Os pais de Eid Haddad eram adolescentes quando testemunharam a força utilizada pelas tropas britânicas na Palestina em 1938.
Tom Bateman | BBC News
"Eles viram as tropas entrarem e atacarem as pessoas. Meu pai me contou que bateram com um martelo de madeira usado para picar carne, chamado de 'modakah' em árabe, na cabeça de um homem, e ele morreu", lembra Haddad.
Eid Hadad (à esquerda) com sua mãe e irmão mais novo em 1977 | EID HADDAD |
"Outro homem e seu filho estavam pendurando folhas de tabaco para secá-las. Eles simplesmente foram baleados pelas costas", continua.
"Foi um caos."
Seus pais moravam em al-Bassa, uma vila palestina que foi submetida a um castigo coletivo pelas forças britânicas, que na época chamavam suas ações de "medidas punitivas".
Os britânicos atacavam vilas inteiras se suas tropas sofressem ataques de rebeldes armados que operavam nas colinas.
Haddad compartilha as atrocidades que sua família vivenciou em uma nova série de rádio produzida pela BBC, que explora como o controle britânico e francês no Oriente Médio há um século moldou a região de maneiras que ainda ressoam hoje.
Entrei em contato pela primeira vez com Eid Haddad no ano passado, quando estava cobrindo uma tentativa liderada pelos palestinos de receber desculpas pelos supostos crimes de guerra cometidos pelo Reino Unido durante seu controle da Palestina entre 1917 e 1948.
Ele me contou a história de sua própria infância no Líbano, no meio do derramamento de sangue que sua família testemunhou, depois de ser deslocada de sua terra natal.
Uma história "fundamental"
A juventude de seus pais ocorreu em um momento em que o domínio britânico e francês provocava décadas de conflito e agitação sectária na região.
Sua infância se desenrolou em meio à instabilidade sangrenta que se apoderou do Oriente Médio nas décadas após as potências europeias abandonarem a região.
De acordo com um historiador que entrevistamos, a história dos Mandatos é tão fundamental que é efetivamente "uma história do presente".
Durante a Primeira Guerra Mundial, quando o Reino Unido invadiu e capturou o território do colapsado Império Otomano, eles fizeram promessas contraditórias sobre pedaços de território oferecidos tanto aos árabes, que buscavam independência em toda a região, quanto ao movimento sionista, que buscava um lar judeu na Palestina.
Os britânicos e franceses consolidaram seu controle por meio dos chamados "Mandatos" de governo concedidos pela recém-criada Liga das Nações, um órgão dominado pelas duas potências imperiais.
Na Palestina, Londres estabeleceu movimentos nacionais rivais em rota de colisão antes de lançar uma brutal repressão contra uma revolta árabe no final da década de 1930.
Mais promessas não cumpridas e repressão
Mais tarde, as forças britânicas enfrentaram uma rebelião das milícias sionistas, em meio a uma série de mudanças políticas caóticas, nas quais o Reino Unido não cumpriu suas promessas de imigração e repeliu navios com sobreviventes do Holocausto que haviam escapado da Europa ocupada pelos nazistas.
"Os britânicos não sabiam como lidar com essas coisas", afirma o historiador israelense Tom Segev.
"Eles trataram a Palestina como se fosse um animal de estimação. É bom tê-la, mas realmente não deveria causar muitos problemas", acrescenta.
Enquanto isso, o Mandato francês separou o Líbano da Síria para criar uma "cabeça de praia" estratégica e impôs novas fronteiras em todo o território no início dos anos 1920, antes de reprimir brutalmente uma revolta árabe.
Eles dividiram áreas com base na etnia e religião, em um que o historiador James Barr descreve como um esforço "muito direto e cínico" de dividir e governar.
Consequências para a vida toda
Nos anos após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido e a França se retiraram.
Na Palestina, Londres sabia que sua retirada transformaria um conflito territorial em uma guerra regional, quando o Estado de Israel foi declarado e exércitos árabes invadiram.
Os pais de Haddad fugiram de al-Bassa quando a vila foi destruída por milícias paramilitares judaicas. Durante os conflitos de 1947 e 1948, pelo menos 750.000 palestinos fugiram ou foram forçados a deixar suas casas no que os palestinos chamam de "Nakba" ou "catástrofe".
Haddad nasceu e cresceu em um campo de refugiados palestinos no vizinho Líbano.
O frágil clima sectário entre cristãos e muçulmanos que persistiu após o domínio francês do Líbano se desestabilizou com a chegada de refugiados palestinos. A situação piorou ainda mais durante o surgimento da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), o grupo armado que lançou ataques contra Israel.
O país também tinha poderosos funcionários que ainda apoiavam uma aliança regional pan-árabe com a Síria e o Egito, um movimento com raízes na rebelião contra os Mandatos e mesmo antes.
Posteriormente, o Líbano mergulhou em uma guerra civil sectária. Haddad, cuja família é palestina cristã, descreve como seu irmão de 16 anos foi morto a tiros por ultranacionalistas cristãos libaneses (milícias falangistas) que atacaram os palestinos e seu campo de refugiados ao norte de Beirute em 1975.
No ano seguinte, ele escapou de um massacre, escondendo-se em um armário para evitar os pistoleiros. Ele descreve a humilhação terrível e bárbara dos sobreviventes pelas milícias.
Transtorno de estresse pós-traumático
Haddad afirma que ficou marcado para a vida com sintomas de Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), os quais, segundo ele, remontam às experiências de sua infância.
"Meus pais... Acredito que também sofreram de estresse pós-traumático, pois passaram por muitas situações difíceis quando eram crianças. E imagine meu pai, que estava prestes a ser levado pelas tropas britânicas para interrogatório", diz, explicando que os britânicos separaram mulheres e homens que foram detidos durante as atrocidades na aldeia de al-Bassa em 1938.
Haddad conta que seu pai, na época um adolescente, foi levado para onde estavam as mulheres graças a um aldeão que o disfarçou de menina.
"Simplemente o cobriram, enrolaram um lenço em sua cabeça e colocaram um vestido nele. Dessa forma, o salvaram de ser torturado", acrescenta.
O governo do Reino Unido nunca reconheceu as atrocidades ocorridas em al-Bassa, onde se acredita que as tropas britânicas mataram mais de 30 pessoas.
A partir da Europa, Haddad agora descreve como nunca conseguiu retornar à terra de seus antepassados.
"Sinto como se estivesse faltando uma parte importante de mim. Me sinto como uma ilha em um oceano que me é totalmente estranho", conclui.