelo acréscimo dessa atuação terrorista contra civis. A agenda da segurança nas relações internacionais fica mais comprometida quando o terrorismo se volta contra interesses estatais específicos”, afirmou Niemeyer.